Fotos postadas nas redes sociais pelo ex-jogador e agora senador Romário reascenderam o debate sobre cirurgias bariátricas e suas indicações clínicas. Nas imagens, ele aparece muito magro após ter sido submetido a uma controversa cirurgia para tratamento de diabetes tipo 2 e redução de peso,
Em geral, a cirurgia bariátrica, realizada por meio de técnicas de gastrectomia vertical ou bypass, é indicada para pacientes com Índice de Massa Corporal (IMC) a partir de 40 ou a partir de 35 quando associada a outras como hipertensão ou diabetes tipo 2.
Romário, no entanto, foi submetido a uma diferente técnica cirúrgica chamada Interposição Ileal, que tem a mesma finalidade das demais técnicas de cirurgia bariátrica, mas não é aprovada pelo Conselho Federal de Medicina. Em comum, todas reduzem o volume do estômago, tratam a obesidade e podem ter efeitos positivos no tratamento de outras patologias.
A diferença é que a técnica de interposição ileal, segundo o Dr. Áureo Ludovico de Paula, médico que realizou a cirurgia de Romário, teria efeitos mais eficazes do que aqueles obtidos através das técnicas tradicionais.
O fato de a Interposição Ileal não ter sido aprovada até hoje pelo CFM, porém, faz com que seja contraindicada para qualquer paciente. Não bastasse, Romário, que é portador de diabetes e tinha IMC 31 antes de se submeter a essa cirurgia, não possuia indicação clínica nem para realizar a cirurgia bariátrica através das técnicas tradicionais.
Discussão foi parar na Justiça
O ex-jogador não é o primeiro paciente submetido a essa cirurgia pelo Dr. Áureo. Muitos pacientes já foram operados pelo médico e alguns tiveram graves complicações, incluindo óbito.
Seja pela possibilidade de complicações associadas ao risco cirúrgico, seja pela falta de mais estudos sobre a técnica, fato é que o procedimento não está homologado pelo CFM. Por esse motivo, o Ministério Público Federal ajuizou, em 2010, ação judicial contra o médico Áureo Ludovido de Paula e requereu que ele fosse impedido de realizar a cirurgia de interposição ileal sem antes submetê-la a protocolo de pesquisa.
A ação foi julgada improcedente em primeira instância, tendo o juiz entendido que não se trata de procedimento experimental. Foram interpostos recursos e o processo aguarda o respectivo julgamento.
Segundo a decisão (sentença), a técnica cirúrgica não é experimental, mas sim uma associação de duas outras modalidades de operação já consagradas pela medicina e já foi aprovada pela Câmara Técnica de Cirurgia Bariátrica do CFM. Depois disso, entretanto, deveria ter sido aprovada pelo Plenário do CFM, órgão máximo da entidade, o que ainda não aconteceu.
Entenda o que é uma cirurgia experimental
Uma nova técnica cirúrgica pode surgir de três formas. Ela pode ser fruto da modificação de uma técnica já existente. Pode também ser resultado da aplicação de uma cirurgia conhecida para tratar outro tipo de patologia. Uma terceira via é surgir como um procedimento totalmente novo, testado inicialmente em laboratórios e/ou animais e posteriormente submetido a estudos em humanos através de protocolos supervisionados pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP).
A princípio, só é considerado experimental o procedimento que decorre dessa última alternativa. Porém, ainda que não tenham sido submetidas às etapas de testes, as demais opções também dependem de aprovação do Conselho Federal de Medicina, conforme determinam as Resoluções CFM ns. 1.499/98 e 1.609/2000.
A cirurgia experimental propriamente dita deve seguir protocolos rígidos de pesquisa, estabelecidos pelo Conselho Nacional de Saúde através da Resolução n. 466/2012. Dentre todas as exigências ali elencadas, vale destacar que:
- Deve haver o consentimento livre e esclarecido do paciente, formalizado por escrito;
- A cirurgia deve ser gratuita. Não pode haver cobrança de honorários ou outras despesas médicas, assim como também não pode haver o pagamento de valores ao paciente como contraprestação por sua participação na pesquisa;
- Deve ser assegurado todo o acompanhamento médico e hospitalar pós cirúrgico e indenização por danos decorrentes da pesquisa;
- Deve ser acompanhada por um Comitê de Ética em Pesquisa.
O médico que realizar um tratamento experimental sem a observância dessas e das demais exigências previstas na regulamentação viola o Código de Ética Médica (notadamente os artigos 122, 127 e 129) e pode ter a cassação de sua licença médica, além de ter que indenizar o paciente por danos morais e materiais apurados através de uma ação judicial.
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