Zé Pedro comenta faixa a faixa o disco-tributo a Guilherme Arantes

Foi numa dessas longas viagens por esse imenso Brasil que eu resolvi dedicar meu tempo, dentro de um avião, para ouvir a obra completa de Guilherme Arantes. E foi assim que me deparei com o inevitável: escolher algumas de nossas cantoras de maior personalidade para interpretarem algumas de suas canções mais representativas. Foi um grande prazer, uma grande emoção.

Guilherme Arantes faz parte do inventário da música pop brasileira. Ao lado de Lulu Santos, é um hitmaker de fazer inveja a qualquer astro internacional. Seus sucessos invadiram o Brasil desde o início de sua carreira em 1976, e até hoje são executadas incessantemente nas rádios, karokês e iPod’s. Não existem primaveras nem verões sem suas canções de amor.

Para esse projeto da minha gravadora Joia Moderna, escolhi 20 cantoras fundamentais, que eu tinha certeza, seriam a mais completa tradução de sua música. E não me enganei. Todas se debruçaram com emoção e pertinência, fazendo toda a diferença nessa minha ideia de subverter os arranjos originais deixando as letras em completa exposição para o público sentir a importância delas. Muitas vezes essa importância passou desapercebida por estarem ao lado de melodias pegajosas (no melhor sentido) que todos sabemos de cor e sabemos assobiar pelas ruas.

Marina Lima foi minha companheira de fé durante todo o processo das gravações, dando opiniões e tendo ideias maravilhosas, como chamar Zizi Possi para registrar Meu Mundo e Nada Mais, numa gravação emocionante que arrancou lágrimas de todos no estúdio. Cida Moreira, essa grande dama indigna, encontrou novas intenções para Brincar de Viver, que havia sido registrada por Maria Bethânia, ainda nos 80, num programa infantil da TV Globo e que agora, graças a essa gravação de Cida, tem cara de inédita dentro do disco.

Vanessa da Mata escolheu Cuide-se Bem, uma balada imortal que tomou para si num arranjo que configura sua extrema personalidade ao cantar composições de outros autores. Fafá de Belém encontrou na letra de Planeta Água o motivo maior para sua emoção dentro do estúdio, num take único em que todos saímos de lá em completo silêncio e demos por encerrado mais um dia de gravação. Descalça, num completo transe, foi aplaudida no final por músicos e técnicos.

Adyel é a cantora negra que o Brasil precisa reconhecer e ouvir. Dona de uma voz quente e potente, entregou sua alma para a difícil canção Êxtase,  acompanhada apenas por um violão, o que nos surpreendeu no melhor sentido, visto que parecia impossível ouvir esses versos longe do arranjo original feito para piano por Guilherme. A nova baiana Márcia Castro escolheu a ensolarada O Melhor Vai Começar para gravar num arranjo totalmente moderno e inesperado. Fui até o Rio de Janeiro para acompanhar a gravação de Angela Rô Rô para a música Amanhã, e foi uma tarde inesquecível onde pude acompanhar as transformações impostas por ela no andamento e nas intenções dessa canção que é um dos maiores sucessos de Guilherme Arantes.

A jovem Tiê é dona de uma personalidade musical que podemos identificar de imediato como comprova esse registro de Pedacinhos , uma balada amorosa dos anos 80 que ficou doce e moderna em sua voz. A cantora Verônica Sabino andava sumida do mercado e sempre teve forte importância no meu acervo musical. Mandei um email para ela e recebi de volta esse registro emocionante e altamente pop de Loucas Horas, que comprova sua bela voz que o Brasil não pode esquecer.

Verônica Ferriani surpreendeu a todos quando fez sua participação no meu tributo à obra de Taiguara no início do ano passado, sendo assim não poderia faltar aqui, onde gravou Muito Diferente num arranjo sensível de piano e orquestra de cordas. Silvia Machete é uma cantora louca, leve e solta, o que podemos comprovar na sua gravação de Cheia de Charme, sucesso absoluto de Guilherme e que só ela poderia dar uma cara nova.

