Os inúmeros efeitos positivos já apontados para a aspirina (o ácido acetilsalicílico) e também seus riscos são objeto de incontáveis estudos clínicos. Uma busca no site PubMed, por exemplo, um dos maiores banco de dados de pesquisas científicas do mundo, traz mais de 56 mil registros com o termo.
Nessas ocorrências, muitas são as associações descritas. Aspirina e câncer, aspirina e diabetes, aspirina e acidente vascular cerebral, entre outras. Mas são poucos os estudos, no entanto, que dão conta de explicar o porquê dessa ação tão extensa no organismo a ponto de ser associado a tantas condições.
Um, no entanto, tentou o feito. Publicada na Molecular Medicine, a pesquisa relata ser a aspirina responsável por bloquear as atividades da HMGB1, uma proteína inflamatória associada com uma variedade de doenças.
“A HMGB1 está presente em mecanismos que levam à artrite reumatoide, a doenças cardiovasculares, à sepse e a alguns tipos de tumores associados à inflamação, como o câncer de colorretal”, diz o professor Daniel Klessig, da Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, e um dos autores do estudo.
O que já é de domínio público é que o efeito analgésico associado à aspirina vem da sua capacidade de bloquear enzimas que produzem as prostaglandinas, tipo de hormônio que causa inflamação e dor (como relata, por exemplo, esse artigo da Wikipedia).
O que ainda não está na Wikipedia, porém, é que após o bloqueio dessas enzimas, o composto interage com a HMGB1. O achado veio de uma desconfiança: os pesquisadores já imaginavam que a aspirina poderia ter outra ação no organismo, dadas as evidências de muitos dos seus benefícios (o medicamento é comercializado desde 1899).
Eles, então, cultivaram tecidos humanos em laboratório e os misturaram com a aspirina. Após análises, encontraram rastros de interação entre o ácido salicílico (forma já metabolizada da aspirina) e a HMGB1.
No organismo, a HMGB1 é normalmente encontrada no interior do núcleo da célula, mas pode estar presente na corrente sanguínea. Ela é liberada quando há lesões de tecidos ou tumores. Sua presença recruta as células de defesa do corpo para “consertar o problema”.
A HMGB1 também faz com que o sistema imunológico produza citoquinas. Essas enzimas deflagram a inflamação, que nada mais é do que a resposta do nosso sistema de defesa quando há um ataque. Para a chegada dos defensores, há maior vascularização e fluxo de sangue. É por isso que do lado de fora o que vemos é inchaço e vermelhidão.
Apesar de ser uma resposta natural, hoje cientistas relacionam a inflamação a uma série de doenças. Defeitos nesses mecanismos (seja para “chamar” a inflamação ou fazê-la parar) estão na raiz de um número incontável de condições: Alzheimer e aterosclerose são algumas. Este artigo publicado na Nature cita, por exemplo, que “não se sabe muito bem o porquê, mas a inflamação está associada a uma série de problemas. Há muitos estudos recentes mostrando isso.”
Parece que as descobertas com a HMGB1 podem ajudar a entender esse processo. Os pesquisadores também encontraram dois derivados do ácido salicílico (um dos compostos da aspirina) que chegam a ser de 50 a 1000 vezes mais potentes em suprimir a atividade pró-inflamatória da proteína fora da célula.
Com isso, eles acreditam que novos medicamentos, ainda mais eficazes, podem ser possíveis a partir dos mecanismos descritos.
Cuidados com a aspirina e necessidade de mais estudos
A aspirina é comercializada desde 1899. Usado como analgésico e anti-inflamatório, o composto é associado em estudos a uma infinidade de benesses – da melhora da visão ao câncer; da prevenção a doenças cardiovasculares a alívio da diabetes.
Os efeitos adversos foram igualmente fundamentados, como lesões gástricas, que levam a sangramentos e, consequentemente, úlceras (no estômago e no intestino).
A controvérsia é tanta que não é incomum o mesmo periódico publicar malefícios e benefícios associados à substância. O JAMA, por exemplo, respeitado periódico da Associação Americana de Médicos, já publicou estudos mostrando o efeito protetor da aspirina em doenças cardiovasculares, mas também já se viu em suas páginas uma outra pesquisa associando a substância a um tipo de cegueira.
Em toda a ciência, o equilíbrio entre esses efeitos ainda não foi alcançado e os cientistas ainda tentam descobrir os mecanismos da aspirina.
Hoje, geralmente, a aspirina só é receitada por um longo período quando seu uso é mais benéfico para determinado indivíduo que os riscos envolvidos – esse tipo de conduta é normalmente adotado em medicamentos controversos.
Por exemplo, se alguém possui alto risco de infarto não tratável por outros medicamentos, a aspirina é administrada (ela ajuda a desobstruir as artérias que levam o sangue ao coração e, com isso, evita a morte do músculo cardíaco).
Seus efeitos sobre o aparelho gastrointestinal, contudo, são monitorados atentamente por especialistas. Por esse motivo, o seu uso indiscriminado sem acompanhamento médico é altamente contraindicado.
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