Beirando os 60 anos, alegre como uma calhandra*, a cantora gaúcha Clary Costa acaba de lançar seu primeiro CD solo, todo ele recheado de músicas do cancioneiro sulamericano e do nativismo sulino. Das 14 canções, apenas duas não têm o acompanhamento de seu filho Yamandu Costa, 32, o astro do violão de sete cordas. Mas que ninguém pense que o CD seja um consuelo do filho famoso para a mãe confinada à vida doméstica.
Com esse disco, Clary Costa retoma uma carreira musical iniciada aos 17 anos, quando entrou para o conjunto musical Os Fronteiriços, liderado por seu marido Algacir Costa (1944-1997), violonista, gaiteiro, compositor e professor de música em Passo Fundo, Rio Grande do Sul. Com um pequeno grupo de músicos, os dois animavam bailes, participavam de festivais, cantavam em feiras agropecuárias, circos e restaurantes. Dessa parceria, além de uma dezena de discos e muitas canções, nasceram os dois filhos, Diego e Diamandu (que adotou o nome artístico Yamandu), criados em uma ciranda rica em chamamés, guarânias, milongas, polcas, chotes, rancheiras e toadas.
O conjunto se desfez no início dos anos 1990, quando Algacir Costa se mudou de mala e cuia para Canarana, no Mato Grosso, onde vivem muitos gaúchos que abriram lavouras no cerrado. Foi uma época de ruptura geral. Enquanto os festivais de música sulina se perdiam na mesmice do nativismo, o regionalismo musical gaúcho recebia uma dupla influência – de um lado, a mescla de ritmos e melodias do cancioneiro popular latinoamericano, especialmente da Argentina; de outro, a pressão comercial da música sertaneja, do pagode e do rock brasileiros, tudo isso turbinado, nos anos 2000, pelo advento da internet.
Vivendo em Porto Alegre com Diego, o filho mais velho de 38 anos, Clary Costa passou quase 20 anos achando que sua vida artística estava encerrada. Chegou a voltar aos estudos e se formou assistente social na PUC gaúcha. Mas nos últimos anos Yamandu Costa, que se mudou para o Rio, e diversos admiradores a convenceram a gravar o CD Amiga, lançado em meados de julho num show no Teatro Túlio Piva, em Porto Alegre. Entre os oito músicos que a acompanharam, destacava-se com seu chapéu de copa baixa e aba larga o veterano músico e compositor Luiz Carlos Borges, o nativista mais popular do Rio Grande do Sul e autor da canção Missioneira, incluída no CD.
Reanimada, Clary contratou uma produtora, montou uma banda e, mesmo reconhecendo que o mercado de shows mudou completamente nas últimas duas décadas, acredita que ainda pode recuperar o nicho para seu repertório romântico. Sua voz e seu estilo lembram desde as divas do passado Dalva de Oliveira e Libertad Lamarque até estrelas mais recentes, como Elba Ramalho e a argentina Ramona Galarza. “Em nosso País, aceitamos muito facilmente as novidades e temos memória curta”, diz ela. “Mas ainda aposto na sobrevivência da nossa música nativa sem fronteiras.”
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