A psicanalista especialista em crianças e adolescentes Ana Olmos participa hoje (5) do cinedebate Infância, Gênero, Consumo e Violência, que acontece após a exibição do filme Sonhos Roubados, de Sandra Werneck.
Ana Olmos é colunista de Saúde!Brasileiros e publicou recentemente artigo onde mostra o impacto dos estímulos incessantes ao consumo sobre a autoestima das crianças e seus efeitos a longo prazo.
Sonhos Roubados aborda a vida de três garotas de uma comunidade carioca que sonham com uma vida e um mundo melhores. Para isso, no entanto, prostituem-se para sobreviver e satisfazer seus desejos de consumo. Ana Olmos debaterá o papel das famílias na história dessas meninas.
O filme ganhou o prêmio do Júri Popular do Festival de Cinema do Rio de Janeiro em 2009 e uma das atrizes, Nanda Costa, conquistou o prêmio de melhor atriz.
As protagonistas Jéssica, Daiane e Sabrina são baseadas no livro As Meninas da Esquina, da jornalista Eliane Trindade. A autora e Jailson Souza e Silva, geógrafo e fundador do Observatório de Favelas, na Maré, também estarão presentes no Cinedebate, que será mediado pela jornalista Maria Carolina Trevisan, dos Jornalistas Livres, especialista na cobertura de direitos humanos.
O encontro é promovido pelo projeto Criança e Consumo, Intituto Alana e Outras Palavras – Comunicação Compartilhada e Pós-capitalismo.
Vai lá!
Cinedebate: Exibição de Sonhos Roubados, de Sandra Werneck, seguida do debate Infância, Gênero, Consumo e Violência
Data: 5 de outubro (2ª-feira), às 19hs
Local: Rua Conselheiro Ramalho, 945, Bixiga – São Paulo, próximo aos metrôs São Joaquim ou Brigadeiro. Entrada gratuita, mas com inscrição prévia.
A vida por um fio em Sonhos Roubados
“Sonhos Roubados” é uma tragédia urbana ambientada no mundo das drogas dos morros cariocas – a vida sempre por um fio, degradada desde cedo, no limite da miséria física e humana
Por Ricardo Kotscho (*)
Escrevo ainda sob o impacto do filme que acabei de ver na manhã desta terça-feira – “Sonhos Roubados”, de Sandra Werneck. Com a chuva que não para de cair na cidade, tinha pouca gente no cinema. Nem o pessoal do filme apareceu. Mas quem recebeu o convite e não foi à pré-estréia deixou de ver uma das melhores produções do cinema brasileiro nos últimos anos.
Direção, roteiro, fotografia, interpretação – se eu fosse jurado de festival, daria nota 10 em todos os quesitos. Aliás, “Sonhos Roubados” já ganhou os prêmios de melhor filme (no júri popular) e melhor atriz (Nanda Costa) na última edição do Festival do Rio.
Como não sou crítico de cinema, só escrevo quando acho que vale a pena recomendar um filme aos leitores. Quando não gosto, não escrevo nada. Neste caso, só não indico o filme para pessoas muito sensíveis e/ou deprimidas. É uma paulada na moleira num ritmo que por vezes sufoca o espectador. Mesmo assim, e talvez por isso mesmo, “Sonhos Roubados”, que estréia dia 23 de abril em circuito nacional, precisa ser visto.
Se tivesse lido alguma resenha, talvez eu nem me dispusesse a ir ao cinema às 10h30 da manhã num dia em que o tempo e o trânsito recomendavam ficar em casa. Pois não se trata de um gênero que me entusiasma. Prefiro ver comédias, de preferência, musicais, e com final feliz. “Sonhos Dourados”, ao contrário, é mais uma tragédia urbana ambientada no mundo das drogas dos morros cariocas – a vida sempre por um fio, degradada desde cedo, no limite da miséria física e humana.
Trata-se do desafio diário pela sobrevivência vivido por três adolescentes – Jéssica (Nanda Costa), Daiane (Amanda Diniz) e Sabrina (Kika Farias) -, em permanente estado de risco, entre a falta de dinheiro, as drogas e os apelos do consumo, em meio a famílias desestruturadas. O roteiro é baseado no livro “As Meninas da Esquina”, da jornalista Eliane Trindade.
Violência, prostituição, pedofilia, estupro, tem de tudo. Ao mesmo tempo, o filme é de uma delicadeza incrível, uma lição de esperança, exatamente aonde não parece mais haver nenhuma esperança, ancorada na comovente solidariedade da relação entre as três adolescentes, em que elas renascem a cada dia.
Em torno das três meninas protagonistas, com atuação impecável das jovens atrizes, atuam atores consagrados como Marieta Severo, Daniel Dantas, Ângelo Antonio e Nelson Xavier, um melhor do que o outro, em interpretações marcantes, com participação especial de Mv Bill. Para completar, a fotografia ficou aos cuidados do consagrado Walter Carvalho, o que dispensa qualquer comentário.
A narrativa parece tão real, e os personagens tão de carne e osso, que a obra de Sandra Werneck poderia ser enquadrada no gênero documentário. Ninguém sai do cinema pensando que se trata de um filme de ficção. E é isso o que mais dói na gente.
Projeto Cumplicidade
A semana cultural começou agitada. Na segunda-feira à noite, depois de passar o dia com o fotógrafo Manoel Marques fazendo reportagem na zona leste, fui ao lançamento do livro “Cumplicidade – 20 anos de reportagem, 20 fotógrafos”, do meu caro colega mineiro Bernardino Furtado, profissional dos velhos tempos em que vivíamos na estrada.
Junto com o lançamento do livro, foi aberta a exposição dos painéis fotográficos do Projeto Cumplicidade, no saguão do Conjunto Nacional, na avenida Paulista – um passeio pelo Brasil real de garimpeiros, pescadores, índios, quilombolas e sem-terra, que fica por lá até o final deste mês.
No prefácio do livro, escrevi o texto que reproduzo abaixo:
Poetas e retratistas: uma raça em extinção
Os Bernardinos Furtados e seus fiéis retratistas, aqueles seres estranhos que ainda sujam os sapatos no trabalho de garimpar boas histórias, são uma raça em extinção.
Quase não existem mais estas duplas de repórter e fotógrafo que saíam juntos da redação e brigavam uns com os outros para descobrir novidades, revelar o escondido, ir até onde ninguém foi antes.
Como dois compositores que se respeitam, um cuidando da música e outro da letra, no fim eles acabam se entendendo: o trabalho de um, afinal, não existe sem o do outro.
Fotógrafos costumam chamar os repórteres de poetas e são por estes chamados de retratistas. Quando o poeta é um matuto como Bernardino Furtado, colega dos bons que conheci na revista Época, e com quem logo me identifiquei na mesma paixão, só pode sair coisa boa, ainda mais se ele tem a sorte de encontrar, ao longo do caminho, vinte grandes parceiros como retratistas, tão bons que parecem ser um só
O resultado é esta bela obra, feliz encontro de texto e imagem com as muitas caras do Brasil da labuta pesada, do povo sofrido e, ao mesmo tempo, digno, sonhador, brincalhão.
Guarde bem este livro. Os historiadores do futuro poderão nele encontrar boas pistas de como se construía uma boa reportagem e das condições em que ainda viviam muitos brasileiros na virada do século 20 para o 21.
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(*) Artigo publicado no site da Revista Brasileiros em 06/04/2010, após a pré-estreia do filme em SP.
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