Um documento inédito, encabeçado pelo Fórum Nacional sobre a Obesidade no Reino Unido, faz um contraponto importante às recomendações oficiais britânicas para uma alimentação saudável. O manifesto, intitulado “Diretrizes para uma Alimentação Saudável e para a Perda de Peso no Reino Unido“, sugere que a insistência em orientar a população a substituir gorduras por carboidratos é a causa, e não a consequência, das elevadas taxas de diabetes tipo 2 e de obesidade. A repercussão do documento é mundial.
O problema, alerta o texto, estaria nos substitutos desses alimentos. “Estamos comendo errado há 40 anos e sob orientação oficial”, analisa Tam Fry, porta-voz do Fórum Nacional sobre a Obesidade, ao Saúde!Brasileiros. Ele explica que o artigo surgiu da insatisfação de vários profissionais de saúde do Reino Unido com as diretrizes alimentares divulgadas em março no país.
No site oficial do governo britânico, na seção dedicada às diretrizes alimentares, está a orientação para que se priorizem os laticínios low fat (com baixo teor de gordura), preferencialmente, aqueles com menos de 1% de gordura em sua composição.
Para os especialistas envolvidos no documento, a recomendação oficial escolheu o inimigo errado e deixou de lado questões importantes, como o consumo de alimentos processados e o abandono aos alimentos naturais. Um ponto crítico é justamente a insistência das diretrizes oficiais em estimular versões de alimentos low fat.
A ideia surgiu nos anos 80 e é comum para laticínios e carnes. “Além de não haver uma evidência forte para essa recomendação, a deterioração da saúde da população nos últimos 30 anos sugere que ela foi um erro desastroso”, diz o relatório.
O texto prossegue: “Se nos últimos 30 anos a população tivesse sido orientada a buscar alimentos naturais, em vez de produtos industrializados produzidos pelo homem, possivelmente, não teríamos taxas tão altas de obesidade, diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares.”
Enquanto o alimento low fat tem em média 1% de gordura, comparativamente, o leite integral possui entre 3,5 e 5,3%. Uma diferença que não é tão grande assim -e é por isso que os autores do texto defendem que essa troca não é tão vantajosa e pode, inclusive, levar ao consumo de alimentos não saudáveis.
A questão, defende o relatório, é que muitos, ao correr da gordura, podem cair nos braços do açúcar, um ingrediente encontrado em abundância nos produtos industrializados inseridos na alimentação nas últimas décadas.
Fry esclarece que a orientação nada tem a ver com “exagerar” em comidas gordurosas, mas sim a de não descartá-las só porque têm alto teor de gordura.“Não é comer gordura que nos faz gordos”, diz. “Moderação é uma palavra muito importante quando falamos de alimentação.”
(Tweet com a repercussão do documento na Inglaterra: “documento é controverso”)
A controversial report about dietary fat made headlines today. We take a closer look: https://t.co/y8swlvjIKH pic.twitter.com/TGGRLmB4Pq
— BHF (@TheBHF) May 23, 2016
Manifesto recebeu apoio e críticas – Para alguns, as sugestões reunidas no documento são válidas; já os autores das diretrizes oficiais, classificaram o texto de “irresponsável”.
Um dos que apoiou o contraponto é Michael Mosley, um famoso jornalista e médico no Reino Unido. “Eu sou a prova de que as dietas low fat não funcionam”, disse Mosley, em artigo no jornal Daily Telegraph. O texto fala sobre os conselhos alimentares que o jornalista deu ao pai após ele ter sido diagnosticado com diabetes.
“Seguindo meus conselhos, ele parou de comer gorduras e começou a comer mais alimentos ricos em amido [orientação que é mantida nas diretrizes oficiais do Reino Unido]. A diabetes piorou e ele precisou de doses cada vez maiores de remédios para tentar mantê-la sob controle. Vinte anos depois, morreu de falência cardíaca”, escreveu Mosley.
Os responsáveis pelas diretrizes oficiais, contudo, não ficaram contentes com as sugestões e críticas publicadas. “O parecer é irresponsável e engana o público”, classificou a nota oficial, publicada no site do governo britânico.
“Sugerir comer mais gorduras, cortar carboidratos e ignorar calorias entra em conflito com abundantes evidências científicas internacionais”, enfatizou John Newton, chefe do Public Health England, órgão governamental que publica as diretrizes alimentares no país.
A British Heart Foundation (Fundação do Coração Britânica) também se posicionou contra o manifesto. “O documento é cheio de ideias e opiniões, mas não oferece uma revisão abrangente das evidências científicas”, reagiu Mike Knapton, diretor médico adjunto da organização. Para Fry, o fato de haver tantas instituições se manifestando sobre o assunto é fundamental. “Nossa ideia era levantar o debate, não entregar um documento final.”
(Tweet da BBC: Fórum Nacional de Obesidade na Inglaterra diz que “a gordura é sua amiga”, mas diretrizes oficiais pensam ser a recomendação irresponsável)
National Obesity Forum says “fat is your friend”. @PHE_uk thinks that’s irresponsible but what does the advice mean? https://t.co/9sWa6Jugpj
— BBC Newsbeat (@BBCNewsbeat) May 23, 2016
Comida On the Go. A praticidade que pode acabar com a sua saúde
A tendência de comer on the go (em movimento) é outro dos pontos que Fry abordou durante a conversa com Saúde!Brasileiros. “A indústria tornou fácil para as pessoas comer o que elas quiserem, na hora que quiserem, e hoje todos querem comer desse jeito”, diz. O grande problema, continua o porta-voz, é que em nome da praticidade, estaríamos sacrificando nossa saúde.“Hoje, 25% da população ainda têm hábitos alimentares saudáveis, mas a maior parte não tem.”
No Reino Unido, é comum ver pessoas trocarem o almoço por um sanduíche. Conta a história que o nome do prato veio de um lorde inglês, que popularizou a ideia de se rechear o pão e comê-lo como uma maneira de seguir fazendo outras coisas durante a refeição.
Essa economia de tempo se tornou um traço cultural forte no país. Todas as redes de supermercado oferecem hoje opções de almoço que consistem em um sanduíche (normalmente rico em açúcares e gorduras), uma bebida (na qual, mais uma vez, sobram açúcares) e um snack (que pode ser um saquinho de batata frita, um doce ou uma fruta).
Fry pontua que, do mesmo modo como aconteceu com o almoço, as outras refeições foram, aos poucos, sendo substituídas por snacks e comidas prontas, que prometem ser saudáveis, mas comumente são cheios de açúcares e sal.
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