Decisão inédita da Justiça de liberar ‘droga milagrosa’ da USP mobiliza universidade, entidades e Senado

A decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) de liberar o consumo da fosfoetanolamina sintética, droga anticâncer distribuída gratuitamente há mais de uma década na USP, está gerando um debate intenso. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) diz que a droga não possui estudos conclusivos, nem registro.

Também a USP de São Carlos reagiu à decisão, com uma carta em que menciona que a universidade “não possui acesso ao conhecimento para a produção da substância, produzida por parentes”, nem “médico disponível para orientação”.

Segundo o presidente do TJ-SP, desembargador José Renato Nalini, em decisão que liberou a substância neste mês, “apesar de não ter estudos conclusivos (…), não se podem ignorar os relatos de pacientes que apontam melhora no quadro clínico.”

O próprio desembargador chegou a proibir a entrega da substância no dia 29 de setembro. Nesse meio tempo, no entanto, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela liberação da substância para um determinado paciente e o TJ-SP reviu sua decisão.

Nos autos do TJ-SP, o desembargador cita uma contraposição de princípios fundamentais: de um lado, a necessidade de resguardo da legalidade e da segurança dos procedimentos; do outro, necessidade de proteção do direito à saúde.

Laboratório de química da USP de São Carlos, onde os experimentos com a droga foram realizados nos anos 1990. Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Laboratório de química da USP de São Carlos, onde os experimentos com a droga foram realizados nos anos 1990. Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Para que uma decisão seja tomada, diz o desembargador, em princípios muitas vezes de igual peso, um deve se sobrepor sobre o outro. “Conquanto legalidade e saúde sejam princípios igualmente fundamentais, na atual circunstância, o maior risco de perecimento é mesmo o da garantia à saúde.”

Segundo a decisão do TJ-SP, prevaleceu o entendimento que levou a liberação do composto. “Por essa linha de raciocínio, que deve ter sido a que conduziu a decisão do STF, é possível a liberação da entrega da substância”, escreveu. 

A substância chamou a atenção de autoridades. No Senado, ela será objeto de audiência pública. Também o senador Ivo Cassol (PP-RO) defendeu no início do mês a liberação do medicamento e informou que pediu audiência na Anvisa para avaliar um possível registro.

Segundo a Agência Senado, Cassol disse que visitou a USP de São Carlos e também cobrou do governo mais incentivo à pesquisa com a substância. Também mencionou a boa vontade dos pesquisadores em “doar a droga para o SUS.”


Reação da USP e problemas de regulação

A substância que promete curar o câncer foi distribuída por mais de uma década, mas teve seu fornecimento barrado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Ela era dada pelo professor Gilverto Orivaldo Chierice, hoje aposentado. Segundo a USP, o docente “doava” o medicamento por decisão pessoal.

Sem fornecimento por decisão da Anvisa, as pessoas que tomavam ou queriam o medicamento entraram na Justiça em agosto e, com a decisão, a USP se viu obrigada a produzir a substância para atender à demanda.

A circunstância gerou um conflito regulatório.  A Anvisa prevê a autorização e o acesso a medicamentos que ainda não tiveram ensaios clínicos concluídos ou obtiveram registro. Porém, na maior parte dos casos, estudos de fase III (já em humanos) precisam estar em curso ou concluídos.

O problema é que, embora haja indícios de benefícios, o composto não foi testado em um protocolo de estudo para avaliar seus efeitos no câncer em humanos –mesmo que haja evidências publicadas sobre a ação da fofoetanolamina no câncer em laboratório e em camundongos e na luta contra outras doenças.

Este ano, a Nature publicou artigo em que mostra indícios da substância em questão no combate ao agente causador da malária.

Pela legislação brasileira, uma droga como essa só é aprovada se feito um estudo clínico que a compare com um placebo (substância sem efeito) ou com  medicamento já usado no tratamento convencional.

Em face da polêmica e com o professor que distribuiu o medicamento já aposentado, a USP de São Carlos divulgou carta de esclarecimentos em que pouco responde. Apenas cita que “não possui dados sobre a eficácia da sustância” e “não dispõe de médico para orientar e prescrever a utilização.”

A seção de perguntas e respostas, no final da carta, é igualmente obscura. A USP, no entanto, lamenta “quaisquer inconvenientes causados às pessoas que pretendiam fazer uso da fosfoetanolamina com finalidade medicamentosa.”

E salienta que “não pode se abster do cumprimento da legislação brasileira e de cuidar para que os frutos das pesquisas realizadas cheguem à sociedade na forma de produtos comprovadamente seguros e eficazes.”


