A sessão de julgamento do impeachment na Câmara Federal no último domingo deixou boa parte da sociedade brasileira estarrecida com o Congresso. Mais perplexa ainda ficou a Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (Abia) com um comentário feito pelo intelectual Olavo de Carvalho sobre o episódio envolvendo os deputados federais Jean Wyllys (PSOL-RJ) e Jair Bolsonaro (PSC-RJ). Relembrando, Wyllys cuspiu no deputado após uma provocação.
Carvalho é conferencista, ensaísta e autor brasileiro ultraconservador. Atua no jornalismo, filosofia, astrologia e ciência política, sendo um dos principais teóricos do pensamento neoconservador no Brasil.
Como se não bastasse a série de episódios lamentáveis do domingo, em repercussão ao fato, o intelectual Olavo de Carvalho disse em seu Twitter que Jean Wyllys, por ser “membro de um grupo de risco”, deveria se submeter a um exame para verificar “se sua saliva não transmite o vírus da Aids”. O twitter do intelectual é permeado de comentários homofóbicos. Entre as pérolas, estão, por exemplo, falas sobre o “poder opressor dos gayzistas” que têm “a cara de pau de dizer que são os discriminados em vez dos discriminadores.”
Não à toa, os tuítes de Carvalho geraram uma reação forte da Abia, que se viu no triste papel de rebater os absurdos proferidos e de reiterar obviedades que décadas de campanhas cansaram de informar.
Em nota, a associação afirmou que o vírus HIV não pode ser transmitido pela saliva, que nenhum indivíduo pode ser conduzido ao exame de forma coercitiva, e que a Aids de forma alguma pode ser associada à homossexualidade.Ainda, a associação diz que Olavo de Carvalho “destilou doses vergonhosas de desinformação e desrespeito às mais de 780 mil pessoas que hoje vivem com HIV/AIDS no Brasil”. Leia a íntegra da nota abaixo:
A ABIA recomenda que o Olavo de Carvalho seja imediatamente submetido a exames para verificar se sua saliva não transmite o vírus da ignorância e do preconceito.
Em infeliz comentário nas redes sociais, Olavo de Carvalho se referiu ao episódio ocorrido entre os deputados Jean Wyllys e Jair Bolsonaro na Câmara dos Deputados, no último dia 17/04, e destilou doses vergonhosas de desinformação e desrespeito às mais de 780 mil pessoas que hoje vivem com HIV/AIDS no Brasil.
O Senhor Olavo insinuou que Bolsonaro, na condição de possível presidenciável, não tem o direito de se expor à AIDS e tem a obrigação de exigir que a justiça force o deputado Jean Wyllys a fazer exames para verificar se sua saliva transmite o vírus HIV.
Senhor Olavo, as pessoas vivendo com HIV/AIDS podem exercer qualquer função na sociedade, incluindo a presidência. A soropositividade para HIV não pode ser um pretexto para que se retire o direito à cidadania.
Senhor Olavo, uma ação de saúde, como um exame, não pode de forma alguma ser exercida de forma coercitiva, e sim com solidariedade, acolhimento e inclusão, respeitando a autonomia dos indivíduos
Senhor Olavo, a AIDS se propaga por meio do vírus biológico e por meio do vírus ideológico. A ciência já provou há muito tempo que saliva não transmite o vírus biológico, mas ela pode transmitir o vírus ideológico (que é o mais perigoso) quando usada em discursos desinformados e preconceituosos como o seu.
Senhor Olavo, o HIV não escolhe pessoas por orientação sexual. Associar a homossexualidade com a AIDS é mais uma manifestação de puro preconceito.
Senhor Olavo, ao invés de se preocupar com a saúde do Sr. Bolsonaro, sugerimos que se preocupe com a saúde da população brasileira e com as atuais deficiências na luta contra a AIDS, como precarização dos serviços, preço abusivo de medicamentos essenciais, falta de campanhas educativas, dentre muitas outras.
Senhor Olavo, ao invés de se preocupar com punições ao Sr. Jean Wyllys, sugerimos que se preocupe com as punições previstas na lei 12.948, que criminaliza a discriminação contra pessoas soropositivas.
Por fim, enfatizamos que somos contra toda e qualquer forma de criminalização da transmissão do HIV.
Domingo vergonhoso
No domingo, 17, Jair Bolsonaro, ao votar a favor do impeachment, homenageou o Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, torturador da ditadura militar acusado de desaparecimento e morte de pelo menos 60 pessoas e envolvido no sumiço de outras 500 (sobre a homenagem de Bolsonaro, a Procuradoria Geral da União chegou a receber mais de 17 mil denúncias).
Logo após, Jean Willys, que votou contra o impeachment e dedicou seu voto a minorias, foi provocado por Bolsonaro. Nessa provocação, Jean Wyllys cuspiu em Bolsonaro – cuspe que foi revidado pelo filho do deputado, Eduardo Bolsonaro (PSC-SP).
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