Em março de 1989, o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Nicholas Brady, anunciou um plano que pretendia renovar a dívida externa de países em desenvolvimento, mediante a troca por bônus novos. Esses, contemplavam o abatimento do encargo da dívida, por meio da redução de seu principal ou pelo alívio nos juros. Além de emitir os bônus, os países deveriam promover reformas liberais em seus mercados. Os bônus do plano Brady, que introduziu a fórmula de comportamento econômico, o Consenso de Washington, ficaram conhecidos como bradies. É mais ou menos isso que acontece com a Grécia hoje. O país vai ter de se submeter a um rigoroso ajuste e também criar um fundo de privatização de 50 bilhões de euros, administrado pelas instituições europeias.
A despeito de a maior parte da população grega ter votado pelo não (oxi) no referendo de 5 de julho, indicando que desaprova as duras medidas de ajuste fiscal exigidas pela Troika (Banco Central Europeu, Comissão Europeia e Fundo Monetário Internacional), o Parlamento da Grécia aprovou as exigências dos credores na quarta-feira (14 de julho). De imediato, o ministro das Finanças Yanis Varoufakis pediu demissão.
A dívida total do país mediterrâneo alcança cerca de 270 bilhões de euros, considerada impagável por muitos analistas. Pela votação no Congresso, a Grécia receberá 86 bilhões de euros em cinco anos. Em troca, terá de aumentar impostos, fazer uma reforma da Previdência e dar mais transparência a suas estatísticas, entre os pontos principais.
Isso livra a Grécia de uma eventual futura saída da zona do euro? Em absoluto. O grau de insatisfação da população é exponencial. “É uma crise política-social, mais do que econômica”, diz o professor Plínio Soares Arruda Sampaio Júnior, professor livre-docente do Instituto de Economia – Unicamp.
“A zona do euro é um projeto político do grande capital europeu e supõe um espaço econômico relativamente homogêneo”, afirma o economista. Com esse modelo, houve um esvaziamento da soberania de países mais frágeis, como a própria Grécia, Irlanda, Portugal e Espanha.
Para Luiz Fernando de Paula, professor titular da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), o erro de origem reside no fato de que foi implementada uma união monetária, sem uma integração fiscal. “A política fiscal ficou a cargo dos governos nacionais, respeitando em tese os limites impostos pelo Tratado de Maastricht. Como não há união fiscal, não existe um instrumento de transferência de recursos fiscais entre os países-membros – os investimentos feitos nos países periféricos foram feitos a partir de ‘fundos’ específicos para projetos de desenvolvimento.”
Em segundo lugar, de acordo com De Paula, a zona do euro tem uma governança de política macroeconômica muito complicada e, mais importante, a estrutura do euro não estava preparada (ou seja, não tinha instrumentos apropriados) para enfrentar uma situação de crise, como ocorreu a partir de 2008-2009, na sequência do contágio de crise americana. Por um lado, o processo decisório é lento e bastante complicado (depende de todos os integrantes). De outro, até recentemente o BCE praticamente não atuava como emprestador de última instância do sistema financeiro, o que restringia sua atuação anticíclica. Assim, os instrumentos anticíclicos de política monetária e fiscal eram e ainda são restritos na zona do euro.
Países menos desenvolvidos se beneficiaram a princípio da região do euro: a economia grega cresceu a uma taxa média anual de 4,2% em 2000-2007, mas depois, com a crise, houve uma queda acumulada do Produto Interno Bruto (PIB) de 25,8% entre 2008 e 2014. “É importante assinalar que não houve descalabro fiscal no caso de Espanha e Portugal, na realidade a piora na situação fiscal foi mais consequência do que causa da crise. Já na Grécia, no período de 2000 a 2007, os gastos públicos cresceram bem acima das receitas, consequentemente o déficit público (em relação ao PIB) aumentou de 3,1% em 1999 para 6,7% em 2007.”
De acordo com De Paula, acompanhado de um crescimento da dívida pública de 88,5% para 103,1% do PIB, houve problema de maquiagem de dados pelo governo, o que gerou uma forte crise de confiança em 2009-2010, aumentando o prêmio de risco na emissão de títulos soberanos pelo país. A dívida pública então pulou de 109,3% em 2008 para 171,4% em 2011, em consequência tanto da desaceleração econômica quanto do aumento dos custos da dívida. Ainda que tenha havido um problema de governança na Grécia, isso não justifica a implantação de planos de austeridade que acabaram sufocando o crescimento da economia grega, aumento da taxa de desemprego abaixo de 10% em 2008 para mais de 25% em 2015.
Haveria uma saída menos traumática para a Grécia? Para Sampaio Jr., a história recente mostra alguns casos nos quais as dívidas soberanas não foram pagas, como o da Malásia, em 1997, quando centralizou o câmbio. Após um soluço inicial, a economia se estabeleceu. Um segundo exemplo foi o da Argentina, em 2001, quando declarou moratória. Não foi o calote o responsável pelas suas vicissitudes, mas os erros posteriores de política econômica.
O professor De Paula tem avaliação similar. “Qualquer saída mais adequada passa pela profunda reestruturação da dívida grega (tal como aconteceu na Argentina).” A política de austeridade deveria ser mais gradualista, para criar condições efetivas para recapitalização dos bancos gregos e a realização de um programa de investimentos públicos, inclusive para melhorar a competitividade da economia grega. E, ao mesmo tempo, tem de haver mecanismos para atenuar a profunda crise social pela qual passa o país.
O próprio Fundo Monetário Internacional (FMI), em comunicado divulgado em 15 de julho, fez duras críticas à União Europeia pela recusa do bloco em considerar o perdão de parte das dívidas da Grécia nas negociações para o terceiro pacote de ajuda financeira ao país em cinco anos.
Especialistas do fundo recomendaram um período de 30 anos para o pagamento das dívidas – entre elas, a dos novos empréstimos –, além de uma extensão da incidência de juros. Sem isso, segundo o órgão, apenas uma redução considerável na massa de débitos poderá fazer do endividamento um processo sustentável.
Plínio Soares Arruda Sampaio Júnior diz ainda que a sociedade grega não vê muitas alternativas. De um lado, votou maciçamente pelo “não” no referendo. De outro, foi pega de surpresa com a guinada do discurso. Virar as costas para a zona do euro causa temor, pelo desconhecido.
Na avaliação de André Nassif, professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e da FGV-Rio, o ajuste acordado entre Grécia e credores não tem fôlego suficiente para tirar o país da crise. “Nesse modelo, tudo o que o BCE dá, volta para os bancos europeus. Ou seja, não há perspectiva de geração de riqueza.”
O temor do primeiro-ministro grego, Aléxis Tsípras, era o país ficar sem nenhuma liquidez e ser obrigado a sair da zona do euro. Isso provocaria uma convulsão econômica e social. “O que ele fez foi ganhar tempo, de um ou dois anos”, diz Nassif. Segundo ele, o ideal seria um grande processo de reestruturação da dívida da Grécia, aos moldes do que foi feito na década de 1980, com o Plano Brady. Em troca de terem dívidas abatidas e alongamento de prazos para pagamentos, os latino-americanos tiveram de submeter suas economias às duras regras do Consenso de Washington, que previa, entre outros pontos, privatizações, liberação da economia ao mercado externo e permissão para o vaivém do capital de curto prazo. Que a Grécia tenha sorte nessa travessia.
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