A possível ação do composto

O site de notícias G1 divulgou em agosto relatos sobre o sucesso da droga e de pessoas desesperadas na busca pelo medicamento. O portal também relata as várias tentativas dos pesquisadores da USP de realizar parcerias para mais estudos. Menciona ainda pessoas que criaram uma rede alternativa de distribuição.

Segundo o G1, as pesquisas com o composto começaram nos anos 1930 (artigos recentes sobre a droga relatam um outro, usado como referência, publicado na Nature nos anos 1950 sobre a ação da substância em tumores bovinos). As pesquisas da USP são dos anos 1990. O mecanismo de ação do composto seria sobre o sistema imunológico.

No site, um dos pesquisadores relata que a característica de um tumor é ter citoplasma ácido (espaço dentro da célula, preenchido por um fluido), DNA modificado e pouco ATP (composto que armazena energia; quando necessário, ele é quebrado para que o corpo funcione)

Na célula, o citoplasma e mitocôndria (estrutura responsável pela respiração celular) produzem energia. Só que a mitocôndria não funciona se o citoplasma estiver ácido porque ela precisa de gordura – que não se ‘transporta’ em meio ácido. O que a fosfoetanolamina proporcionaria é a devolução da gordura, permitindo à mitocôndria funcionar normalmente nas células tumorais, o que combateria o câncer. 

 

 


Comentários

11 respostas para “Decisão inédita da Justiça de liberar ‘droga milagrosa’ da USP mobiliza universidade, entidades e Senado”

  1. Concordo em parte com você, mas o fato é que essa droga já está sendo usada a varios anos em pacientes que, segundo relatos apresentaram melhoras, e, sendo o câncer uma doença geralmente mortal, que as vezes mesmo com os tratamentos que existem leva a morte, por que não permitir uma droga a mais para dar esperança de alguma melhora ou cura, digamos para pessoas que já estão em estado terminal, e não apresentam esperança pelos tratamento usualmente usados(quimioterapia e radioterapia)? Nãp precisa dizer que vai ser a solução, mas o paciente terminal, acredito, quer poder ter o direito de tentar as alternativas, e essa parece não ser tão nociva, uma vez que utiliza uma substancia que já existe no organismo, bastando apenas saber a dosagem mais apropriada, se bem que, caso ela seja pouco agressiva, pelo jeito como até agora não se ouviu relatos de efeitos colaterais, poderia ser dada como esta sendo até se encontrar melhores formas.

  2. O que se tem que verificar, já que várias pessoas parecem ter usado, é se houve alguma melhora ou não, efeitos colaterais, etc. Ví numa reportagem do SBT que algumas pessoas mostraram bons resultados com essa droga, mostrando inclusive radiografias mostrando regressões de tumores. o que se deve fazer é fazer tudo para que, caso essa droga tenha represente alguma melhora para pacientes de uma doença geralmente mortal, sejam logo feitos os testes necessários, e pelo jeito, o principal é que ja foi feito, pois pessoas tem utilizado, pois então é so verificar os resultados com os pacientes que ja utilizaram, e utilizam essa droga. E é uma droga sim, pois todo composto produzido em laboratório com potencial de efeitos terapeuticos é sim uma droga, seja ela de originalmente natural ou sintética: exemplo, a penicilina é produzida por um fungo, mas é uma droga.

  3. Se essa droga existe a vinte anos e várias(talvez milhares) de pessoas ja tem usado, com relatos de melhora, ou cura, já é mais que teste. E é inadmissível que diante de algo tão importante para a saúde ainda não tenham sido feitos os testes necessários. Em qualquer país sério isso já teria sido feito com urgência. Ha quem interessa essa demora nos testes necessários? E, pelo jeito, nem seriam necessários, pois parece haver vários relatos de melhora com essa substância, que tem um mecanismo muito interessante, que usa o próprio sistema de defesa do corpo, parecendo muito menos agressivo que a quimioterapia e radioterapia.

    1. Avatar de Eliane Gandolfi
      Eliane Gandolfi

      Uma substância para ser admitida como recurso terapêutico – medicamento precisa ser estudada através de estudos em animais e humanos, clínicos e toxicológicos. Há vários procedimentos metodológicos estabelecidos para isso com base em fundamentos científicos, no mais é experimentação, o que é proibido de ser feito pela Declaração de Helsink, referente a ética, e nenhum médico ou profissional pode fazê-lo desconsiderando os mandamentos éticos. São feitos estudos sim, em humanos, se os estudos com animais forem positivos e indicativos de benefício, e considerados os riscos possíveis, que informados aos pacientes e conscientemente se propuserem a isso, não como cobaias, mas como doentes que assumem o risco de usar um produto ou substância que podem ter riscos não conhecidos, ou presumíveis. A Anvisa não pode liberar algo que não cumpra estes critérios gerais aqui ditos. E se as pessoas que usaram essa substância foram acompanhadas com algum critério científico pode-se ter aí dados de observação, quanto a benefícios e riscos, mas se não há acompanhamento com base científica nenhuma, e se não cumprir o estatuto de cientificidade estaremos no território do incerto. A pesquisa clínica é muito dominada pelas Indústrias Farmacêuticas que tem seus interesses e prioridades, isso internacionalmente.

