Em pouco mais de três meses, no dia 7 de dezembro, Jordana Sophia Gonçalves completará três anos de idade. É uma menina sorridente e bem humorada, mas não brinca como as outras crianças.
Ela era ainda um bebê quando foi internada no Hospital Municipal Infantil Menino Jesus, em São Paulo, para tratar do que parecia ser uma gripe. Mas o agravamento dos seus sintomas, a falta de um diagnóstico preciso e muitas complicações levaram a menina a se tornar dependente de um aparelho de ventilação artificial para sobreviver. Até agora, ela já passou por pelo menos seis cirurgias.
Hoje, Jordana passa os dias em um leito de terapia intensiva e se alimenta por sonda. Há poucos meses, foi engessada da cintura para baixo por causa de uma fratura no fêmur. “teria caído? Eu nunca consegui saber o que aconteceu a ela no hospital para ter essa fratura”, diz mãe, a nutricionista Rosinei Gonçalves, 42 anos. “Ainda por cima, como o gesso não foi trocado, Jordana teve uma grave infecção urinária”, conta.
A esperança de Rosinei para tirar a filha do hospital é a realização de uma cirurgia de implantação de um marcapasso diafragmático. O sistema envia estímulos elétricos ao nervo frênico que fazem o diafragma a se contrair, permitindo a entrada de ar nos pulmões. A ausência de estímulos causa o relaxamento e a expiracão.
O método foi indicado pelo cirurgião torácico Rodrigo Sardenberg, de São Paulo. Ele avaliou Jordana a pedido da família. “Pedi uma segunda opinião depois de ser informada pela equipe do hospital de que minha filha passaria o resto dos seus dias com o aparelho de ventilação no hospital. Sem isso, ela morre”, diz Rosinei.
O cirurgião Sardenberg tornou-se conhecido por implantar marcapassos respiratórios em crianças que viviam dependentes de ventilação artificial. Realizou cerca vinte operações, duas delas no Uruguai. Em breve, fará mais uma dessas cirurgias na Arábia Saudita. Como os aparelhos são caros, muitas vezes são obtidos por meio de doações ou ações judiciais contra o Estado. Em vista disso, o médico não parece ter angariado grande simpatia entre os gestores públicos.
Conforme Sardenberg, Jordana têm indicação para o marcapasso. “Se tudo der certo na cirurgia, ela poderá ir para casa e levar uma vida normal”, diz o cirurgião. Quais são os riscos dessa cirurgia dar errado? Um deles é o nervo frênico, que supre toda a parte motora e sensitiva do diafragma, não responder aos estímulos elétricos promovidos pelo aparelho. “Mas o caso dela tem excelentes chances de sucesso”, reforça.
O neurologista Rogério Tuma, do Hospital Sírio-Libanês, também examinou a menina e deu parecer favorável à cirurgia. “Ao que tudo oindica, ela pode de fato se beneficiar dessa cirurgia”, disse Tuma à reportagem.
Como o marcapasso custa cerca de R$ 500 mil e não é pago pelo SUS, a família entrou com um pedido de liminar para que o Estado fornecesse o aparelho e deu também início a campanhas nas redes sociais para levantar fundos.
Em janeiro deste ano, um casal de aposentados, que prefere se manter no anonimato, importou o marcapasso para Jordana. Mas outro empecilho surgiu. O diretor-executivo do Hospital Menino Jesus, Antônio Carlos Madeira, vetou a colocação do aparelho no centro cirúrgico do seu hospital. A decisão está baseada na opinião do seu corpo clínico, que desaconselha a intervenção, e no parecer dado pelo cirurgião torácico Miguel Lia Tedde, médico assistente da disciplina de Cirurgia Torácica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC/FMUSP).
Tedde entrou no caso por indicação do HC/FMUSP à Justiça, que queria queria ouvir mais um especialista em cirurgias do gênero e pediu a opinião USP. O médico avaliou o caso e concluiu que o marcapasso não produziria os efeitos desejados na pequena Jordana. Ele participou da implantação de marcapassos diafragmáticos em caráter experimental em pelo menos cinco pacientes. Procurado pela reportagem, Tedde disse que preferia não comentar o assunto por ser bastante complexo.
