Dez pessoas vão começar a tomar a fosfoetanolamina nesta segunda-feira (25) para determinar a segurança da dose que vem sendo utilizada. É a primeira vez que a fosfoetanolamina será testada em humanos dentro de um protocolo de pesquisa. Testes iniciais em laboratório apontaram que o composto não é tóxico. Houve, no entanto, pouca evidência da eficácia da substância contra o câncer.
O anúncio foi feito pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB) em coletiva de imprensa na quinta-feira (21) no Palácio dos Bandeirantes (a íntegra da entrevista pode ser ouvida abaixo). Estavam presentes David Uip, secretário de Saúde de São Paulo, e Paulo Hoff, oncologista e diretor-geral do Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo), instituição que coordenará os testes.
O início dos testes foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, do Ministério da Saúde. Após essa fase inicial, o estudo terá prosseguimento caso não sejam notados efeitos colaterais graves. Segundo o governador Geraldo Alckmin, em dois meses será possível avaliar os resultados dessa primeira fase de testes.
O secretário de Saúde de São Paulo, David Uip, disse que todas as chances serão dadas para a droga, que poderá ser testada em até dez tipos de tumores. “Poderemos chegar ao máximo de 1000 voluntários. Pretende-se dar todas as chances do composto mostrar sua evidência”, disse.
As pílulas foram fabricadas pelo laboratório da Secretaria de Saúde de São Paulo, a Fundação para o Remédio Popular (FURP). A sintetização foi feita pelo laboratório PDT Pharma, em Cravinhos. Gilberto Chierice, pesquisador aposentado da USP que sintetizou um dos tipos da fosfoetanolamina, está acompanhando a fabricação dos medicamentos.
O oncologista Paulo Hoff acompanhará os testes (confira entrevista com o especialista no Saúde!Brasileiros, no início da polêmica sobre a substância). Ele avaliou que a prioridade será a segurança dos pacientes e que o projeto de pesquisa terá o mais alto rigor técnico.
Como serão os testes que começam na segunda-feira
Primeira fase
Se não houver efeitos colaterais graves com os dez pacientes que fizerem uso da fosfoetanolamina, está prevista a inclusão de mais 21 pacientes para cada tipo de tumor. A substância poderá ser testada para cânceres de cabeça e pescoço, pulmão, mama, cólon e reto, colo uterino, próstata, melanoma, pâncreas, estômago e fígado.
Segunda fase
Se houver evidência de eficácia da droga no estágio 1, o estágio 2 se iniciará com mais 20 participantes em cada grupo dos tumores acima. A inclusão de novos pacientes continuará até atingir um total de 1000 pessoas (100 para cada tumor). Todos os pacientes serão acompanhados por uma equipe multidisciplinar de especialistas no Icesp.
Entenda a polêmica com a fosfoetanolamina
A droga foi distribuída a pacientes por doação do químico que a produziu, Gilberto Chierice, ligado à Universidade de São Paulo. A hipótese de Chierice é que ela seria eficiente em vários tipos de tumores e, por isso, muitos a utilizaram para esse fim. Mas, sem registro, a distribuição do composto foi vetada pela própria USP em 2014. Desde então, há uma pressão de pacientes para que seu uso seja liberado. Também um total de R$ 10 milhões foi direcionado para as pesquisas.
O Ministério de Ciência e Tecnologia chegou a divulgar os primeiros estudos com a fosfoetanolamina. Os estudos mostraram que não há evidências de toxicidade na substância produzida primeiramente por Chierice, mas ela não é pura e contém outros compostos em sua fórmula. Ela também não teria ação de destruição do tumor (o chamado efeito citotóxico) in vitro.
Na época, o ministro Celso Pansera chegou a cogitar que a droga fosse aprovada como suplemento alimentar para evitar que pacientes recorressem a fontes desconhecidas
Na Unicamp, o químico e professor Luiz Carlos Dias, que também realizou testes com a fosfoetanolamina, diz que o efeito antitumoral da droga é, na verdade, causado pela monoetalonamina. O pesquisador diz ainda que o benefício se mostrou brando, e não se compara ao de outras drogas existentes. Os testes iniciais foram feitos in vitro.
A liberação do uso da fosfoetanolamina antes da conclusão dos testes chegou a ser objeto de lei, aprovada na Câmara Federal e no Senado e sancionada pela presidente Dilma Rousseff. Em maio desse ano, no entanto, o STF derrubou a lei em caráter liminar. A ação foi movida pela Associação Médica Brasileira (AMB).
A hipótese de ação do composto
O site de notícias G1 divulgou em agosto relatos sobre o sucesso da droga e de pessoas desesperadas na busca pelo medicamento. O portal também relata as várias tentativas dos pesquisadores da USP de realizar parcerias para mais estudos. Menciona ainda pessoas que criaram uma rede alternativa de distribuição.
Segundo o G1, as pesquisas com o composto começaram nos anos 1930 (artigos recentes sobre a droga relatam outra data, usando como referência uma publicação na revista Nature nos anos 1950 sobre a ação da substância em tumores bovinos). As pesquisas da USP são dos anos 1990. O mecanismo de ação do composto seria sobre o sistema imunológico.
No site, um dos pesquisadores tenta explicar a via pelas quais a droga seria eficaz. Ele diz que a característica de um tumor é ter citoplasma ácido (espaço dentro da célula, preenchido por um fluido), DNA modificado e pouco ATP (composto que armazena energia; quando necessário, ele é quebrado para que o corpo funcione).
Na célula, o citoplasma e a mitocôndria (estrutura responsável pela respiração celular) produzem energia. Só que a mitocôndria não funciona se o citoplasma estiver ácido porque ela precisa de gordura – que não se ‘transporta’ em meio ácido. O que a fosfoetanolamina proporcionaria é a devolução da gordura, permitindo à mitocôndria funcionar normalmente nas células tumorais, o que combateria o câncer.
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