  4. Avatar de Rudi Raputz
    Rudi Raputz

    As pesquisas com o composto começaram nos anos 1930 (artigos recentes sobre a droga relatam um outro, usado como referência, publicado na Nature nos anos 1950 sobre a ação da substância em tumores bovinos). As pesquisas da USP são dos anos 1990.
    Quer dizer, 85 anos se passaram desde as primeiras pesquisas e somente hoje, em 2015, é que o assunto vem à baila?
    Tudo isto cheira a uma conspiração do silêncio, a lobby da indústria farmacêutica nacional e a pressões dos poderosos laboratórios internacionais, com o beneplácito dos burocratas governamentais da ANVISA.
    Não se sabe se a substância funciona ou não em seres humanos? Não se sabe se ela pode ter efeitos colaterais prejudiciais? Então que os técnicos da ANVISA levantem o rabo das suas cadeiras, se mexam, conduzam testes com urgência e mostrem ao povo brasileiro alguma conclusão, positiva ou negativa !!! – Ou será que, como tudo mais neste Brasil, a coisa toda acaba em pizza ???

  5. Vcs da mídia precisam parar de chamar a fosfoetanolamina de droga ou medicamento. Isso é apenas uma substancia. Não é droga, pois droga é a planta de onde se obtem um principio ativo, nem medicamento, pois o medicamento é aquele que tem registro e portanto apresentou ser seguro e eficaz. Parem de dar esperança!! Quando essa substancia causar algum mal vão dizer: ah, mas a usp não deveria ter liberado se isso faz mal!!! A fosfoetanolamina não é droga anticancer!!! Ela é apenas uma substância que mostrou ter efeitos contra alguns tipos de tumores. Falo tudo isso pois sou farmacêutica

    1. É uma droga sim; pois todo composto produzido em laboratório com potencial de efeitos terapêuticos é sim uma droga, seja ela de originalmente natural ou sintética: exemplo, a penicilina é produzida por um fungo, mas é uma droga.

  6. Avatar de Maria Ines Harris
    Maria Ines Harris

    Se hoje existem legislações e processos rígidos para a liberação de novas drogas, um dos principais motivos é que, no passado, muita coisa foi liberada sem que se soubesse de fato nada a respeito dos eventos colaterais. As pessoas reclamam muito quando um medicamento provoca efeitos colaterais mas sequer se preocupam quando não se tem noção sobre o que uma substância pode fazer…é um contrassenso. Eu entendo o desespero, mas realmente há mutos exemplos na história de substancias que foram aprovadas, e ainda assim com muitos testes, e depois se observou efeitos colaterais: talidomida, viox e mesmo inofensivos xaropes para tosse com dietilenoglicol como solvente, por seu sabor apropriado, que matou muita gente…A justiça poderia investigar u mandar apressar estudos, priorizar ensaios etc…NUNCA liberar algo que não esta completamente seguro. Espero que , se alguma “CACA” acontecer, lembrem que nessa situação a ANVISA não teve nada a ver e ninguém os culpe depois.

    1. E é uma droga sim, pois todo composto produzido em laboratório com potencial de efeitos terapeuticos é sim uma droga, seja ela de originalmente natural ou sintética: exemplo, a penicilina é produzida por um fungo, mas é uma droga.

  7. O remédio tem eficácia em humanos, sim. O pai de uma amiga foi totalmente curado de um câncer. Há inúmeros casos que comprovam isso. Gente do mundo inteiro vem receber gratuitamente o remédio. Todos sabem que as dificuldades do professor Gilberrto em aprovar sau descoberta se devem ao lobby da indústria farmacêutica, que não quer perder os lucros com os tratamentos convencionais.

  8. Avatar de Rosane Marchetti
    Rosane Marchetti

    Como jornalista e especialmente como paciente, tive câncer de mama, penso que o Governo deveria bancar pesquisas com a medicação e enquanto isso, quem busca todas as alternativas pra não morrer de câncer, tenha acesso a medicação.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.