O novo Datafolha publicado pelo jornal neste sábado mostra estabilidade na disputa presidencial – Dilma continua com 54% dos votos válidos e Serra com 46% – mas foram dois outros números me chamaram a atenção, embora tenham merecido pouco destaque na edição: o novo recorde de aprovação do presidente Lula, que bateu nos 81%, e a movimentação registrada nas preferências dos eleitores das diferentes igrejas e entre os ateus.
Numa semana em que a guerra santa chegou ao auge na campanha eleitoral, com Serra distribuindo santinhos em nome de Jesus e Dilma assinando uma carta de compromisso para atender aos evangélicos, a maior oscilação ocorreu justamente entre os que declaram não ter religião nenhuma – e no caminho inverso do que todos imaginavam.
Desde que o tucano largou o papel de médico e assumiu o de beato no segundo turno, e a candidata petista, acusada pelos adversários de ser uma atéia malvada, começou a se mostrar uma irmã pia, parece que deu a louca na guerra santa em que se transformou esta campanha.
Sim, por incrível que pareça, foi José Serra quem cresceu no eleitorado ateu: passou de 35% para 40% entre os que não têm religião. Dilma fez o caminho inverso: perdeu seis pontos entre os ateus, caindo de 51% para 46% nesta parcela do eleitorado.
Que se passa na cabeça dos brasileiros? Já é uma maluquice uma pesquisa indagar aos entrevistados qual a sua religião antes de perguntar em quem vai votar, como se se uma coisa estivesse diretamente ligada a outra e o Brasil se debatesse numa disputa entre as igrejas e seus fiéis e não entre partidos políticos e seus eleitores. Por que não perguntam também para quais times os eleitores torcem?
Com o eleitorado católico e o dos evangélicos pentecostais se mantendo estável nesta pesquisa, a vantagem de Serra se deu entre os evangélicos não pentecostais, em que ele passou de 48% para 50%, enquanto Dilma caiu quatro pontos, de 40% para 36%. Pelo jeito, as missas e os cultos deste final de semana podem ser decisivos para a escolha do futuro presidente da República.
No canto esquerdo do pé da página A6 da Folha, procurando bem, ficamos sabendo que “Após três meses, aprovação de Lula volta a subir e bate recorde”, chegando a 81% ( na semana passada tinha 78%) os que consideram seu governo ótimo ou bom. Os mesmos 4% de sempre o consideram ruim/péssimo.
Não, ao contrário do que o jornal dá a entender, não se trata de um fato muito corriqueiro, banal, previsível nas pesquisas sobre a avaliação de presidentes e seus governos, principalmente quando estão, como Lula, a apenas três meses do final do segundo mandato. Como lembra o colunista Fernando Rodrigues no mesmo jornal, o recorde de Fernando Henrique Cardoso foi de 47%, em dezembro de 1996, na metade do primeiro mandato.
O problema, para Dilma, é que apenas metade dos que aprovam o governo declaram que o apoio de Lula pode levá-los a votar em um candidato, enquanto para os outros 40% esta preferência é indiferente. Entre os que avaliam o governo Lula como ótimo ou bom, 33% declararam votar em José Serra.
Números para cá e para lá, a duas semanas das eleições o quadro se apresenta indefinido, como já escrevi no post anterior. Serra largou melhor no segundo turno, criou uma onda favorável, mas chega ao segundo debate, marcado para este domingo na Rede TV, com uma bala de prata vindo em sua direção, que pode desmontar toda a estratégia baseada na questão religiosa.
Sob o título “Monica Serra contou ter feito aborto, diz ex-aluna”, a repórter Mônica Bergamo rompe o silêncio da grande imprensa (a notícia saiu primeiro no site do jornal Correio do Brasil) sobre este delicado assunto que inundou a internet nos últimos dias. “Segundo relato feito à Folha por ex-alunas de Mônica no curso de dança da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), a então professora lhes contou em uma aula, em 1992, que fez um aborto quando estava no exílio com o marido”.
Quem primeiro revelou o caso em seu Facebook foi a bailarina Sheila Canevacci Ribeiro, para “deixar minha indignação pelo posicionamento escorregadio de José Serra” em relação ao tema do aborto. “Com todo respeito que devo a esta minha professora, gostaria de revelar publicamente que muitas de nossas aulas foram regadas a discussões sobre o seu aborto traumático”.
Mesmo que Dilma Rousseff não queira tocar no assunto, é pouco provável que as duas jornalistas, da Rede TV e da Folha, escaladas para fazer perguntas aos candidatos durante o dabate, não toquem neste assunto. Para quem fez da defesa dos “valores cristãos” e dos ataques aos que defendem a descriminização do aborto seu carro-chefe de campanha nesta reta final, a revelação da ex-aluna da mulher do candidato não poderia vir em pior hora.
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