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Desde maio de 2005, pelo menos no Rio de Janeiro, as tardes de segunda-feira já não são as mesmas. O dia de semana mais amaldiçoado pelos trabalhadores ganhou uma cara de felicidade. Graças ao samba. No ensolarado horário em que a turma poderia estar dando duro, pegando no batente, abaixando a orelha para o chefe, o que se vê é uma multidão que chega a mil pessoas sambando, cantando, paquerando e bebericando uma geladinha. O mais irônico: a festa tem o nome – e não é galhofa – de Samba do Trabalhador.

Toda segunda-feira é assim, no tradicional clube suburbano Renascença, que nasceu, no Andaraí, como foco do movimento negro há mais de meio século. O Samba do Trabalhador despontou por obra e graça do mestre Moacyr Luz, o Moa, um dos parceiros mais constantes de Aldir Blanc. É bom explicar: o irônico batismo da roda de samba surgiu de uma brincadeira entre os músicos, que ralam de terça a domingo nas excursões e shows. Pelo menos para eles, segunda-feira à tarde é sagrada hora de folga.
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Melhor deixar o Moa contar a história. “Volta e meia eu aparecia, aos sábados, numa roda de samba no Renascença”, lembra. “Até que a diretoria do clube me propôs comandar outra roda, em outro dia da semana. Indiquei a segunda-feira e esse horário maluco como um meio de defesa, de descompromisso, de desvincular essa coisa de eu ser dono de pagode. Queria era reunir os amigos, tocar um samba, trocar uma ideia e torcer pra que algum curioso aparecesse…”

Tem gringo na roda
A brincadeira começou no dia 30 de maio – exatamente um mês depois do Dia do Trabalho. Eram duas da tarde. A convite do Moa, apareceram Tantinho da Mangueira, Bandeira Brasil, Riko Dorilêo, Marquinhos de Oswaldo Cruz e Pecê Ribeiro. Foi tudo muito tranquilo. Maior sossego. Diz aí, Moa: “A gente sentava numa mesinha com trinta pessoas e um de nós ia buscar a cerveja… depois outra… Todo mundo meio que sentado de pernas pro ar. Seria bom se pintasse alguém para assistir e consumir alguma coisa, para melhorar o caixa do clube, que defende causas importantes” .

O prognóstico mais otimista dos sambistas era que aparecessem cinquenta apreciadores, em boa parte, senhores aposentados. A entrada era franca, mas, mesmo assim, poxa vida, segunda-feira, às duas da tarde…

“Em um mês, o público chegou a mil pessoas por semana”, diverte-se Moacyr. “A coisa tomou proporções que ninguém imaginava. Tivemos de chamar equipe de som, o clube se viu obrigado a contratar seguranças – já foram oito… hoje, são cinco -, e pessoas para a portaria, bilheteria, limpeza de banheiros… Para honrar essas despesas, só cobrando entrada… E tem mais, o sucesso nos obrigou a firmar um compromisso com a data. E algum cachê, os músicos merecem receber.”

Os ingressos para o Samba do Tra-balhador custam o mesmo de um bom baile suburbano. São R$ 10 para cavalheiros e R$ 5 para as damas. O aluguel da mesa sai por R$ 2. Baratinho. Cervejas e belisquetes, como frango à passarinho, feijão amigo e batatas fritas, também têm preços honestos.

Além do número de frequentadores, também mudou o horário. A festa já não começa às duas. Devido ao sol de maçarico da Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, o samba ao ar livre teve seu início postergado para as 15 horas e depois para as 16 horas. Nos primeiros tempos, era comum ouvir alguém, celular em punho, ligando para o trabalho, no intervalo da música, inventando desculpas para não voltar. Com o novo horário, dizem, tem muita gente marcando médico, dentista, essas coisas, para o início da tarde de segunda-feira. É o caso de Antônio, um vendedor que, por motivos compreensíveis, prefere omitir sobrenome, local de trabalho, RG, CPF, etc. e tal.

O que não muda é o lugar onde os sambistas se apresentam, sob a sombra de um pé de carambola. A caramboleira acaba remetendo à famosa tamarineira na quadra do Cacique de Ramos, berço de feras como Arlindo Cruz, Zeca Pagodinho e Almir Guineto.

Quatro anos depois das primeiras rodas, o movimento continua intenso. “Agora, toda segunda-feira param vans ou ônibus com turistas de outros Estados e até de outros países”, conta Moa, em 7 de dezembro de 2009. Era uma segunda-feira atípica: chuvosa e dia seguinte (de tremenda ressaca) do hexacampeonato brasileiro conquistado pelo seu Flamengo. O público flutuante não era o mesmo. Variava entre 300 pessoas, um pouco mais, um pouco menos.

Lá estavam os paulistas Carina Mendes, Silvana Gomes e Jéferson Camargo. “É a quinta vez que apareço por aqui. Fiquei entusiasmado quando vi o DVD”, disse animado Jéferson, enquanto tirava uma foto com seu ídolo, o Moa.

Essa história de DVD e CD ao vivo aconteceu ainda em 2005. Eles foram lançados por um selo pequeno, o Lua Music. Mas, para comandar a festa, o pessoal caprichou: chamou o maestro Rildo Hora, produtor de discos de feras da importância de Zeca Pagodinho e Fundo de Quintal.

Há muitos anos sem pisar no Renascença – “desde os tempos em que tocava com a divina Elizeth Cardoso” -, Rildo cumpriu a tarefa com alegria. “Chegar numa roda em que todos os músicos têm a letra dos sambas na mão, e ainda tudo escrito em partituras, facilita”, ri e celebra. “Tem muita gente nova de primeira.”

É o Moa, mais uma vez, quem explica: “Na hora em que a gente percebeu que a brincadeira cresceu, pedi aos músicos mais assíduos que tomassem a roda como um trabalho fixo… Eram todos novos talentos, dessa safra que vem do Projeto Escola Portátil de Música, gente que toca na Lapa, que baixa músicas por internet, que copia CDs raros e divide as harmonias como se fossem minhas antigas bolas de gude… O Rildo se surpreendeu.”

A lista de intérpretes da primeira da gravação é vasta e inclui Bandeira Brasil, Wanderley Monteiro, Zé Luiz do Império, Riko Dorilêo, Renato Milagres, Luciano Macedo, Gabriel Cavalcante, Wandinho da Mangueira, Luiza Dionizio, Bira da Vila, Pedrinho da Flor, Adilson Bispo, Efson, Toninho Geraes e Bruno Sales. Alguns continuam batendo o cartão (se é que cabe a expressão) no Renascença.

O clube fica nas proximidades do Shopping Iguatemi – onde já foi o campo do América Futebol Clube – e a poucos minutos do Maracanã. Qualquer motorista de táxi sabe chegar. O endereço é Rua Barão de São Francisco, 54, no Andaraí. Lá mesmo onde Dondom jogava. Ou você não se lembra do samba de Nei Lopes, cantado por Dudu Nobre na novela Celebridade?

Falando nisso, Dudu, Beth Carvalho, Arlindo Cruz, Almir Guineto, Monarco, Wilson Moreira, Teresa Cristina, Zezé Motta, Mauro Diniz, Dorina, Quinho do Salgueiro e Xande de Pilares acabam aparecendo para trabalhar. Ou melhor, aparecendo no Samba do Trabalhador.


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