Depois de protesto e greve, o governo do Estado irá se reunir com funcionários do Hospital Universitário (HU) da USP, que só atende emergências desde segunda-feira (30). Uma data para a reunião deve sair na sexta-feira (3). A crise do HU se arrasta desde 2014. O hospital conta com um déficit de 213 profissionais (50 deles médicos), originários do Programa de Incentivo à Demissão Voluntária (PIDV) da USP, e leitos foram fechados. A exigência imediata é pela recontratação de profissionais para suprir o déficit e melhores condições de trabalho.
As informações são do Simesp (Sindicato dos Médicos do Estado de São Paulo), que está mediando as negociações. Segundo o Simesp, quem garantiu uma data para a reunião foi assessor executivo da Casa Civil do governo, Jesse James Latance, durante manifestação de cerca de 200 pessoas ligadas ao HU nesta quarta-feira (1).
Em nota enviada à Saúde!Brasileiros, a assessoria do governador confirma que uma reunião está prevista para avaliar a situação do hospital, mas que ela será feita com a Secretaria de Desenvolvimento Econômico, e não com o governador. Já o Simesp, disse que a informação do assessor dada no protesto é que uma reunião seria feita com o governador Geraldo Alckmin, o vice-governador Márcio França, e o secretário de Estado da Saúde, David Uip.
O Hospital Universitário da USP contribui desde a década de 1980 para a formação de médicos das principais faculdades de medicina, além dos cursos da USP. O hospital também atende meio milhão de moradores da zona oeste, mas tem tido a sua qualidade comprometida com a crise enfrentada pela USP.
O orçamento do hospital e a USP
A assessoria do governo informou que as universidades públicas estaduais gozam de autonomia funcional para planejar e aplicar os seus recursos e que o governo cumpre a lei que determina o repasse de 9,57% da arrecadação do ICMS para a instituição.
O governo disse ainda que, apesar da crise, houve aumento dos valores repassados -que, segundo o Estado, cresceram 22,5% entre 2011 e 2015, de R$ 7,1 bilhões (2011) para R$ 8,7 bilhões (2015). “O maior patrimônio da USP são seus recursos humanos, mas autonomia pressupõe responsabilidade na aplicação do dinheiro público para o atendimento à população”, conclui a nota.
A autonomia funcional da USP, no entanto, não impede que o governo reveja a situação do hospital. Durante a crise da Santa Casa de São Paulo, que teve seu auge em 2014, repasses foram feitos pela Secretaria de Saúde para que o hospital voltasse a funcionar adequadamente, e abrisse o seu pronto-socorro. Novos repasses foram condicionados a uma auditoria, que apontou irregularidades na administração.
A Santa Casa é uma irmandade independente, administrada por um conselho igualmente independente- que, dentre vários serviços, atende o Sistema Único de Saúde. Sua administração não está vinculada a nenhuma das esferas do governo. A Universidade de São Paulo é estadual e o reitor da universidade é nomeado pelo governador. O atual reitor da USP, Marco Antonio Zago, foi escolhido por Alckmin em dezembro de 2013.
Atendimento comprometido e plantões tumultuados
Mesmo sem a greve, o atendimento no hospital já estava restrito pela ausência de profissionais. Em abril, o Jornal do Campus, produzido por alunos do curso de jornalismo da USP, mostrou que o atendimento pediátrico do HU só era realizado em determinados horários. Segundo a reportagem, 25% dos leitos do hospital foram cortados e 40% dos leitos na UTI. A restrição estava sendo feita, segundo o HU, para garantir a qualidade do atendimento.
Em 2015, o Simesp pediu que ao Ministério Público investigasse a situação do HU. Na época, o MP passou a missão para o Conselho Regional de Medicina de São Paulo, que fez uma avaliação sobre o hospital. Abaixo, seguem relatos desse relatório. As informações são da Adusp (Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo).
Segundo o Cremesp, as mudanças da reitoria “ocasionaram grande desorganização, colocando em risco a qualidade do atendimento realizado”. O relatório reportou, ainda, que profissionais aceitaram trabalhar jornadas-extra, sem remuneração, para suprir o déficit de profissionais. “No dia da vistoria constatamos a presença de 23 pacientes em macas, com pelo menos metade deles há mais de 24 horas e um deles com indicação de internação em terapia intensiva.”
O Cremesp também registrou um relato dramático do chefe de plantão:
“Plantão muito tumultuado! PSA com 20 macas, PSI com 18 macas. Sou informado pela pediatra de plantão que temos dificuldade no uso de oxigênio, devido ao número de crianças com doenças respiratórias. Como se já não bastassem nossos problemas, fico sabendo que vários equipamentos da região estão sem pediatra.
Fui contactado pela dra. Mariana Sato, do PZO, que confirmou esta informação. Recebi várias solicitações de AMAs para pediatria. Recusei a vinda de uma criança do PS Band que já estava em tratamento. Estamos com as UTIs todas lotadas. Foi necessário suspender cirurgia por falta de vaga na UTI A. Autorizei a contragosto a vinda de paciente feminina vítima de múltiplos ferimentos por arma branca, do PS Band.”
De acordo com a Adusp, os profissionais médicos ouvidos (clínicos, cirurgiões, pediatras, obstetras, ortopedistas) foram unânimes em afirmar a impossibilidade de se manter o antigo padrão de qualidade, com situações de risco e sofrimento, por exemplo: “dificuldade de se conseguir analgesia intraparto”, “casos de infecção da vesícula que não são operados dentro do prazo, agregando maior risco aos pacientes”, como relatou a coordenadora do Pronto Socorro.
Projeto da desvinculação foi enterrado por enquanto
Desde 2014, a desvinculação do Hospital Universitário vem sendo discutida na USP. Segundo o projeto, o HU ficaria sob a responsabilidade da Secretária Estadual de Saúde (que é responsável pela administração de todos os hospitais públicos estaduais de São Paulo).
O projeto perdeu força quando uma comissão encomendada pelo reitor da USP, Marco Antonio Zago (que é favorável à desvinculação), recomendou que o hospital não fosse transferido e continuasse a ser administrado pela USP.
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