As máscaras com filtro respiratório – utilizadas no dia a dia em países como China e Japão – podem auxiliar as pessoas que sofrem de insuficiência cardíaca a diminuir o impacto da poluição no coração quando circulam em horários de pico de trânsito em cidades como São Paulo. Além disso, o uso da máscara protetora por pessoas pode contribuir para reduzir os riscos de desenvolverem doenças cardiovasculares.
Essas constatações foram feitas pelos autores de um novo estudo realizado pelo Núcleo de Insuficiência Cardíaca do Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor/FMUSP) e estão descritas em um artigo publicado na edição de janeiro da revista JAAC: Heart Failure e destacadas no editorial da publicação ligada ao American College of Cardiology (ACC).
“Nosso estudo mostra, pela primeira vez, a possibilidade de intervir de forma simples, barata e eficiente em uma situação de risco para pacientes com insuficiência cardíaca pela exposição à poluição do ar pelo tráfego de veículos nas cidades”, disse Edimar Bocchi, diretor do Núcleo de Insuficiência Cardíaca do Incor e coordenador de estudo realizado por Jefferson Luís Vieira durante sua pesquisa de doutorado orientada por Bocchi.
A insuficiência cardíaca se caracteriza pela incapacidade do coração de bombear sangue em quantidade adequada para atender às necessidades de oxigênio e nutrientes do organismo. A doença é o principal fator de internação por doenças cardiorrespiratórias no Sistema Único de Saúde (SUS) e é responsável por 10,8% das mortes.
A poluição atmosférica gerada pelo tráfego de automóveis passou a ser considerada recentemente como um fator de risco para o desenvolvimento de doenças coronárias e eventos adversos, como isquemia e infarto agudo do miocárdio. Os efeitos nocivos são atribuídos à capacidade das partículas tóxicas expelidas pelos veículos de penetrarem nas vias aéreas.
“Essa medida de intervenção [usar máscaras ] pode ter efeitos benéficos na saúde pública e reduzir a mortalidade por doenças cardiovasculares”, diz Edimar Bocchi, orientador do trabalho e professor do Departamento de Cardiopneumologia da FMUSP.
Como foi feito o estudo
A maior parte das pesquisas feitas até agora analisou os efeitos da poluição do ar em pacientes que sofreram infarto do miocárdio, diabetes e síndrome metabólica. Ainda não tinham sido realizadas pesquisas relacionadas com outras condições cardiovasculares, como a insuficiência cardíaca.
Participara do teste 26 pacientes com insuficiência cardíaca e 15 voluntários sem doenças cardiovasculares. Os voluntários foram expostos a expostos a três níveis diferentes de qualidade do ar em repouso (durante 15 minutos) e caminharam sobre uma esteira durante seis minutos a uma velocidade fácil, mas moderadamente cansativa. A pesquisa foi feita em colaboração com o Laboratório de Poluição Experimental da FMUSP.
Em um primeiro experimento, eles receberam diretamente, por meio de um bocal, ar puro obtido a partir de cilindros de ar comprimido. No segundo experimento, os participantes do trabalho foram expostos a ar poluído não filtrado, obtido a partir de uma mistura de ar puro com gases do escapamento de um motor a diesel com concentração de material particulado de 300 microgramas por metro cúbico. É o equivalente à metade da concentração de material particulado no ar em São Paulo durante a maior parte do ano, conforme medições feitas pela Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb).
No terceiro experimento, os participantes inalaram ar poluído, mas protegidos por uma máscara com filtro respiratório, como as usadas por profissionais da área da saúde e comercializadas em farmácias.
Durante os três experimentos, os pesquisadores avaliaram a função endotelial – a dilatação dos vasos sanguíneos mediada por uma camada de células que reveste a parte interna dos vasos e é responsável pelo equilíbrio vascular e a coagulação sanguínea. Foram vistas também a variação da frequência cardíaca e marcadores biológicos.
Os resultados das análises dos três experimentos indicaram que a exposição ao ar poluído provocou um aumento do BNP, um hormônio produzido no miocárdio (músculo cardíaco) dos átrios e ventrículos que auxilia o coração a bombear melhor o sangue e um indicador de insuficiência cardíaca – e piorou a função endotelial (a camada celular que reveste os vasos sanguíneos) dos participantes do estudo. Em contrapartida, o uso da máscara com filtro respiratório ao inalar ar poluído causou uma diminuição da dosagem de BNP e melhora na função endotelial.
“A descoberta de que o uso da máscara com filtro ao ser exposto ao ar poluído diminuiu a concentração de BNP nos pacientes em um curto período de duração dos experimentos nos surpreendeu”, afirmou Jefferson Luís Vieira, autor do estudo realizado durante sua pesquisa de doutorado orientada por Bocchi. “A concentração de BNP dos pacientes subiu significativamente durante os 21 minutos de exposição ao ar poluído e caiu para a mesma faixa basal [sem inalação do ar poluído] quando foi usada a máscara com filtro”, afirmou Vieira, que é o primeiro autor do artigo.
Solução barata
De acordo com os pesquisadores, os resultados do estudo sugerem que o uso da máscara com filtro pode ser especialmente benéfico para pessoas com insuficiência cardíaca expostas de forma recorrente à poluição do ar por automóveis, como motoristas de ônibus, taxistas, agentes de trânsito, policiais e frentistas.
Mas, além desse grupo, também pode beneficiar pessoas que não têm insuficiência cardíaca pelo fato de a máscara com filtro proteger contra a disfunção endotelial, considerada um fator de risco para o desenvolvimento de doenças coronarianas.
“A máscara com filtro pode ser uma solução muito barata para prevenir o desenvolvimento de insuficiência cardíaca, que é uma doença que está se tornando cada vez mais cara para ser tratada, uma vez que os pacientes são internados várias vezes, requerem terapias que permitem uma sobrevida de, no máximo, oito anos e soluções custosas, como transplantes ou dispositivos de assistência cardíaca mecânicos”, disse Bocchi.
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