A volta ao passado da aids no Brasil

O quadro atual da resposta brasileira a epidemia de aids é um dos mais preocupantes desde o início da doença nos anos 1980. Os medos daquela época parecem ressurgir traiçoeiros e mais ameaçadores. Vivemos hoje as maiores taxas de aids (não de HIV) entre homens.

 

Foto: Adair Gomes/Fotos Públicas (01/12/2014)
Foto: Adair Gomes/Fotos Públicas (01/12/2014)

Em algumas regiões do Brasil, como o Rio Grande do Sul, há uma epidemia generalizada com taxas de letalidade alarmantes. Os estados da Amazônia, Rio de Janeiro e Santa Catarina estão seguindo pelo mesmo caminho. Um dos maiores problemas no enfrentamento da doença é a ação dos governos, entre eles o federal, não admitindo o tamanho do problema e vendendo o falso panorama de que ‘tudo está resolvido’.

Apesar de o Unaids (Programa das Nações Unidas para o HIV/Aids) evidenciar a importância do financiamento público para as ações da sociedade civil na luta contra a aids, vivemos uma das piores fases neste campo, com muitos problemas burocráticos. Projetos aprovados há quase dois anos ainda não tiveram seus recursos repassados e a burocracia para a celebração de convênios com ONG está cada vez maior, impedindo atividades e restringindo ações.

Na área da prevenção assistimos a medicalização das pessoas. Todas as novidades neste campo são bem-vindas, mas falta uma campanha que informe à população sobre a existência da profilaxia pós-exposição sexual (PEP), disponível no SUS desde 2010.

O Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais salienta com entusiasmo a chegada da profilaxia pré-exposição (já aprovada há anos nos EUA), mas até agora não há um anúncio claro para a adoção desta estratégia. É necessário investir na promoção de outras tecnologias e pesquisas comportamentais que visem entender os processos de riscos e infecção.  Nos preocupa o aumento das DST e as dificuldades de acesso a medicamentos, informações e tratamento.

No campo da assistência, muitos estados enfrentam enormes desafios na referência e contra referência, há problemas até na regulação de encaminhamentos de pacientes. O diagnóstico tardio também dificulta a luta contra aids, há muitos óbitos por falta de perícia dos profissionais de saúde.

Isso contrasta com pesquisas em países desenvolvidos, onde há evidências de que a expectativa de vida das pessoas que adquiriram o HIV por via sexual e foram diagnosticadas oportunamente é similar àquela das pessoas sem HIV. Morrem mais de 12 mil pessoas por ano em decorrência da aids no Brasil.

As inovações ainda demoram a serem inseridas no cotidiano dos pacientes. Eles sofrem com a angustia do adoecimento e lutam pela vida. O 3 em 1, por exemplo, foi aprovado pela FDA  em 2006. E em 2011, o Encontro Nacional de ONGs/Aids já pedia sua inclusão.

Diversos países estão dando preferência a uma primeira linha de tratamento mais eficaz e com menor risco de efeitos colaterais, baseada nos inibidores de integrasse, como o raltegravir e o dolutegravir. Só agora o Brasil vai a incorporar o dolutegravir na grade de medicamentos, mas ainda como terapia de resgate.

O combate a essa epidemia não está somente no campo da saúde: ele se dá também na área dos direitos humanos, da luta contra o estigma e discriminação. E neste sentido o Brasil abandonou a digna trajetória que vinha percorrendo. Ter HIV no Brasil significa sofrer discriminação.

Reconhecer e implementar o direito à saúde para todos os brasileiros, incluindo as populações-chave só será possível com uma política com base nos direitos humanos, que este governo ainda deve abraçar. Por isto recentemente o 2ª Fórum Latino-americano e do Caribe, reunido no Rio de Janeiro em agosto deste ano e posteriormente o Unaids acrescentaram metas de tratamento conhecidas como 90-90-90. A discriminação nutre a epidemia, e por isto deve ser combatida desde o campo da saúde.

Na atual democracia onde todos os atores envolvidos nesta luta precisam ser ouvidos e chamados a contribuir, é fundamental que seja ampliado o diálogo entre governo e sociedade civil organizada, não excluindo entidades representativas por não concordarem com a política implementada, em todo ou em parte.

Vivemos uma das piores fases da epidemia no Brasil. Há uma tendência conservadora crescente, grande limitação de recursos, dissociação cada vez maior entre saúde e direitos humanos, diálogo dificultado, SUS ameaçado, preconceitos que achávamos superados retornando.

Conclamamos o governo a agir com coragem e ímpeto na direção contrária, tendo a certeza que o controle da epidemia precisa de ferramentas de saúde, mas também de muita solidariedade.

 


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