Às vésperas do julgamento do impeachment na Câmara Federal, a Polícia Federal retirou ativistas que ocupavam há 121 dias a sala 13 do Ministério da Saúde. O pedido de reintegração de posse foi feito na manhã de sexta-feira (15) pela Advocacia Geral da União e cumprido no final do dia. Relatos de ativistas indicam que policiais estavam sem identificação e portavam armas de grosso calibre. Os ocupantes deixaram a sala de maneira pacífica, segundo manifestantes, e teriam sido aplaudidos por diversos profissionais do Ministério.
A ocupação tentava pressionar o Ministério da Saúde para a demissão de Valencius Wurch, coordenador de Saúde Mental nomeado no final de 2015. Wurch foi o diretor do maior manicômio privado da América Latina, a Casa de Saúde Dr. Eiras de Paracambi, na Baixada Fluminense (RJ). A instituição foi fechada por ordem judicial em 2012 por denúncias de violações de direitos humanos. “Havia prática sistemática de eletroconvulsoterapia, ausência de roupas, alimentação insuficiente e de má qualidade e número significativo de pessoas em internação de longa permanência”, relata a Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva).
Durante a ocupação, o ministro da Saúde, Marcelo Castro (PMDB-PI), não sinalizou que iria destituir Wurch do cargo. A pasta garantiu, no entanto, que não haveria concessões no modelo de assistência de Saúde Mental vigente hoje, que tem como base a retirada do hospital do centro da assistência e o fortalecimento dos CAPS (Centro de Atenção Psicossocial), mais descentralizados.
Vitórias, apesar de “golpe baixo”
A visão de ativistas e de entidades é que a operação foi feita na surdina, sem possibilidade de negociação, na esteira de um clima político tumultuado que favorecesse a retirada dos manifestantes. Consideram, porém, que a resistência conseguiu marcar um posicionamento forte de rejeição à qualquer iniciativa que coloque o manicômio como central nas políticas de saúde.
“Fomos despejados, de forma autoritária, sem qualquer possibilidade de negociação, o que já era de se esperar por parte de um coordenador manicomial que não respeita os movimentos sociais”, disse à Saúde!Brasileiros Ivarlete Guimarães de França, psicóloga e integrante da Rede Nacional Internúcleos da Luta Manicomial (Renila).“Saímos de cabeça erguida, pacificamente, com mais força ainda para seguir resistindo com novas e potentes estratégias.”
A Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), que sempre apoiou a ocupação, disse que fazer a retirada dos manifestantes às vésperas da votação pelo impeachment foi “golpe baixo”. “A paralisação de um país inteiro pela iminência do impeachment de Dilma Rousseff foi aproveitada para a realização de um golpe baixo contra os movimentos sociais da saúde”, disse a Abrasco, que emitiu nota em solidariedade aos manifestantes.
Também em nota, a Renila (Rede Nacional Internúcleos da Luta Manicomial), movimento que encabeçava a ocupação e recebia apoio do CFP (Conselho Federal de Psicologia) e da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), enfatizou o clima de vitória da ocupação. “Deixamos a sala de cabeça erguida, ainda falando as nossas bandeiras de luta no megafone, e certos de que a ocupação cumpriu sua missão e sai vitoriosa.”
Novas lutas e estratégias
Apesar da ação da PF e da permanência de Wurch no cargo, algumas ações se colocaram em curso em função da ocupação. O movimento permitiu que no dia 6 de abril fosse lançada em Brasília, na Câmara Federal, a Frente Parlamentar em defesa da Reforma Psiquiátrica e da Luta Antimanicomial. Encabeçada pela deputada federal Erika Kokay (PT-DF), essa frente terá como objetivo criar a Comissão da Verdade da Saúde Mental, que pretende passar a limpo as violações de direitos humanos em manicômios e acionar seus responsáveis.
Além da destituição de Wurch, manifestantes vão continuar pedindo a garantia da continuidade da reforma psiquiátrica, lei vigente no Brasil desde 2001. A reforma representa o fim do modelo baseado na hospitalização. Nela, o manicômio sai do centro da assistência e vira um recurso limitado, só adotado em último caso e por tempo determinado. A lei insere uma série de princípios éticos e de direitos humanos para a saúde mental. Ela regulamenta que a internação involuntária, por exemplo, deve ocorrer sob supervisão do Ministério Público.
Novos atos estão marcados para continuar a pressão para que não haja concessão nos modelos adotados. Em São Paulo, um protesto está previsto para o dia 18 de maio, o Dia Nacional da Luta Antimanicomial. “Nossa pressão será ainda maior sobre as ações do Valencius. Vamos continuar cumprindo um papel fundamental na estratégia de resistência ao manicômio”, diz Ivarlete.
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