Em reunião convocada com urgência, a Organização Mundial de Saúde decidiu nesta segunda-feira (1) que o surto do vírus Zika constitui uma Emergência de Saúde Pública de Interesse Internacional (ESPII). Durante a epidemia de Ebola na África ocidental, que teve o seu pico em 2014, o recurso foi utilizado e, com isso, várias medidas foram adotadas. Um outro caso de emergência global foi a epidemia do vírus H1N1, em 2009.
Participaram do encontro oito especialistas, diretores da OMS e representantes de 12 Estados membros, entre eles o Brasil. O grupo entendeu que o avanço dos casos de zika e sua provável associação com o nascimento de bebês com microcefalia no Brasil e na Polinésia Francesa configuram uma situação de ameaça à saúde pública global. Frente a isso, a OMS deve responder rapidamente com uma ação coordenada entre seus países membros.
A conclusão da entidade atesta que o vírus tem potencial para se espalhar para outros países – e isso não necessariamente está ligado ao seu grau de letalidade, mas com o seu alcance.
Em entrevista coletiva em Genebra, a diretora-geral da OMS, Margareth Chan, reforçou a preocupação da OMS com a falta de testes confiáveis e de vacinas e a baixa imunidade das populações nos países mais afetados. Ela disse que é necessário garantir os esforços internacionais de pesquisa para comprovar ou refutar a associação do zika vírus com os casos de microcefalia. Para a entidade, o que existe atualmente é uma correlação temporal e geográfica entre os casos e a expansão do vírus.
A Zika já é caso de emergência nacional. No final do ano passado, após a suspeita de associação entre a microcefalia e o Zika, o governo brasileiro declarou situação de emergência.
Recomendações para grávidas
Quando há uma emergência internacional em saúde pública, uma das medidas possíveis são recomendações específicas para o trânsito internacional. Por enquanto, a OMS não divulgou nenhuma medida restringindo destinos às mulheres grávidas. Por enquanto, a indicação da entidade é que as gestantes considerem a possibilidade de adiar as viagens que não forem imprescindíveis. Antes de embarcar, porém, devem consultar o médico. Além disso, nas áreas afetadas, devem usar mangas longas, calça comprida e repelente de mosquitos.
Brasil deu resposta à OMS, mas subfinanciamento do SUS é um risco
Segundo nota o Ministério da Saúde, durante a sessão do comitê de emergência organizado pela OMS, a diretora-geral da Organização, Margareth Chan, garantiu que o Brasil tem respondido rápido aos organismos internacionais.
“Podemos garantir que toda informação reportada pelo Brasil tem sido repassada pela OMS aos pontos focais de cada país. Todos os países estão sendo devidamente informados sobre a evolução do que está sendo feito”, afirmou Chan.
A professora Deisy Ventura, da disciplina de Saúde Global no curso de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo, porém, por meio do seu blog, critica o subfinanciamento do SUS, e aponta o risco que essa falta de recursos representa para o controle de epidemias como essa.
“Em países como o Brasil, onde o sub-financiamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é vergonhosamente crônico, e a saúde ocupa um lugar marginal em nossa putrefata agenda política, trata-se de um reforço [um possível fundo criado pela OMS] importante.
Os principais aspectos negativos são o risco de pânico, que compromete qualquer estratégia séria de combate a uma epidemia, e o risco de estigmatização da população dos locais mais atingidos”, escreveu Deisy.
Contradições do anúncio e mortes que nunca serão emergência
O blog da professora comenta que, por exemplo, os 7 casos de Ebola notificados no Ocidente (quatro nos Estados Unidos e casos individuais na Espanha, na Itália e no Reino Unido), repercutiram mais do que os 28.638 casos confirmados, prováveis ou suspeitos, e os 11.316 óbitos. “As próprias cifras mundiais do Ebola são muito menos expressivas do que as da tuberculose e da malária”, diz o texto.
“É bem verdade que a tragédia que se anuncia, de uma geração de crianças com microcefalia, me causa tanta revolta quanto outras deficiências e mortes evitáveis causadas pelo sub-financiamento do SUS, que jamais serão consideradas emergências internacionais”, afirma Deisy em seu blog.
“E não o serão porque o sistema internacional tem as enfermidades e as doenças dos países mais pobres como efeito colateral de seu imperativo fundador, que é a concentração vertiginosa da riqueza. Assim, o problema da doença não é que ela exista, e sim que ela saia do lugar onde ela deveria ter ficado.”
Governo precisa olhar para causas sociais da microcefalia
Uma das questões da crise do Zika é conseguir reduzir a desigualdade entre aqueles que conseguem atendimento à saúde, e os que não conseguem. Há mulheres que conseguem supervisionar sua gravidez, comprar repelentes e ser prontamente atendidas e as que não conseguem.
“Por conseguinte, talvez o único paralelo possível entre o Ebola e o Zika seja a reação de Johh Ashton diante da propagação do primeiro: trata-se da “falência moral do capitalismo, agindo em ausência de um quadro ético e social” (The Lancet, 2014)”, escreveu Ventura.
A epidemia de Zika pode ser comparada à epidemia do Ebola?
Um dos veículos a fazer essa comparação foi o jornal inglês The Guardian. A professora Deisy Ventura, da USP, escreveu em seu blog que essa comparação não procede, principalmente pela decisão do Estado brasileiro em seguir as recomendações internacionais da OMS. Seguem trechos do texto escrito pela professora da USP:
“Por maiores que sejam as deficiências dos sistemas de saúde das Américas, a nossa situação é muito diversa da região mais atingida pelo Ebola. Palco de sangrentas guerras civis, ela também foi vítima das políticas de ajustamento estrutural do Fundo Monetário Internacional (FMI) que desempenharam um papel decisivo na falta de pessoal e no despreparo dos sistemas de saúde da África Ocidental”
O mesmo pode ser dito do Banco Mundial: em Serra Leoa, por exemplo, ao longo dos anos 1990, os consultores do Banco Mundial conseguiram, em três anos, demitir mais de cinco mil empregados dos hospitais e reduzir dois terços da massa salarial do Ministério da Saúde. O resultado disto é que, antes da epidemia, Serra Leoa dispunha de 0,2 médicos por 10 mil habitantes, e a Libéria 0,1 (OMS, 2014).”
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