Pesquisa revela como o zika produz danos no cérebro em desenvolvimento

Pela primeira vez, um grupo de cientistas conseguiu mostrar como o vírus zika danifica o tecido cerebral. Ele tem o poder de infectar as células em desenvolvimento que formarão o cérebro dos bebês impedindo que elas cresçam, se organizem e também as leva à morte. Essas são as principais conclusões do estudo conduzido por dez pesquisadores brasileiros divulgado ontem no Rio de Janeiro.

Primeira imagem do mundo do vírus zika (em azul) agindo na célula neural. Foto: Reprodução Facebook de Stevens Rehen
Primeira imagem do mundo do vírus zika (em azul) agindo na célula neural. Foto: Reprodução Facebook/ Stevens Rehen

O trabalho teve repercurssão mundial e representa um grande avanço no conhecimento dos mecanismos pelos quais o vírus zika produz malformações cerebrais. A investigação foi conduzida por pesquisadores ligados à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (Idor) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Para compreender o poder de dano do zika, os cientistas infectaram células-tronco humanas pluripotentes diferenciadas (iPS), aquelas que possuem capacidade de se transformar em células nervosas cerebrais. No laboratório, essas células foram tratadas com substâncias especiais para que evoluíssem de modo a formar os chamados minicérebros, um modelo que tem sido cada vez mais usado em pesquisa.

Mais conhecidos pelos pesquisadores pelo nome de neurosferas, os minicérebros são um conjunto de células-tronco que se diferenciam em células neurais e que reproduzem o desenvolvimento mais embrionário do cérebro humano.

Inicialmente, as neurosferas eram cultivadas em placas, mas passaram a se desenvolver em um ambiente que lhes permite crescer suspensas no ar e avançar até um estágio semelhante a um cérebro com cerca de dois meses de desenvolvimento. Nessa fase, recebem o nome de organóides. “A partir do momento em que a gente usa neuroesferas e minicérebros, consegue identificar alterações que não observaria com outro tipo de estratégia”, disse Stevens Rehen, pesquisador do Idor e da UFRJ que coordenou a pesquisa.

No presente trabalho, a equipe de pesquisa observou que o zika infecta as células-tronco humanas, as neurosferas e organóides causando morte celular, malformações e reduzindo o crescimento em 40%. “Confirmamos que o zika pode infectar células-tronco que estão formando os minicérebros. E quando elas começam a se organizar, são destruídas e param de crescer”, disse Stevens Rehen.

Crescimento ruim e medicamentos em teste

Os pesquisadores observaram que as neurosferas (o cérebro em sua fase mais embrionária) formadas a partir das células infectadas morreram em aproximadamente seis dias.

Os resultados confirmam que a gravidade dos danos causados ao sistema nervoso pela infecção por zika é maior em fases mais avançadas da gestação. “Estes resultados únicos podem desvendar algumas das principais características da infecção por zika no cérebro em desenvolvimento”, disse à revista Science a pesquisadora Patricia Garcez, professora adjunta da UFRJ e principal autora do trabalho.

A partir desse modelo de pesquisa, dez medicamentos estão sendo testados para impedir a infecção ou reduzir os impactos do vírus sobre o cérebro.Os remédios que estão sendo avaliados já têm a aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para outras doenças e poderiam ter no combate ao vírus Zika um segundo uso.

Um deles, segundo Rehen, parece reduzir a morte cerebral causada pelo zika. No entanto, serão necessários ainda mais testes antes de sugerir o remédio como opção de tratamento especialmente para as gestantes. Dados preliminares indicam que a fórmula pode proteger contra o ataque do vírus, mas não está confirmado se é capaz de reduzir a replicação viral dentro da célula-tronco neural, de acordo com o neurocientista. Rehen espera chegar a novas conclusões sobre a possibilidade de tratamento em dois meses.

Outros vírus 

O trabalho do grupo brasileiro teve duração de dois meses. Agora, mais estudos são necessários para avançar no entendimento da extensão dos danos neurais causados pelo zika. Uma das linhas de pesquisa em andamento é verificar a ação de outros vírus nessas células.

Os autores da pesquisa em destaque compararam seus resultados com o zika com os de células expostas ao vírus da dengue. “Apesar de a infecção ser maior do que a do vírus zika, o vírus da dengue se replica, mas não altera o padrão de morte celular, não causa alterações morfológicas e nem malformações no modelo que usamos”, disse Rehen. 

Plataforma aberta

A pesquisa foi iniciada em fevereiro. Dada a importância do estudo, os cientistas publicaram seus resultados na prestigiosa revista científica Science praticamente ao mesmo tempo em que lançaram seus dados em uma plataforma aberta de divulgação científica, a Peer J.

A disponibilização ampla de dados sobre o zika é uma recomendação da Organização Mundial da Saúde e de várias editoras em situações de emergência como a epidemia de zika.


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