Yes, nós criamos boas histórias

Kerouac tupiniquim
Breno Silveira estreou no cinema assinando a fotografia de Carlota Joaquina, Princesa do Brasil (1995), filme que inaugurou a chamada retomada do cinema brasileiro. Foi só uma década depois, no entanto, que o brasiliense formado pela École Nationale Supérieure Louis-Lumière, de Paris, assumiu a direção de um longa. 2 Filhos de Francisco (2005) surpreendeu ao narrar de maneira delicada e, ao mesmo tempo, direta a trajetória da dupla Zezé di Camargo & Luciano. Com uma fita densa, porém acessível, Silveira fez o improvável: agradou crítica e público. Até mesmo quem torce o nariz para a música sertaneja aprovou o resultado. Em À Beira do Caminho, que chega aos cinemas neste mês de agosto, o cineasta se envereda por caminho semelhante, ao eleger a música popular como bússola: canções de Roberto Carlos são a trilha sonora desse road movie, vencedor de cinco prêmios na última edição do Cine PE Festival do Audiovisual, de Recife. O ator João Miguel interpreta o caminhoneiro João, que vaga sem rumo guardando uma dor que envolve dois amores do passado: sua mulher (Ludmila Rosa) e Rosa (Dira Paes). O cotidiano dessa triste figura só será abalado pelo aparecimento de Duda (Vinícius Nascimento). Sem mãe, o garoto sonha conhecer o pai que deixou sua cidade para tentar a sorte em São Paulo. Sua única pista é um retrato 3×4 com um endereço rabiscado no verso.  Pontuada por frases de para-choque de caminhão, a história é um estudo sobre o valor do passado: em comum, João e Duda investigam seu lugar no mundo e a própria identidade. À Beira do Caminho demonstra que, em quase duas décadas atrás das câmeras, Silveira adquiriu um estilo de narrar – áspero e poético.

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Roda viva
Cidade de Deus (2002) catapultou Fernando Meirelles ao sucesso internacional e, a partir de então, o paulistano apresenta um cinema cosmopolita. Embora Ensaio Sobre a Cegueira (2008) tenha decepcionado os admiradores de José Saramago, Meirelles volta a beber na literatura: 360, sua nova empreitada multinacional, é inspirada na peça La Ronde, do austríaco Arthur Schnitzler (1862-1931). Despretensiosa, a narrativa faz instantâneos de diversos personagens ao redor do mundo: uma prostituta ambiciosa (Lucia Siposova), seu cliente (Jude Law), que enfrenta uma crise conjugal; a turista brasileira (Maria Flor) que se descobre traída pelo namorado e busca conforto nos braços de um maníaco sexual (Ben Foster); e um idoso (Anthony Hopkins) que procura a filha desaparecida – entre outras figuras espalhadas pelo leste europeu ou pelo interior dos Estados Unidos. A fita pode irritar quem procura uma história linear, de personagens profundos – em 360, eles servem unicamente à fluência do roteiro e testemunham a atualidade do texto original, escrito no final do século 19. Mais do que isso, os protagonistas funcionam como uma metáfora para o mundo globalizado e hiperconectado, em que todas as pessoas parecem estar, de alguma forma, ligadas entre si.

Estação Liberdade
Rendidos no fim da Segunda Guerra, os japoneses que desembarcavam no Brasil eram tratados como prisioneiros – proibidos de ter jornais próprios, ouvir rádio ou mesmo professar o idioma. No entanto, esse não era o maior drama enfrentado pela comunidade nipônica: para a maioria dos imigrantes que chegavam ao País, o Japão havia vencido o conflito e os poucos que aceitavam a derrota eram perseguidos pelos demais como traidores da pátria. Essa guerra particular, que fez milhares de mortos, era pouco conhecida, até virar o best-seller Corações Sujos pelas mãos do jornalista Fernando Morais (autor de Olga, também transposto para a grande tela) e agora chega aos cinemas sob direção de Vicente Amorim. Corações Sujos fala diretamente à comunidade nipônica – são poucos os diálogos em português e a estética do cinema daquele país foi recriada com rigor, seja nas cenas de luta de espadas ou mesmo nas sequências dramáticas. A aclimatação de temas caros à moral japonesa – como a honra e a lealdade –, porém, sofreu prejuízos. O tratamento melodramático faz com que o roteiro perca força dramatúrgica e os personagens não ultrapassam o estereótipo: a sofredora professora que vê o marido, controlado por um cruel general, tornar-se um assassino disposto a lavar com sangue a honra de seu país.

Brasil libertário
Duas figuras da maior importância na história brasileira chegam ao cinema neste mês: Carlos Marighella e Antonio Conselheiro. O primeiro já foi tema do documentário Retrato Falado do Guerrilheiro (2001), de Silvio Tendler, mas agora ganha um registro intimista pelas mãos da sobrinha do militante, Isa Grinspum Ferraz.

Marighella narra minuciosamente a história do guerrilheiro comunista, que lutou contra o Estado Novo (1937-1945) de Getulio Vargas e, tornado inimigo público durante o Regime Militar (1964-1985), morreu em uma emboscada no centro de São Paulo. A fita esbarra no convencionalismo ao sobrepor imagens de arquivos e depoimentos de antigos companheiros do militante, como Antonio Candido, nome maior da crítica literária brasileira, e Clara Charf, viúva do autor de O Manual do Guerrilheiro. O tom didático só é quebrado pela narração de Lázaro Ramos – negro e baiano como Marighella – e por um rap escrito pelos Racionais MC’s, especialmente para o documentário.

Da Bahia vem Antonio Conselheiro – O Taumaturgo dos Sertões, cuja acidentada história de realização é mais interessante que o próprio resultado: o longa começou a ser rodado ainda em 1987, mas foi engavetado por falta de recursos. Mais tarde, os negativos se perderam em um incêndio. Interrompida a produção, o diretor José Walter Lima só a retomou em 2009, quando imprimiu à história de Antonio Conselheiro, o mítico líder do levante de Canudos, um tratamento experimental que mais se aproxima da videoarte.


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