Depois de muita polêmica e clamor popular, parece que a fosfoetanolamina, a chamada pílula do câncer, não oferece ação importante contra diversos tipos de tumores. O Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo), instituição que conduz testes com a substância, anunciou na sexta-feira (31) que irá suspender seu plano inicial de estudos.
Atualmente, 72 pacientes com dez tipos de tumores diferentes recebem a substância. O projeto original previa a inclusão de 1000 pessoas na pesquisa, cem para cada tipo de tumor. A dotação de verba destinada pelo governo estadual para custear a investigação científica foi de R$ 10 milhões de reais.
O estudo não será completamente paralisado. “Os pacientes inclusos até agora continuarão sendo acompanhados”, disse o oncologista Paulo Hoff à Saúde!Brasileiros. Hoff dirige o Icesp e supervisiona o estudo.
O principal motivo para a interrupção do protocolo científico é que, em oito meses, a droga não apresentou ação suficiente para justificar o prosseguimento dos testes. “Reavaliamos 59 pacientes e, dentre todos eles, apenas um apresentou uma resposta objetiva”, disse o médico.
Portador de um câncer de pele do tipo melanoma, o paciente teria apresentado uma redução do tumor de pelo menos 30%, um resultado considerado bom pelos cientistas. A equipe de pesquisadores, no entanto, não pode afirmar que a melhora pode ser creditada especificamente à fosfoetanolamina. O Icesp avalia também a possibilidade de ampliar a quantidade de pacientes com melanoma na pesquisa.
Quando os estudos clínicos começaram em humanos, em julho de 2016, testes iniciais em laboratório já haviam indicado pouca eficácia da substância contra o câncer – o composto, no entanto, foi tido como seguro para a testagem em humanos.
Entenda a polêmica com a fosfoetanolamina
A droga foi distribuída a pacientes por doação do químico que a produziu, Gilberto Chierice, ligado à Universidade de São Paulo. A hipótese de Chierice é que ela seria eficiente em vários tipos de tumores e, por isso, muitos a utilizaram para esse fim. Mas, sem registro, a distribuição do composto foi vetada pela própria USP em 2014. Desde então, há uma pressão de pacientes para que seu uso seja liberado.
O Ministério de Ciência e Tecnologia chegou a divulgar os primeiros estudos com a fosfoetanolamina. Os estudos mostraram que não há evidências de toxicidade na substância produzida primeiramente por Chierice, mas ela não é pura e contém outros compostos em sua fórmula. Ela também não teria ação de destruição do tumor (o chamado efeito citotóxico) in vitro.
Na época, o ministro Celso Pansera chegou a cogitar que a substância fosse aprovada como suplemento alimentar para evitar que pacientes recorressem a fontes desconhecidas
Na Unicamp, o químico e professor Luiz Carlos Dias, que também realizou testes com a fosfoetanolamina, diz que o efeito antitumoral da droga é, na verdade, causado pela monoetalonamina. O pesquisador diz ainda que o benefício se mostrou brando, e não se compara ao de outras drogas existentes. Os testes iniciais foram feitos in vitro.
A liberação do uso da fosfoetanolamina antes da conclusão dos testes chegou a ser objeto de lei, aprovada na Câmara Federal e no Senado e sancionada pela presidente Dilma Rousseff. Em maio desse ano, no entanto, o STF derrubou a lei em caráter liminar. A ação foi movida pela Associação Médica Brasileira (AMB).
A hipótese de ação do composto
O site de notícias G1 divulgou em agosto relatos sobre o sucesso da droga e de pessoas desesperadas na busca pelo medicamento. O portal também relata as várias tentativas dos pesquisadores da USP de realizar parcerias para mais estudos. Menciona ainda pessoas que criaram uma rede alternativa de distribuição.
Segundo o G1, as pesquisas com o composto começaram nos anos 1930 (artigos recentes sobre a droga relatam outra data, usando como referência uma publicação na revista Nature nos anos 1950 sobre a ação da substância em tumores bovinos). As pesquisas da USP são dos anos 1990. O mecanismo de ação do composto seria sobre o sistema imunológico.
No site, um dos pesquisadores explicou as vias pelas quais a droga seria eficaz. Ele disse que a característica de um tumor é ter citoplasma ácido (espaço dentro da célula, preenchido por um fluido), DNA modificado e pouco ATP (composto que armazena energia; quando necessário, ele é quebrado para que o corpo funcione).
Na célula, o citoplasma e a mitocôndria (estrutura responsável pela respiração celular) produzem energia. Só que a mitocôndria não funciona se o citoplasma estiver ácido porque ela precisa de gordura – que não se ‘transporta’ em meio ácido. O que a fosfoetanolamina proporcionaria é a devolução da gordura, permitindo à mitocôndria funcionar normalmente nas células tumorais, o que combateria o câncer.
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