Sardenberg e Tedde operam no Hospital Sírio-Libanês e em vários outros da cidade. Ambos são citados em congressos e estudos clínicos. Um levantamento feito na internet revelou que o cirurgião Miguel Tedde deu parecer contrário em outros processos nos quais a colocação do marcapasso diafragmático é indicada por Rodrigo Sardenberg.
Os dois especialistas usam marcas de marcapasso distintas e têm critérios divergentes para a indicação do aparelho.
Próximos passos
A espera de um laudo
A hipótese mais recente é que os sintomas de Jordana possam ter origem em uma doença incurável e progressiva que tornaria sua condição irreversível. Se isso for confirmado, os médicos do Hospital Menino Jesus afirmam que a cirurgia não produzirá de fato os efeitos esperados. Amostras de DNA da menina foram enviadas aos Estados Unidos para análise.
O cirurgião torácico Sardenberg diverge e reafirma que a menina tem condições de fazer a cirurgia ainda que a causa das suas dificuldades sejam genéticos. “Nesse caso, terá sobrevida melhor”, diz. Rosinei quer tentar.
“Minha filha precisa dessa oportunidade. Sei que toda cirurgia tem riscos, mas a Jordana já sofreu e merece essa chance”, diz.
Seja qual for o resultado do laudo esperado por todos, o advogado da família, Marcos Ferreira, pleiteia a transferência de Jordana para um hospital estadual que ofereça melhores cuidados. No Menino Jesus, segundo a família, a menina sequer teria acesso a fisioterapia adequada. Rosinei diz que as suas constantes reivindicações deixaram um clima de muita animosidade com o diretor do hospital e alguns médicos.
Em um dos episódios, Rosinei chegou a registrar boletim de ocorrência por causa de falhas em equipamentos. “O respirador artificial falou, mas seu alarme não disparou e minha filha quase morreu. Mas eu vi a tempo que ela estava sem ar”, relata Rosinei. Posteriormente, conta a mãe, constatou-se que o equipamento tinha validade vencida. “Agora foi feita uma reforma, mas antes havia mofo e mosquitos na UTI”, lembra.
Procurado pela reportagem, o diretor-executivo do hospital, Antônio Madeira, enviou uma nota de esclarecimento por meio da assessoria de imprensa do Hospital Sírio-Libanês garantindo que a menina recebe os cuidados adequados e que não se opõe à transferência da paciente para outra instituição, mas que não recebeu nenhum pedido de transferência.
O vínculo entre a assessoria do Sírio e o Hospital Menino Jesus se dá por meio do Instituto de Responsabilidade Social Sírio-Libanês. A organização social administra o hospital municipal dentro do programa de parcerias público-privadas.
A pedido de Saúde!Brasileiros, a Secretaria Estadual de Saúde conferiu e constatou que não houve, até agora, nenhuma solicitação à central que regula as vagas nos hospitais públicos estaduais da cidade.
Rosinei e seu advogado relatam que Madeira teria telefonado a outros hospitais que se prontificaram a solicitar a transferência para dissuadi-los.
O promotor Arthur Pinto Filho, do Ministério Público Estadual, acompanha o caso. Ele diz que tentará a transferência da menina para outro hospital com a ajuda do coordenador do Hospital Menino Jesus, Roberto Moritomo.
Conheça detalhes do caso de Jordana
Dezembro de 2012
– Jordana nasce aos sete meses e baixo peso. Passa alguma semanas na incubadora até ganhar peso e vai para casa bem
*
Março de 2013
– Aos 77 dias de vida, apresenta febre e dificuldade de respirar. Foi a diversos pronto-socorro. Os médicos dizem que doença viral, provavelmente uma gripe.
– No Hospital Infantil Menino Jesus (SP), é descoberta uma bronqueolite, inflamação das pequenas vias aéreas dos pulmões (bronquíolos) provocada pelo vírus e agravada pelo acúmulo de muco. Isso dificulta a passagem do ar, causando sintomas parecidos com os da asma.
