Afinal, a vingança é “doce” ou nos traz emoções negativas?

A compulsão humana por vingança é uma emoção complexa que a ciência tem encontrado dificuldade de explicar. A maioria dos estudos existentes atribuiu um aspecto negativo a esse sentimento e contrapõe ciência e senso comum. O discurso é de que os “dados” contrariam a sabedoria popular que diz ser “doce a vingança”. Mas, nem só um; nem só o outro. O fato é que dá para ser positivo e negativo. Tudo junto, ao mesmo tempo, e misturado. 

Afinal, se existe uma expectativa cultural que diz que a vingança é doce, não é porque, de alguma forma, ela deve ser mesmo?  Com um novo método que mediu a reação à vingança pela emoção, e não pelo humor, uma pesquisa da Universidade de Washington em St. Louis, nos Estados Unidos, viu que há uma relação de amor e ódio com esse desejo obscuro. Uma mistura. Nós nos sentimos bons e maus ao mesmo tempo. A pesquisa foi publicada no Journal of Experimental Social Psychology.

O estudo fornece uma compreensão sobre as nuances das vantagens e desvantagens de vingança. “Nós amamos a vingança porque punimos o ofensor mas, ao mesmo tempo, nos sentimos maus e não gostamos dela, porque ela nos lembra do ato original”, disse Fade Eadeh, primeiro autor do estudo, em nota sobre a pesquisa. Outros coautores do estudo são Alan Lambert e Stephanie Peak.

“Nós mostramos que as pessoas expressam ambos os sentimentos, positivos e negativos, sobre a vingança, de tal forma que a vingança não é amarga, nem doce, mas agridoce “, disse Eadeh. 

:Multidão na frente da Casa Branca celebra a morte de Osama bin Laden em retaliação aos ataques de 11/09. Foto: Wikimedia Commons
:Multidão na frente da Casa Branca celebra a morte de Osama bin Laden em retaliação aos ataques de 11/09. Foto: Wikimedia Commons

As conclusões do estudo têm por base três experimentos que envolveram 200 pessoas. Em cada fase, os participantes foram convidados a preencher questionários on-line, classificando a intensidade do humor e as emoções desencadeadas pela leitura de notícias breves, incluindo uma que descreveu a morte de Osama bin Laden pelos EUA como uma retaliação aos ataques terroristas de 11/09/2001.

Os pesquisadores utilizaram duas abordagens metodológicas, uma mais livre, em que os participantes descreviam suas emoções sobre a notícia; e outra, mais tradicional, em que os indivíduos classificavam seus sentimentos com uma lista aleatória de 25 adjetivos, como feliz, nervoso, satisfeito, irritado, louco ou triste.

Os experimentos foram concebidos para explorar se as pessoas realmente pensam que a vingança as deixam bem. “Nós quisemos saber se as intuições das pessoas sobre a vingança são boas”, disse o pesquisador Eadeh. “Porque existe uma expectativa cultural tão comum que a vingança é doce e satisfatória? Se a vingança nos faz sentir piores, por que assistimos tantas pessoas torcendo nas ruas de DC e Nova York após o anúncio da morte de Bin Laden?”

“No caso do assassinato de Bin Laden, a notícia é associada a um ato obviamente terrível – os ataques de 11/9, que fornece razão para que a vingança possa ser uma fonte indireta de sentimentos negativos”, disse Eadeh. “Só que também há um sentimento bom associado à vingança porque ela nos dá a oportunidade de corrigir um erro e realizar o objetivo de punir o mau”, conclui.

Participantes do estudo avaliaram emoções desencadeadas pela sua leitura de notícias relacionadas à vingança, como a morte de Osama bin Laden. Imagem: Fade Eadeh, Washington/University in St. Louis
Participantes do estudo avaliaram emoções desencadeadas pela sua leitura de notícias relacionadas à vingança, como a morte de Osama bin Laden. Imagem: Fade Eadeh, Washington/University in St. Louis

Metodologia foi importante para chegar à aspecto “agridoce”

“Nossa pesquisa atual mostra que a maneira como você mede esses sentimentos pode ser muito importante e que há aspectos positivos nisso também”, afirmou Eadeh.

Psicólogos, às vezes, usam emoção e humor como sinônimos, mas há diferenças importantes, como é evidente no estudo atual. Emoções normalmente se relacionam com algum gatilho claro e específico e podem ser intensas, mas são muitas vezes fugazes. Humores, por outro lado, podem acontecer gradualmente, duram por um tempo prolongadas, e muitas vezes são de baixa intensidade.

Isso não significa, segundo os autores, que emoção e humor não estão relacionados. Por exemplo, reações emocionais prazeirosas diante de uma massagem podem deixar você de bom humor. O bom humor também pode predispor a reações emocionais prazeirosas.

Esse dado é importante porque foi a partir dessa distinção que os pesquisadores sofisticaram a metodologia realizada. Antes, a pesquisa media a reação à vingança com o humor. E, agora, utilizando-se da distinção entre humor e emoção, pesquisadores consideraram que as reações emocionais são uma medida mais adequada, já que, por definição, as emoções dependem de um gatilho.

“O fato do humor não se relacionar a nada em particular lhe confere uma dimensão difusa que pode induzir a erros e levar a equívocos de interpretação, no sentido de que nem sempre está claro o motivo pelo qual o humor de uma pessoa mudou”, escreveram os autores.

Neste estudo, Eadeh e seus colegas usaram instrumentos linguísticos sofisticados para analisar a parte mais “livre” do estudo. Foi essa parte que levou os pesquisadores a constatarem que há emoções boas relacionadas à vingança; ao contrário de estudos anteriores, que diziam que a vingança piora o “humor”.

“Nosso trabalho mostra, consistentemente, que as consequências emocionais da vingança são mistas. Isto contraria pesquisas anteriores sobre o tema que apontaram que a vingança é uma experiência totalmente negativa”, disse Eadeh.

Fonte: Journal of Experimental Social Psychology – The bittersweet taste of revenge: On the negative and positive consequences of retaliation.


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