Há três anos, uma nova terapia contra a hepatite C mudaria a história da doença e traria uma notícia rara para condições virais: a possibilidade de cura. O sofosbuvir, da gigante Gilead, substituiu as vacinas semanais de interferon com fortes efeitos colaterais e mudaria o prognóstico da doença para sempre. As chances de cura com as injeções eram de 40%. Com a nova medicação – e a combinação com outras drogas -, a possibilidade subiu para mais de 90%. A hepatite mata mais que a aids no mundo. Segundo a Organização Mundial da Saúde, 1.2 milhão de pessoas morrem no mundo por aids, contra 1.5 milhão de óbitos por hepatite. No Brasil, a hepatite C sozinha mata 3 mil pessoas por ano.
Ao contrário da aids, no entanto, há cura para a hepatite. Difícil compreender, então, por que tantas pessoas continuam morrendo. Ou melhor, nem tão difícil assim, já que poucos países estão conseguindo pagar a conta. Mesmo obtendo as drogas com descontos, do 1,6 milhão de infectados no Brasil, apenas 26.800 pessoas receberam os novos medicamentos – segundo dados do Ministério da Saúde. Isso significa que o País está conseguindo pagar a conta para apenas 1,6% dos infectados. E não é à toa. O valor pago por aqui para cada tratamento de 12 semanas é de US$ 6.900.
Por esses motivos, o GTPI (Grupo de Trabalho de Propriedade Intelectual) lançou um manifesto em que pede, dentre outras medidas, que o Ministério da Saúde apoie a iniciativa da produção 100% nacional dessas novas drogas e adquira os genéricos já disponíveis desses medicamentos a preços mais baixos. O grupo pede apoio da sociedade civil para isso (assine aqui). O GTPI é uma respeitada entidade que congrega diversos movimentos sociais e especialistas no Brasil como o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), Médicos Sem Fronteiras e Abia (Associação Brasileira Interdisciplinar da Aids). A missão do grupo é minimizar os efeitos negativos das patentes no acesso a medicamentos e buscar um novo sistema de inovação em saúde.
O grupo também informa que submeteu argumentos técnicos ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi), demonstrando que o pedido de patente para o medicamento sofosbuvir é imerecido e deve ser rejeitado. A ação foi a segunda iniciativa administrativa tomada pelo GTPI neste caso e tem por objetivo impedir que o medicamento seja colocado em domínio privado. Segundo o grupo, o sofosbuvir foi desenvolvido por um custo muito baixo e com uso de financiamento público e em vários países já existem versões genéricas a preços muito acessíveis.
O grupo cita ainda que um estudo do senado americano concluiu que os altos custos não têm nenhuma relação com a pesquisa e são exclusivamente focados “em maximizar os lucros sem se preocupar com as consequências humanas.”
Além disso, o grupo pede a redução imediata dos custos do tratamento, ao nível dos preços mais baixos praticados no mundo. Segundo o grupo, o Brasil pagou US$ 6.900 pelo tratamento de 12 semanas com sofosbuvir, mas já existem genéricos por preços acessíveis (US$ 300 o tratamento de 12 semanas) que, se praticados no Brasil, permitiriam, em tese, tratar 1,6 milhão de infectados até 2019 com o mesmo recurso anual gasto atualmente.
O grupo pede que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) rejeite o pedido de patente para o medicamento sofosbuvir e que as secretarias de Saúde ampliem o diagnóstico por meio de equipamentos modernos. Os ativistas querem também que a Frente Parlamentar Mista de Hepatites Virais apresente um projeto de lei que torne obrigatórios os testes para hepatite no País. Do Senado, o grupo requer uma reforma na lei de patentes com a inserção de mecanismos de proteção do interesse público.
“Convocamos todos aqueles comprometidos com a saúde pública, com o interesse público, com a justiça e com os direitos humanos a se unirem ao grito daqueles que não aceitam a situação acima descrita, na qual abuso de poder econômico resulta em exclusão, sofrimento e morte para milhões. Com a chegada de medicamentos que curam a doença, o vírus é que deveria estar com os dias contados, não as pessoas nem os sistemas públicos de saúde”, afirma o GTPI, em manifesto.
Hepatite C: uma doença grave, mas silenciosa
O vírus da hepatite C está presente no sangue e a sua transmissão se dá por meio de transfusão e compartilhamento de objetos cortantes (seringas, agulhas, lâminas de barbear, escovas de dente, alicates de unha, etc). Transmissão sexual e de mãe para filho são mais raras –com exceção da transmissão entre homens que fazem sexo com homens, em que a chance é maior.
A doença é silenciosa e os sintomas são em sua maioria inespecíficos. Por isso, a melhor forma de detectar a hepatite é por meio de exames de rotina. Muito tempo depois de infectada, a pessoa pode manifestar sintomas. Os mais comuns são cansaço, tontura, enjoo, vômitos, febre, dor abdominal, pele e olhos amarelados, urina escura e fezes claras.
Nas evoluções graves, há inflamação do fígado, câncer e insuficiência. O fígado é responsável por filtrar o sangue. Ele envia as toxinas para os rins para serem eliminadas. Também nele ocorrem a metabolização de proteínas e armazenamento de nutrientes e vitaminas. É um órgão vital sem o qual a sobrevivência não é possível.
A ação certeira das novas drogas
Os novos medicamentos que possibilitam a cura da hepatite C são os chamados antivirais de ação direta. Eles agem diretamente sobre o vírus e inibem uma proteína essencial para sua reprodução (a polimerase NS5B). A duração do tratamento é estimada em 12 semanas, contra 72 semanas de interferon (as injeções semanais aplicadas na barriga, o tratamento mais utilizado antes dos novos medicamentos).
A diferença do interferon para as drogas de ação direta é que a ação do composto é indireta, via aumento da resistência do sistema imune. De maneira simplificada, pesquisadores aprenderam que o sistema imune não enxerga o vírus no fígado e, portanto, não consegue agir contra ele. O que o interferon faz é tornar esse vírus visível ao sistema imune. O composto também ajuda a impedir a formação de novas partículas do vírus no fígado. No entanto, a taxa de cura do interferon é de 40% – contra mais de 90% das novas drogas.
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