Quando comecei a estudar envelhecimento populacional, ouvia dos amigos – e alguns ainda falam isso – em referência ao meu objeto de pesquisa: “Esse negócio seu de velhinhos” ou “Essa sua coisa aí da velhice”. Natural. Envelhecer é sempre um verbo dos outros. Nada mais distante da realidade de cada um fechado em si mesmo. É difícil perceber o tempo passar a cada dia. Mais ainda aceitar sua inexorabilidade. É tão complicada essa relação a ponto de ser quase impossível ouvir a frase “nós, idosos”.
O mais comum é ouvir “os idosos”, mesmo quando o locutor já é um deles. Com o novo envelhecer do século 21, o famoso “70 o novo 50”, esse comportamento é cada vez mais latente. É como se ao apagar a palavra “envelhecer” do vocabulário, as pessoas conseguissem parar o tempo. Como digo em meu livro Viver Muito, se confunde o envelhecer bem com o não envelhecer.
Há um momento, porém, em que o tempo surge implacável, materializado ali na nossa frente. É quando nos deparamos com a velhice dos nossos pais. Seja alegre, e suscitando desejos de “eu quero envelhecer como minha mãe”, ou desafiadora, provocando o “eu não quero envelhecer assim”. Nesse momento, a velhice torna-se uma questão presente. Ela nos diz respeito. Foi assim para Sergey Brin, co-fundador do Google, cuja mãe é paciente de Parkinson. Muitos colunistas de tecnologia atribuem a este fato a decisão da gigante mundial de investir pesadamente na área de pesquisas e empresas relacionadas ao envelhecimento.
Brin conheceu suas altas chances genéticas de adquirir a doença. A partir de então, descobriu a velhice. E sua empresa também. “O Google parece acreditar que faz sentido usar algumas das mesmas tecnologias de computação que desenvolveu para organizar a internet para melhorar o corpo humano”, escreveu Will Oremus, colunista da Slate, analisando essa – já não tão nova – estratégia de uma das maiores marcas da – idem – economia digital.
Agora o Google está se tornando uma das principais empresas da economia da longevidade. O grande passo foi a fundação da Calico, empresa de pesquisas de mapeamento genético, que tem como missão descobrir o gene do envelhecimento. “Isso poderia parecer loucura, se não fosse o Google”, escreveu a revista Time, há dois anos, em reportagem de capa dedicada ao feito.
Arthur Levinson, ex-CEO da Genentech, referência nas pesquisas em DNA foi contratado para presidir a empresa da família Google. A Calico vem fazer frente a outras companhias, como a Human Longevity Inc., que descobriram o “mercado da longevidade humana”, como escreveu Paul H. Irving, presidente do Center for the Future of Aging do Milken Institute, em seu blog no Huffington Post.
A Calico é apenas a empresa do grupo de maior visibilidade por sua ousadia. Atualmente, o Google Ventures tem algum tipo de investimento em mais de 300 startups na área de saúde, ciência ou mobilidade, muitas de alguma forma relacionadas ao tema do envelhecimento. O anúncio mais divulgado mundo afora foi a compra, no ano passado, da Lift Labs, a famosa colher para pacientes de Parkinson.
O dispositivo eletrônico, movido à bateria, treme no sentido oposto ao do paciente e anula o movimento, provocando a estabilidade necessária para levar o alimento à boca. O objeto está à venda por 295 dólares e é um sucesso de exportação. O Google não parou por aí. Outro feito bastante difundido no mundo foi o prêmio de 50 mil dólares a um dispositivo criado pelo estudante Kenneth Shinozuka, de 15 anos, para monitorar pacientes com Alzheimer. O menino criou o aparelho em seu quarto para prender à meia do avô, que sofre da doença, e quando pressionado ao chão um alarme soa no celular dos familiares, dando conta de que o senhor Shinozuka está em movimento pela casa durante a noite.
O monitoramento de idosos dependentes é apontado como uma das maiores utilidades do Google Glass. Filhos e filhas únicos poderiam interagir com a residência de pais na Europa, por exemplo, enquanto trabalham em empresas do outro lado do planeta ou durante uma viagem de negócios. O Google está atento para este mercado, embora a área de saúde ainda seja a menina dos olhos da empresa. Um outro investimento promissor foram os US$ 130 milhões direcionados a Foundation Medicine, um software para diagnóstico e tratamento do câncer.
Essa participação do Google na economia da longevidade só tende a aumentar no futuro. O interesse das empresas de tecnologia no envelhecimento é hoje uma das maiores tendências de negócios no mundo. A Palo Alto Investors acaba de lançar um prêmio na área, o Palo Alto Longevity Prize, para estimular, com alguns milhões de dólares, a inovação.
No último relatório (background paper) da União Europeia sobre a economia da longevidade (Growing the silver economy in Europe), duas aquisições do Google são citadas como parte da estratégia da empresa na área. A primeira é a compra, por US$ 3,2 bilhões, da Nest Labs Inc, a empresa de automação residencial, sediada em Palo Alto. A Nest seria apenas o início da entrada do Google no bilionário mercado da teleassistência, espécie de coração da economia da longevidade.
Dez entre dez especialistas em envelhecimento no mundo apontam a teleassistência como o setor de maior atração de investimento e inovação na sociedade envelhecida. Eu diria que a teleassistência está para a economia do século 21 como a indústria automotiva significou para a do século 20. A gerontotecnologia (gerontechnology) ganhará impulso incalculável com a internet das coisas e a “internet of you” (o armazenamento de dados personalizados e seu acionamento por biometria).
O Google já sabe disso. Já sabe que no mundo com menos filhos, a tecnologia é a grande parceira das famílias na hora de cuidar de seus idosos. No mesmo relatório da União Europeia, é citada a compra pelo Google da iRobot, a oitava empresa de robôs adquirida em um ano e a primeira com conexões militares. Não acredito que o Google tenha comprado a iRobot pensando em guerra. É que a indústria militar é a mãe da inovação.
A robótica no mundo, hoje, tem como maior mercado o envelhecimento. Nada como unir a poderosa capacidade da indústria militar de atração de recursos para a pesquisa com a necessidade de atender a um novo mercado consumidor. Os modelos Care-O (Alemanha), Romeo (França), PR2 (Califórnia), Robear (Japão), Giraff Plus (Itália), entre outros, serão os novos produtos de exportação do planeta, como foram os automóveis no século passado. Portanto, o Google, provavelmente vislumbra esse mercado global.
Ele, obviamente, não está sozinho. Os técnicos da União Europeia, ao estabelecerem a estratégia da região para a economia da longevidade, citam também a Apple (com suas novas eHealth Kit e Wellness), a Legrand, a Philips, a IBM, a Bosch e a Siemens. Tudo isso é uma grande novidade para muitos executivos brasileiros. Afinal, a velhice, como dito acima, é um tema difícil de enxergar e, sendo assim, ainda mais complicado é percebê-la como uma oportunidade e uma realidade no seu ambiente de negócios.
A maioria dos administradores de empresas, como já disse aqui em um post anterior, está completamente alheia à dinâmica demográfica. É preciso urgente um envolvimento dos executivos brasileiros e dos empresários com essa temática. Enquanto isso o envelhecimento passa por aqui desapercebido, a Europa subsidia fortemente a pesquisa e o desenvolvimento de suas empresas e setores estratégicos. Os países estão preparando um rejuvenescimento na nova realidade etária da população mundial. O risco para o Brasil é descobrir a economia da longevidade muito tarde, quando suas empresas já estarão velhas para competir no mercado global.
Deixe um comentário