Por que devemos entender a relação entre gordura, diabetes e depressão?

Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), a diabetes e a depressão afetam, cada uma, aproximadamente 350 milhões de pessoas no mundo. Especificamente cerca de 10% a 30% dos indivíduos com diabetes tipo 2 (o tipo adquirido ao longo da vida) apresentam quadro depressivo. 

O mundo também tem aproximadamente 600 milhões de obesos e esse número mais do que dobrou desde 1980. A obesidade também eleva em 80 vezes o risco de diabetes.

Pode parecer confuso a princípio, mas esses números escondem algumas relações interessantes. É por conta dos muitos cruzamentos entre essas três estatísticas que a associação entre diabetes, gordura e depressão começou a ser intensamente explorada por diversos estudos clínicos nos últimos anos.

O mais recente deles é um francês publicado na segunda-feira (19) no British Journal of Pharmacology. A pesquisa dialoga com muitas outras. Essa aqui, por exemplo, fez uma revisão sistemática de estudos similares em 2010   e mostrou que há fortes indícios de que a depressão aumenta o risco de obesidade (e também que a obesidade aumenta o risco de depressão). 

Só que nesse estudo do British Journal of Pharmacology, curiosamente, a a relação entre a obesidade e depressão foi explorada usando a diabetes como metodologia. 

O mesmo mecanismo interliga a diabetes com a obesidade.  Assim, ao usar as duas doenças como parâmetro, os cientistas podem entender alguns mecanismos interessantes tanto em uma, como na outra.

Os pesquisadores viram que a gordura têm um papel  importante na diabetes e que ela piora o prognóstico do paciente. Como requer mais das células e tecidos, ela demanda muito de todo o metabolismo (inclusive mais insulina, hormônio que falta ao diabético ou que o indivíduo fabrica mas não consegue aproveitar). 
A insulina ajuda as células a transformar a glicose na energia consumida pelo corpo. 

Para tentar isolar o fator gordura e verificar se ela tem um papel importante na depressão, os pesquisadores franceses compararam uma dieta rica em frutose (grosso modo, um tipo de açúcar “do bem”, que engorda menos) com uma dieta gordurosa. O objetivo foi tentar reproduzir os mesmos sintomas da diabetes nos dois grupos, com a diferença que um deles teria ganho de peso, e o outro não. 

A gordura e a depressão podem dividir caminhos metabólicos similares, sugere estudo. Foto: Ingimage
A gordura e a depressão podem dividir caminhos metabólicos similares, sugere estudo. Foto: Ingimage

Assim, cerca de 20 ratos foram divididos aleatoriamente em dois grupos: um recebeu livre acesso a uma dieta rica em gordura e o outro teve acesso a uma dieta com 60% de frutose. Segundo os pesquisadores, esse tipo de dieta foi escolhida porque a frutose (apesar de induzir algumas características similares a das encontradas na diabetes tipo 2) não altera o peso de modo significativo.

O período em que as dietas estiveram disponíveis variou de 12 a 16 semanas. Os cientistas utilizaram testes de análise comportamental já consagrados para monitorar o comportamento dos animais. Alterações anatômicas no cérebro também foram avaliadas e usadas como parâmetro.

Após a exposição a essas dietas, os ratos tiveram hiperglicemia (elevação dos níveis de glicose no sangue) e aumento da produção de insulina. No rato com dieta rica em gordura, houve aumento de peso; na do grupo exposto à nutrição com frutose, nenhuma alteração importante foi verificada.

No grupo da dieta mais rica em frutose, não houve alteração comportamental significativa, de acordo com os testes. Já nos ratos alimentados com dieta farta em gordura, verificou-se a manifestação de sintomas associados à ansiedade e à depressão.


Medição da serotonina em tempo real dentro do cérebro

Os pesquisadores também mediram os níveis de serotonina nos animais vivos em tempo real com uma técnica conhecida como microdiálise cerebral. Nela, um cateter é inserido no cérebro para avaliar diferentes padrões. Nesse caso, eles estavam interessados na serotonina presente no hipocampo.

A serotonina é um neurotransmissor (substância que envia informações de um neurônio a outro, já que eles não se tocam) associado ao prazer e ao humor, dentre outras funções.

O hipocampo foi escolhido porque é uma parte do cérebro que cruza informações de outras regiões importantes na depressão e na ansiedade, como o sistema límbico (emoções) e córtex pré-frontal (razão e processos cognitivos complexos). Com a análise, constatou-se que ratos com dieta de gordura tiveram menos serotonina presente no hipocampo.

Ao retirar a dieta após 16 semanas, os cientistas observaram que boa parte de sintomas de ansiedade e depressão desapareceram, embora algumas anomalias de comportamento persistissem.

“Essa relação e a prevalência das duas doenças é de extrema preocupação na saúde pública pelos impactos econômicos e no bem-estar da população como um tudo. Além dos custos ao sistema de saúde, elas diminuem fortemente a qualidade de vida e a produtividade”, escreveram os pesquisadores no artigo.


Risco é, na verdade, entre obesidade e depressão?

A diferença entre os grupos de ratos, especulou o estudo, poderia explicar também porque nem todas as pessoas com diabetes desenvolvem depressão, já que a dieta com base em frutose também simulou o efeito da doença em ratos.

Só haveria, assim, risco aumentado para depressão em uma dieta rica em gordura com aumento de peso, sugere o estudo.

Esse achado confirma o que já havia sido encontrado em outros estudos que apontaram relação entre aumento de peso significativo e depressão.


Antidepressivo com dieta gordurosa não serve pra nada?

Em uma segunda etapa, os cientistas utilizaram substâncias inibidoras de recaptação de serotonina para avaliar se a depressão ou a ansiedade dos ratos regrediam. O que um inibidor faz é impossibilitar que o organismo tire de circulação alguma substância previamente produzida – esse tipo de atuação está presente na maior parte dos antidepressivos modernos, que impedem que o corpo recolha a serotonina de circulação.

Novamente, dez ratos foram alimentados por 16 semanas com dieta rica em gordura. Desta vez, porém,  eles receberam uma dose diária de oxalato de escitalopram, um tipo de antidepressivo muito usado hoje (um dos mais conhecidos tem o nome comercial de Lexapro). Segundo os resultados, o antidepressivo não exerceu uma diferença significativa observável nos sintomas característicos da ansiedade ou da depressão durante as 16 semanas.

O estudo apontou ainda que o escitalopram pode aumentar os sintomas associados à depressão quando os ratos estão sob dieta rica em gordura.


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