Parabéns pelo Dia do Médico. Mesmo?

Escrevo esta coluna no dia 18 de outubro, Dia do Médico. Fui acordado uma hora mais cedo ( porque começou o horário de verão) com um toque do Whatsapp trazendo uma mensagem de um paciente me parabenizando pelo Dia do Médico.

E vieram várias outras mensagens, todas enaltecendo o que o Médico tem ou deveria ter de bom, a dedicação, o longo tempo de preparação, a capacidade de cuidar, entre outras qualidades.

Fiquei pensando se o médico tem mesmo o que comemorar. Talvez, depois dos professores e dos policiais, o papel do médico seja o menos valorizado pela nossa sociedade. Claro que ainda existem os médicos que trabalham em clínica privada e que gozam de prestígio e de sucesso, tendo uma boa recompensa financeira. Mas são menos de 5% dos médicos brasileiros. A grande maioria é assalariada, do serviço público ou privado ou trabalha para o que chamamos de “convênios médicos”, nas suas variadas formas.

Ao longo do tempo o custo da prestação de serviços na área da Saúde cresceu muito e a população aumentou e criou-se uma pressão econômica avassaladora; as fontes pagadoras, públicas ou privadas, contornaram o problema diminuindo a remuneração do médico e economizando nos recursos colocados a serviço da população para um bom atendimento médico.

Assim, os salários no serviço público foram achatados, da mesma forma que o dos professores, e não é incomum nos vários hospitais brasileiros operações serem suspensas por falta de equipamentos, exames não serem realizados por quebra de aparelhos, ou medicações não serem dadas para os pacientes por não terem sido compradas. A máquina da Saúde pública, em todas as esferas é emperrada, lenta e não atende os interesses dos pacientes. Costumo dizer que ser médico nos hospitais públicos é matar o mesmo leão todos os dias, pois os problemas são sempre os mesmos diariamente.

Nos “convênios médicos” a fórmula utilizada foi parecida, honorários pequenos, economia nos exames e procedimentos, fazendo com que o ganho se dê pela produção em massa, que gera consultas rápidas, sem a devida atenção ao paciente e que acabam resultando em mais exames, pois o médico não quer correr o risco de errar.

Ao paciente, que não pode pagar pelo atendimento privado ou ter um seguro saúde ou um convênio de alto padrão, só resta esperar ou buscar na justiça os seus direitos. As filas de espera para tratamento nos hospitais públicos não param de crescer.

O problema não é apenas a remuneração, pois o médico se arranja. Tem vários empregos, dá vários plantões e acaba conseguindo receber razoavelmente. A grande dificuldade são as condições para exercer a medicina de forma adequada. Por esta razão o médico jovem não vai para muitos lugares, mesmo com boas ofertas financeiras.

E como vamos resolver este problema que já tem várias décadas e atrai quase nenhum interesse dos nossos políticos? Fácil, vamos formar mais médicos, ou trazer profissionais de outros países, sem avaliar sua qualificação.

O médico tem mesmo o papel de atender e acolher o paciente, mas para tratar doenças ele precisa de recursos, seja diagnósticos ou terapêuticos. Ainda mais se o preparo do profissional não for suficiente.

No mundo todo o médico estuda no mínimo seis anos após o ensino médio e ainda precisa fazer pelo menos dois anos de residência para ter um treinamento adequado. Mesmo as residências em saúde da família, que buscam formar o médico clínico geral, têm dois anos de duração. Assim, colocar qualquer médico em lugares afastados, sem recursos, pode ser bom do ponto de vista político, pode até deixar o paciente satisfeito, mas dificilmente vai cura-lo.

Então vamos abrir mais vagas e formar mais médicos. “Os médicos são corporativistas e não querem dividir o mercado”, dizem alguns. Abrem-se milhares de vagas e em seis anos teremos no mercado mais um grande número de novos profissionais. Mas que médicos são estes?

Nesta última leva de vagas criadas neste ano existem de fato projetos sérios de faculdades de medicina de algumas instituições privadas, com uma grande preocupação quanto ao tipo de médico a ser formado, ao currículo oferecido, na busca de um hospital para o treinamento e formação dos seus alunos. Mas, a é fato que a maioria das organizações está criando escolas sem a mínima estrutura, sem ter um hospital onde seus alunos possam estagiar, sem um corpo de professores adequado. Não basta ser um bom médico para ensinar medicina! Tem que haver uma formação específica para isto.

A impressão que dá é que existe a intenção de apenas arrecadar mais. Afinal a mensalidade nas escolas de medicina em São Paulo gira ao redor de 5 a 6 mil reais por mês. Que tipo de médico vai nos atender em alguns anos?

EU cresci acreditando que o Brasil era um país do futuro. Este chegou, já estou no terço final da vida e fico cada vez mais desesperançado com o que vai acontecer com o nosso País.

Trabalho há 34 anos em hospital público e ainda não consigo me conformar em ver salas de cirurgias vazias, sem pacientes sendo operados, pois faltam as mais variadas condições.

Ainda não consigo ver pacientes esperando tratamento com sondas uretrais colocadas há mais de seis meses, pois não conseguem ser internados para operarem suas próstatas, sem sentir uma dor no coração. Imagino se fosse meu pai ou mesmo eu.

Feliz Dia do Médico! Feliz por quê mesmo?


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