Mariana Aydar escolheu a urbana Águas Passadas para imprimir sua forte personalidade num arranjo moderno e surpreendente, produzido por seu parceiro Duani Martins. Cantora de registro intimista e muito particular, Vânia Bastos escolheu a melodia quase sinfônica de Primaveras e Verões para gravar no disco e superou todas as expectativas com seu canto suave.

Existia uma canção imortalizada por Elis Regina, que parecia impossível de ser recriada por todos os motivos e numa noite acordo em sobressalto e encontro a chave para esse enigma: Maria Alcina. Era essa cantora para dar cara nova para Aprendendo a Jogar e não em enganei: incendiou o estúdio e a todos nós no dia da gravação.

A cantora Célia é uma das minhas preferidas ontem, hoje e sempre. Seu registro grave e cheio de intenções atestou para todos os fins que O Amor Nascer é uma das canções mais lindas de Guilherme Arantes. Parceira constante do músico Chico Pinheiro, a bela voz de Luciana Alves é a dose exata de emoção para Só Deus É Quem Sabe do Amor, também registrada por Elis Regina e que aqui aparece com novo arranjo e sofisticado frescor.

O piano de Leila Pinheiro, com o passar do tempo em sua carreira, foi cada vez mais se impondo como forte contraponto do canto dessa paraense que sempre gravou Guilherme Arantes. Ela escolheu a linda Despertar do Amor para deixar registrada nesse projeto. No final dos anos 70, fui surpreendido por uma voz grave que causou certa repercussão entre críticos e público para logo em seguida desaparecer abruptamente do mercado. E eu nunca esqueci dessa cantora chamada Fernanda, que aparece aqui nesse disco em grande forma para cantar Toda Vã Filosofia, gravada por Roberto Carlos em 1988.

A novata Daniela Procópio fez um primeiro disco em 2008 que chamou imediatamente a minha atenção pelo inesperado das canções e arranjos de Eumir Deodato e Carlinhos Brown. Convidei-a então para gravar Canção de Amor e ela surpreendeu no estúdio num registro de voz e piano. Para encerrar o disco, a voz rascante de Marya Bravo revela aos mais desavisados a quase inédita Vivendo Com Medo escondida num disco da cantora (?) e musa das discotecas Miss Lene gravado em 1980.

Enfim, A Voz da Mulher na Obra de Guilherme Arantes é um disco que mantém acesa a chama das canções desse compositor paulista que escolheu a música e a poesia como forma de manifestação e que o Brasil não deve esquecer. Salve Guilheme Arantes !


Comentários

3 respostas para “Zé Pedro comenta faixa a faixa o disco-tributo a Guilherme Arantes”

  1. Avatar de virginia salgueiro
    virginia salgueiro

    com certeza será um mega sucesso.O Guilherme merece muitas homenagens.Ele é demais.

  2. Gostei muito desse texto do Zé Pedro … já aguardava para ouvir esse CD e agora então … deve estar mesmo muito lindo … também gostei muito da idéia de ressaltar as letras do Guilherme, muitas e muitas com sínteses muito felizes que trazem luz para várias questões humanas … sou uma “fã praticante” (rsrs), vivo usando algumas dessas frases/sínteses no meu cootidiano … “muita loucura pra pouca aventura” é uma delas … é muito legal ver isso “pegar” … as pessoas vão falando … é isso, não basta ser fã …beijos a todos.

  3. Maravilhoso trabalho de homenagem e excelente a matéria – comentários do DJ Zé Pedro. A música “Vivendo com Medo” (Guilherme Arantes) foi dada ao Netinho – baterista do grupo Os Incríveis, que a gravou em seu LP solo “Amor e Caridade” (RCA/Victor, 1980) e depois regravada pela Miss Lene, no mesmo ano (CBS/Epic).
    Como diria Spock, vida longa às grandes idéias do Zé Pedro e sua Joia Moderna.

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