O LSD (ácido lisérgico dietilamida) altera o fluxo sanguíneo e a atividade elétrica do cérebro de forma ampla e complexa. Ainda, diferentemente do que ocorre normalmente, outras partes do órgão são acionadas no processamento da visão, o que explicaria o efeito alucinógeno – de ver com os “olhos fechados”. Os diversos compartimentos do encéfalo também ficam mais interligados, como se o cérebro fosse “unificado” – efeito gatilho para a chamada experiência de “dissolução do ego”, em que o usuário perde a referência de identidade pessoal e se dilui no entorno.
A descrição acima é fruto de um trabalho inédito publicado no Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS). Pesquisadores observaram os efeitos do LSD no cérebro por meio de máquinas, como a ressonância magnética, que possibilitam ver o cérebro em ação. O trabalho, que tem como primeiro autor Robin L. Carhart-Harrisa, do Imperial College of London, no Reino Unido, foi assinado por mais de 25 pesquisadores, de diversas partes do mundo. Entre eles está o brasileiro Eduardo Schenberg, também ligado à instituição britânica e à Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
A equipe administrou 75 microgramas de LSD injetável, ou placebo, em 20 voluntários saudáveis. Todos eles já tinham tido contato pelo menos uma vez com uma experiência alucinógena. Sob efeito da droga, os voluntários tiveram o cérebro escaneado pela máquina. Além dos efeitos citados, a droga, segundo Schenberg, não alterou nem danificou nenhum neurônio. Em seu blog, o pesquisador também dá mais detalhes sobre a pesquisa.
“A experiência lisérgica no ambiente laboratorial teve como características principais a percepção de imagens elementares (cores, raios de luz, formas geométricas simples, etc), imagéticas mais complexas (mandalas, fractais, paisagens, pessoas, amimais, etc), alguns casos de sinestesia visual-auditiva (ver cores relacionadas a sons no ambiente, por exemplo). A maioria dos participantes não sentiu ansiedade, e alguns se sentiram criativos e em um estado gracioso”, escreve.
Schenberg descreve, no entanto, que uma das observações mais interessantes do estudo foi a observação de redes “sobrepostas”. São circuitos que, em condições normais, são responsáveis por uma função específica; mas que, sob efeito do ácido, acabam se interligando, criando um efeito “novo”.
O autor principal do estudo, Carhat-Harris, também descreveu esse efeito em nota da Imperial College of London.
“Normalmente, o nosso cérebro é composto por redes independentes que realizam funções distintas especializadas, tais como visão, movimento e audição – bem como funções mais complexas como a atenção. Entretanto, sob efeito do LSD, a separação dessas redes se rompe e, em vez de cada área separada, você vê um cérebro mais integrado ou unificado.”
Para Carhat-Harris, esse fenômeno poderia explicar relatos de pessoas que tiveram experiência com o composto, muitas vezes classificada como uma sensação “religiosa”. O cientista explica que a conexão entre essas redes neurais possibilita esse efeito de dissolução do ego e de maior pertencimento à natureza, como se a fronteira entre o “eu” e o “mundo” fosse dissolvida.
“Nossos cérebros se tornam mais rígidos quando chegamos à idade adulta e mais compartimentados. O cérebro no estado LSD dilui isso e de alguma forma se volta a uma estrutura de quando éramos crianças: livres e sem restrições. Isso também faz sentido quando consideramos a natureza hiper-emocional e imaginativa da mente de uma criança”, explica.
Essa experiência de dissolução do ego, para Schenberg, é, ao mesmo tempo, o caminho mais promissor e arriscado no uso do LSD. “Aqui reside um dos efeitos mais interessantes, promissores na terapia e arriscados no uso recreativo dos psicodélicos: a tomada de consciência de uma nova percepção do eu, uma ressignificação de quem somos e de onde viemos.”
No lado promissor do LSD, segundo os pesquisadores, seria possível que a droga ajudasse a quebrar circuitos de pensamentos negativos, parâmetro presente em condições como a depressão e outros transtornos psiquiátricos. Um outro, ainda, seria um conhecimento mais profundo sobre nós mesmos.
“Nós finalmente estamos entendendo os potenciais do LSD, não apenas para a cura, mas para aprofundar o entendimento sobre a consciência”, disse Amanda Feilding, diretora da Beckley Foundation e uma das autoras do estudo em nota da Imperial College.
Estudo:
Neural correlates of the LSD experience revealed by multimodal neuroimaging. Disponível em: http://www.pnas.org/content/early/2016/04/05/1518377113.full.pdf
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