Zo’é: uma reportagem visual

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“Para mim, a fotografia é um meio de contar histórias. É experiência de vida. Ela me coloca em frente ao outro, no lugar do outro e frente a novas realidades. É isso que me interessa.” A frase não é mera retórica, é aplicação direta quando o assunto é o trabalho de Rogério Assis. A reportagem fotográfica – meio esquecida nos últimos tempos – sempre foi (sem trocadilho) seu foco, desde o início nos anos 1980.  E, mais uma vez, isso é evidente em seu mais recente livro, Zo’é: fascinante ensaio em que mostra os índios que habitam a Amazônia, na região dos rios Cuminapanema, Erepecuru e Urucuriana, no Pará. Eles foram documentados em duas etapas: 1989 e 2009. Mas só agora Rogério Assis conseguiu publicar a obra, que não tem nenhum patrocínio – apesar de o projeto ter sido aprovado pela Lei Rouanet, ele não conseguiu empresas dispostas a patrociná-lo.

O primeiro encontro do paraense com esses índios foi por acaso: “Eu morava em Belém e trabalhava em uma produtora que atendia a FUNAI. Durante as filmagens de um vídeo institucional, soubemos que a fundação tinha descoberto uma nova etnia indígena”. Ele, então, seguiu para uma viagem rápida para fazer o registro. Foram poucas horas em contato com os 147 índios e alguns rolos de filmes. De suas lembranças, guarda a imagem de pessoas alegres, barulhentas, mas com a saúde debilitada. A reportagem ficou engavetada. “Tentei vender a matéria para vários jornais e revistas. Só que ninguém se interessou.”

A fotografia documental ficou intacta. E foi mais uma vez o acaso que decidiu o fim dessa narrativa. “Em 2009, estava em Belém quando encontrei Márcio Meira (antropólogo, que escreve no livro) e aproveitei para dizer que gostaria de reencontrar os índios Zo’é. O processo foi complicado. Esperei para obter autorização e voltar lá.”

Dessa vez, Rogério Assis passou três semanas na região. O resultado é um belíssimo ensaio em duas etapas, construído e pensado como jornalismo, reportagem e narrativa que se sustenta sem tantas explicações. Na segunda etapa, a de 2009, ele também usou filme fotográfico, por uma questão estética, do grão e da prata.

Ao folhear o livro, é como se estivéssemos passeando com o Rogério, seguindo seu olhar, vivenciando sua experiência. É uma pena que ultimamente a reportagem fotográfica tenha sido deixada de lado pelos jornais e curadores. Uma distância da memória do mundo, das histórias de personagens e de um legado que possa fazer a ponte com o que construímos.

Em Zo’é, porém, há vida, e muita: “Quando voltei, encontrei o mesmo pessoal alegre e barulhento. Em 1989, eram 146 índios, hoje são 270. São generosos e sentem orgulho de serem índios”. Tanto orgulho vem do próprio nome Zo’é, como explica a antropóloga Dominique Tilkin em um dos textos do livro: “Os índios do Cuminapanema se reconhecem hoje como Zo’é, que significa simplesmente ‘nós’. Nos anos 1980, quando começaram a conviver com missionários e agentes da FUNAI, a palavra zo’é não era usada para designar a si mesmos, mas para identificar qualquer pessoa que aparentasse alguma proximidade e fosse então considerada ‘gente como nós’. A transformação do pronome em etnônimo é interessante, pois mostra que os Zo’é estão aprendendo a pensar como ‘índios’”.

Rogério finaliza: “Eles são muito vaidosos, gostam de se ver e vou mandar o livro para eles”.  O autor tem certeza de que eles vão se reconhecer porque gostam de ser filmados e de se verem em registros. O leitor, com certeza, vai gostar de ver uma bela reportagem fotográfica.  


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