Weekend à francesa

Entraram no palco uma graciosa mulher de meia-idade, trajando vestido colorido e meias calças pretas; um charmoso homem de camisa desalinhada e pouco cabelo desgrenhado grisalho, e um rapaz de óculos cheio de nervosismo. O show ia começar: entretanto, não houve show nenhum. [nggallery id=14621] Para quem esperava uma boa lavagem de roupa suja no primeiro encontro em público entre a artista plástica Sophie Calle e seu ex-namorado, o escritor e mote de seu último projeto, Grégoire Bouillier, a segunda mesa deste sábado só proporcionou um bate-papo pacífico e elegante, que no máximo resultou em divertidas risadas devido ao jeito peculiar de tratar da dor e do amor dos protagonistas do espetáculo.LEIA TAMBÉM:
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O último poemaÁngel Gurría-Quintana, temendo o que poderia se desenrolar na próxima hora, se justificou atribuindo um papel inútil a si mesmo como mediador e, numa brincadeira, apresentou Sophie e Grégoire, que se deram as mãos. O acuado Bouillier acendeu um cigarro, alheio aos pedidos para que não se fumasse, e afirmou ser ao mesmo tempo engraçado e trágico estar ali com Sophie, a qual o seguiu apanhando maço e isqueiro.A exposição Prenez soin de vous, ou Cuide de você, trabalho de Sophie baseado em um e-mail de Grégoire – no qual ele anunciava o rompimento dos dois -, concentrou as atenções da conversa: a artista explicou que não havia entendido completamente a mensagem, e não sabia como respondê-la. Assim, pediu para que 107 mulheres fizessem isso por ela – Sophie só recrutou mulheres porque entendeu que uma carta como aquela só poderia ter como remetente um homem e como destinatário uma mulher. Ela ainda explicou que transformar em arte o recado de Grégoire era uma maneira de ela se distanciar do texto e se recuperar – é a segunda vez que Sophie se apropria de uma desilusão amorosa para criar -, revelando ainda que a carta possuía um elevado potencial artístico. Sophie assumiu desejar a reconciliação com o ex, mas logo depois o agradeceu por não ter voltado para ela: “No fim, o projeto interessou-me mais que a história de amor. Ainda bem que não voltamos, Grégoire, porque eu desistiria de minha ideia!”, exclamou ela, lembrando que a exposição não era uma vingança, e sim um projeto artístico que valia a pena.O sedutor escritor, que ajudou Sophie com o problemático microfone, confessou que não esperava que o rompimento (algo sempre terrível em qualquer situação e com qualquer pessoa) se transformasse em arte – e se tornasse 107 vezes terrível. Também garantiu se sentir privilegiado por fazer parte do bem-sucedido resultado, mesmo não estando de acordo com a intenção de Sophie no início de tudo – e, após entendê-la, ainda não compreender a motivação das mulheres que participaram do trabalho. “Duas mulheres chamadas por Sophie se recusaram a fazer parte do projeto. O que significa que eu ainda tenho alguma chance!”, contou Grégoire.Sophie, que foi quem sugeriu a presença de Grégoire junto à sua mesa na Flip, justificou o convite falando do risco que corria: “Se eu não chamasse Grégoire, seria por motivos horríveis, como medo. Além disso, ele não está aqui como minha vítima, e sim como um escritor”. Já Grégoire afirmou ter aceito o pedido para mostrar que não cometeu todos os erros que pensam. “Não é proibido amar e deixar de amar alguém”, disse ele.Nos momentos finais do debate, Grégoire soltou um aliviado “As coisas estão indo muito bem”. Questionado se sua vida havia mudado após a exposição, ele proferiu um orgulhoso “não” e, quando se pensou que ele derrubaria a supremacia da artista, ela rebateu com um divertido “a minha sim”. Talvez como vingança, Grégoire não pôde escapar de mais uma intimidade revelada por Sophie antes de saírem de cena: “Quando estávamos chegando aqui, preocupados se sairíamos como amigos ou inimigos, Grégoire propôs que eu lhe pedisse desculpas: dessa maneira, ele se casaria comigo. Mas eu não desculpei Grégoire, e não garanto que me casaria com ele mesmo assim”. Nada como a delicadeza francesa.


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