No que você pensa quando ouve falar em um labirinto, aquele traçado espiral, antigo, em que uma única rota leva ao seu centro e também para fora. Para alguns, a palavra remete ao mito do Minotauro, criatura com corpo de homem e cabeça e rabo de touro que vivia na ilha de Creta, na Grécia, preso em um labirinto. Com seus dentes de leão, devorava quem se aproximasse até que foi morto, numa façanha, pelo herói Teseu. Para outros, a palavra evoca as tonturas da labirintite, mal-estar por uma inflamação de uma estrutura do ouvido interno que tem justamente a forma espiral.
Mais recentemente, porém, a figura do labirinto foi resgatada por neurologistas, arquitetos, terapeutas e até religiosos. Com qual finalidade? Promover o relaxamento e a meditação. No Brasil, o uso terapêutico de labirintos desenhados ou entalhados no chão foi introduzido pelo neurologista e pesquisador Afonso Carlos Neves, chefe do setor de neuro- humanidades da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Desde 2001 ele aplica a técnica. “É uma atividade redutora do estresse, que facilita o relaxamento, melhora a atenção, a interiorização, a concentração. Pode ser feita uma vez ou em sequência, dependendo da possibilidade de cada um”, explica o neurologista.
Nos Estados Unidos, a retomada dos labirintos com a finalidade de acalmar a mente teve início nos anos 1990. Começou depois que a psicóloga e teóloga Lauren Artress encontrou referências sobre o seu poder terapêutico em um seminário de autoajuda. Motivada pelo achado, ela fundou uma organização para disseminar a prática e construiu um modelo nos jardins da Catedral Grace, em São Francisco.
Em casas e hospitais
A figura está conquistando espaço em residências, asilos, escolas, hospitais e áreas púbicas em diversos países. A entidade fundada pela pscóloga Artress, por exemplo, já conta mais de três mil labirintos. São feitos de pedra, desenhados na grama ou pintados no chão, desde que sigam medidas específicas. Neles, há um caminho único que conduz ao centro e depois leva para fora. Entre os hospitais que aderiram à prática, estão o renomado Johns Hopkins Bayview Medical Center, em Baltimore, e a rede Kaiser Permanent, também nos Estados Unidos. Os especialistas enxergam nesse modelo um recurso eficiente para beneficiar indivíduos em tratamento, funcionários e também os médicos. Nos Estados Unidos, já existem empresas especializadas na construção dessas figuras inspiradas no modelo da Catedral de Chartres ou em formatos ainda mais antigos, como as ruínas encontradas na Escandinávia. Uma delas é a The Labyrinth Company.
No Brasil, o neurologista Neves coordena sessões de meditação no labirinto na Universidade Federal de São Paulo. Após um intervalo no mês de julho, a atividade recomeçará no dia 9 de agosto. As próximas datas podem ser conferidas no blog Meditar no Labirinto. A atividade dura aproximadamente meia hora e pode ser feita a qualquer momento entre as 14h e 17h. A participação é gratuita, não precisa agendar.
A meditação com a ajuda do labirinto (que já foi uma prática cristã) faz parte do programa de Humanização em Saúde do Complexo Unifesp-EPM-Hospital Universitário de São Paulo. Neves também realiza sessões dentro do Hospital Geral Pirajussara, no Taboão da Serra, destinadas a pacientes com problemas neurológicos e psiquiátricos (acompanhantes e funcionários também podem participar).
Periodicamente, o neurologista Neves estende no hospital público Pirajussara, em São Paulo, um tapete de sete metros de diâmetro, branco e azul, com o labirinto desenhado. Quem passou pela experiência, como esta repórter, percebe que a música calma e a lenta caminhada pelo traçado até chegar ao centro do desenho (e depois voltar) realmente induz ao relaxamento e traz mudanças sensíveis (e para melhor) no estado de espírito.
Estímulo à intuição
Os efeitos psicológicos e físicos proporcionados pelo labirinto ainda não foram tema de estudos científicos, mas seus adeptos afirmam que traz grande benefício emocional e ensaiam algumas explicações. O neurologista americano Herbert Benson, do Benson-Henry Body Mind Medicine, ligado à Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, já disse que andar no labirinto pode proporcionar uma ruptura do fluxo de pensamentos e uma sensação de relaxamento parecida com a da meditação.
Para o médico, escritor e pesquisador de mitologia Abel Menezes, autor do recém-lançado romance As Tramas da Vida (Ed.Maya), acompanhar o traçado do labirinto pode despertar sensações pouco comuns nos dias atuais e também auxiliar na tomada de decisões. “Uma hipótese é que andar em espiral, o que é pouco comum nas nossas vidas, desperta áreas do cérebro ligadas à intuição”, diz o médico e pesquisador de mitologia Abel Menezes, de Pernambuco.
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