– A menina sofre uma broncoaspiração alimentar (entrada nos pulmões de líquidos, secreções do próprio corpo ou outras substâncias da via aérea superior ou do estômago). É transferida para a unidade de terapia intensiva e entubada.
– O quadro evolui para pneumonia e os médicos passam a suspeitar de hérnia no diafragma.
*
Abril de 2013
– Na madrugada do dia 23, volta ao Hospital Menino Jesus com tosse, coriza e febre alta. O diagnóstico é, novamente, broncoaspiração alimentar seguida de pneumonia. É entubada e vai para a UTI.
– Já desentubada, vai para um quarto sem equipamento de monitoramento ou oxímetro (para medir a saturação de oxigênio no sangue).
– Rosinei relata que a filha sofreu com falta de ar e chegou a ficar os lábios roxos. Esse estado teria se prolongado das 21 horas às 5 horas da manhã sem que a menina fosse vista por um médico ou que fossem adotadas outras providências. Depois disso, ela voltou para a UTI e nunca mais teria conseguido respirar sem ajuda de aparelhos.
*
Maio de 2013
– É realizada a primeira cirurgia na altura do tórax. Os médicos descartam o diagnóstico de hérnia e identificam uma má formação na musculatura do diafragma. Para melhorar sua condição, prendem o o diafragma às costelas.
– A menina apresenta vermelhão por todo o abdômen e, no dia 20, é submetida à segunda cirurgia. Os médicos constatam uma perfuração intestinal (seria sequela da primeira cirurgia) e retiram cerca de 30 centímetros de intestino.
– No dia 21, é feita a terceira operação, desta vez para exploração, pois não havia diagnóstico preciso.
– No dia 27, novo quadro de infecção com edema generalizado e mais uma cirurgia exploratória (a quarta).
– A menina está inchada, vermelha, não abre os olhos e não mexe braços e pernas.
*
Junho de 2013
– Nova cirurgia de abdômen (a quinta) é realizada. Neste procedimento, o músculo diafragmático foi preso às costelas.
– Há infecção, Jordana toma muitos medicamentos, tem saturação instável e instabilidade hemodinâmica. Por causa dos edemas e inchaço, sua barriga não foi fechada.
*
Julho de 2013
– A menina é submetida a uma traqueostomia
*
Setembro de 2013
– Jordana sofre uma parada cardiorespiratória e é reanimada. Não se sabe se o motivo foi desconexão do ventilador ou queda na saturação de oxigênio. O alarme do respirador não soou. Foi a mãe quem viu
– Após audiência conciliatória entre a mãe, o hospital e o cirurgião torácico Rodrigo Sardenberg, chamado pela família, a menina é submetida a uma cirurgia feita pelo cirurgião chamado pela família junto com a equipe do Hospital (a sexta).
– No procedimento, Sardenberg desfaz as ligaduras dos músculos de Jordana e fecha o abdomen da menina
– A garota recupera o movimento dos membros superiores e inferiores, mas ainda depende de aparelhos para respirar e se alimenta por sonda nasogátrica
2013/2014
– Jordana segue na UTI. O período é marcado por embates entre a família, o hospital e os médicos Miguel Tedde e Rodrigo Sardemberg.
*
Outubro de 2014
– O médico Sardemberg indica a realização de uma cirurgias chamada toractomia exploratória para eletroestimulação do nervo frênico e a colocação de um
– O aparelho é muito caro não é fornecido pelo SUS. A família dá entrada em uma liminar pedindo que o Estado pague pelo marcapasso e dá início a campanhas de arrecadação de fundos nas redes sociais.
*
Janeiro a agosto de 2015
– Um casal de aposentados doa o marcapasso, mas Hospital não permite que a cirurgia seja realizada em suas dependências.
– A garota não consegue vaga em hospitais com infra-estrutura para a realização da cirurgia. A espera de Jordana continua.
– A família, o Ministério Público e os médicos aguardam laudo feito nos Estados Unidos para saber se a menina possui uma doença genética rara
Deixe um comentário