Nos últimos cinco anos, temos visto um grande aumento no número de casos de pacientes que nos procuram com sintomas clínicos de sífilis, fato corroborado por clínicos e infectologistas de diferentes regiões do Brasil.
E tem sido motivo de preocupação especial a quantidade de pacientes nos quais diagnosticamos sinais de acometimento do Sistema Nervoso Central, o que indica uma fase adiantada da doença. Nessa etapa, que tem alcançado patamares inusitados na prática clínica dos dias de hoje, a conduta é internar o paciente para que receba a medicação adequada, que só pode ser administrada por via endovenosa e por quinze dias.
Esse panorama de epidemia detectado pelos médicos da “linha de frente” não foi confirmado pelas autoridades do Ministério da Saúde, que afirmam não haver epidemia de sífilis.
Dois fatos contradizem as negativas oficiais sobre a existência de uma epidemia. Em primeiro lugar, os números do próprio governo. Gestantes e crianças são as únicas populações nas quais a doença deve ser compulsoriamente notificada. Pois os dados sobre esses casos de notificação compulsória do próprio Ministério da Saúde indicam claramente um aumento de casos gestantes e crianças com sífilis congênita. Em 2013, por exemplo, o aumento no número de casos variou entre 14,8% (Nordeste) e 44,7% (Sul) em todas as regiões do Brasil.
Mais assustadores são os dados relativos aos recém-nascidos. De 1998 a junho de 2014, foram notificados 104.853 casos de sífilis congênita em crianças menores de um ano da idade ao Ministério da Saúde. Quase metade ocorreu na região Sudeste (45,8%), seguida pelo Nordeste (31,4%), Sul (8,5%), Norte (8,4%) e Centro-Oeste (5,9%).
O que se pode ver é que houve, nos últimos dez anos, um progressivo aumento na incidência de sífilis congênita. Se em 2004 era de 1,7 casos para cada 1000 nascidos vivos, em 2013 o número subiu para 4,7 por 1000 nascidos vivos.
Outro aspecto é a falta de remédio. Por que falta? A penicilina Benzatina é o remédio usado no tratamento de sífilis em todas suas fases, exceto quando já existe acometimento do Sistema Nervoso Central. Ela não está disponível na rede pública ou suplementar.
Divulgou-se amplamente que a falta dessa substância foi fundamental na gênese dessa epidemia. Mas, na realidade, essa é uma interpretação deturpada, pois houve justamente um incremento na produção do medicamento pelas empresas farmacêuticas nacionais nos últimos 10 anos. A bem da verdade, a indisponibilidade do remédio é consequência do aumento no número de casos de sífilis e não a sua causa.
Essa deturpação leva a equívocos sobre as causas da epidemia, o que tem desdobramentos prejudiciais. Um deles é não dar ênfase às medidas necessárias para a implementação dos cuidados a serem assumidos na prevenção da sífilis, principalmente aqueles relativos aos cuidados durante as relações sexuais.
Devemos lembrar ainda que os dados relativos à sífilis podem ser caracterizados como premonitórios em relação aos dados recém-divulgados sobre o aumento do número de novos casos de infecção pelo HIV no Brasil. Como sabemos, os mecanismos de transmissão das duas infecções se assemelham.
Entenda a doença
A sífilis ou lues é uma doença sexualmente transmissível causada pela bactéria Treponema pallidum. A principal via de transmissão é através do contato sexual, mas também pode ser transmitida da mãe para o feto durante a gravidez ou no momento do nascimento, resultando em sífilis congênita.
Os sinais e sintomas da sífilis variam dependendo da fase em que se apresente (primária, secundária, latente e terciária). O diagnóstico é feito geralmente através de exames de sangue.
Era preocupante o crescimento da endemia sifilítica no século XIX. Depois de se constatar expressiva redução no número de casos a partir da ampla disponibilização de penicilina na década de 1940, as taxas de infecção voltaram a aumentar desde a virada do milênio em muitos países. Em muitos casos, a infecção por essa bactéria se dá em combinação com o vírus da Imunodeficiência humana adquirida (HIV).
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