Os Estados Unidos têm adotado políticas mais progressistas em relação à maconha nos últimos anos. Vinte e três estados regulamentaram o uso medicinal da erva. Ainda, Washington, Alaska, Oregon e Colorado legalizaram também o uso recreativo para adultos. Mas uma das grandes polêmicas que rondam debates sobre a legalização da maconha é se ela facilitaria o acesso e o consumo da erva por adolescentes.
A questão vem sendo estudada, mas não está fechada. Um dos estudos que lançam um olhar sobre ela foi apresentado essa semana no Congresso “Pediatric Academic Societies”, nos EUA. A pesquisa respondeu de maneira cuidadosa a essa pergunta (sobre se a legalização facilita o acesso) com um “não facilita, mas também não dificulta”.
De categórico, a pesquisa mostrou que a legalização não facilitou o acesso. Mas esse dado precisa ser analisado a luz de outro: no período analisado, a aquisição de outras drogas ficou mais difícil -com a dificuldade de acesso a cocaína e LSD variando de 43% (em 2010) para 83% (em 2014) -enquanto o da maconha se manteve quase constante, girando em torno dos 55%.
Para chegar aos resultados, pesquisadores compararam dados do levantamento anual de saúde do jovem feita pelo governo de Washington, nos Estados Unidos. Todos os anos, a pesquisa inclui perguntas sobre o acesso de maconha, álcool, cigarros e outras drogas. Washington legalizou a cannabis para adultos em 2012.
Segunda a pesquisa, não houve mudanças no acesso à maconha depois da erva ser aprovada no Estado. Em 2010, cerca de 55% dos entrevistados classificavam a possibilidade de acesso à droga como difícil. Já em 2014, dois anos após aprovação da lei, essa mesma taxa é de 54%.
Na outra ponta, porém, houve um resultado intrigante. Durante o mesmo período, todo o acesso a outras drogas ficou bem mais difícil para os adolescentes. Mas o mesmo não aconteceu com a maconha.
Quanto ao acesso do álcool, 47% disseram ser difícil encontrar bebida em 2014, contra 43% em 2010. Cigarros também se tornaram mais difíceis de serem encontradas (53% em 2014; contra 42% em 2010). Outras drogas ilícitas como cocaína e LSD e anfetaminas ficaram bem mais difíceis de encontrar nos últimos anos (83% em 2014; 42% em 2010).
“É surpreendente que adolescentes não identificaram maior acesso à maconha após a legalização do uso recreativo para adultos”, diz Andrew Adesman, pediatra e um dos pesquisadores. “Foi interessante observar, no entanto, que também não houve um crescimento da dificuldade de acesso da maconha, ao contrário de outras drogas.”
O estudo, assim, mais do que responder se a legalização aumenta o consumo, indica que o fenômeno é mais complexo do que parece. Assim, uma outra pergunta poderia ser feita a partir dos resultados: por que o acesso a todas as outras drogas ficou mais difícil e o da maconha se manteve constante após a legalização?
Porque a ciência se preocupa com o acesso de maconha por adolescentes?
Alguns estudos apontam que o consumo de maconha antes dos 20 anos pode comprometer o desenvolvimento cerebral –e a hipótese também advém do fato de que, nessa idade, o cérebro está em desenvolvimento.
Antes, uma questão que precisa ser colocada em respostas científicas sobre o uso de maconha é que a erva foi objeto de poucos estudos historicamente por conta da sua proibição. Há um sinal, contudo, de que essa situação está mudando. Em 2015, o Senado americano chegou a aprovar financiamento de US$ 800.000 para um estudo sobre cannabis e exortou que o Instituto Nacional de Saúde americano financiasse mais estudos sobre o tema.
Há, entretanto, algumas evidências, principalmente nos últimos anos, que apontam para efeitos deletérios da erva no cérebro de adolescentes (já outras, tiveram resultados mistos e algumas não reportaram danos).
Uma pesquisa publicada no PNAS em 2012 pegou dados de um estudo sobre saúde na Nova Zelândia que acompanhou 1000 adolescentes nascidos em 1972. Eles responderam questões sobre o uso de maconha nas idades de 18, 21, 26, 32, e 38. O grupo também fez testes neuropsicológicos aos 13 e aos 38. Cientistas encontraram após a análise que aqueles que foram mais expostos à maconha tendiam a registrar menor QI, mesmo quando isoladas diferenças educacionais.
Mesmo os estudos existentes, precisam ter seus dados melhor avaliados. Caso exemplar são dois estudos publicados no mesmo paper –o Journal of Neuroscience– com resultados opostos. O primeiro, publicado em 2014, comparou o cérebro de não usuários com usuários semanais. O estudo encontrou diferenças cerebrais importantes -com o encéfalo de usuários se mostrando alterado em áreas relacionadas à motivação e controle emocional.
Só que uma outra pesquisa, publicada em 2015, fez quase o mesmo estudo, só que com duas diferenças importantes: cientistas levaram em conta o consumo de álcool e selecionaram usuários que utilizavam a erva diariamente. Resultado: após eliminar usuários que consumiam álcool de ambas as amostras, as diferenças estruturais no cérebro não foram encontradas.
A recomendação de médicos, entretanto, e das principais associação de pediatria do mundo é que adolescentes evitem o consumo da erva antes dos 20 anos. E, pelo que alguns estudos mostram, do álcool também.
Referências
Persistent cannabis users show neuropsychological decline from childhood to midlife. Disponível em: http://www.pnas.org/content/109/40/E2657.full
Cannabis Use Is Quantitatively Associated with Nucleus Accumbens and Amygdala Abnormalities in Young Adult Recreational Users. Disponível em: http://www.jneurosci.org/content/34/16/5529.abstract
Daily Marijuana Use Is Not Associated with Brain Morphometric Measures in Adolescents or Adults. Disponível em: http://www.jneurosci.org/content/35/4/1505.full
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