Por que a doença cardíaca é negligenciada nas mulheres?

Pela primeira vez, uma organização de cardiologia publica um artigo com diretrizes para o tratamento e a compreensão do infarto especificamente na mulher. A publicação, divulgada nesta segunda-feira (25) pela American Heart Association, tem o objetivo de sanar algumas lacunas de compreensão que ainda incidem sobre a doença cardiovascular feminina. Há diferenças nos sintomas e na progressão da doença, por exemplo.

O artigo foi publicado no periódico Circulation, que faz parte do corpo de prestigiadas revistas científicas da associação. O texto é assinado por vários especialistas, mas possui a cardiologista Laxmi Mehta, da Universidade de Ohio (EUA), como primeira autora. 

Segundo a texto, a doença cardiovascular é a principal causa de morte entre mulheres no mundo. Ainda, embora o infarto seja mais comum em homens, ele é mais letal em mulheres. O problema é que, mesmo com esse cenário e avanços da medicina, a condição é pouco estudada, pouco diagnosticada e pouco tratada nelas. E por quê? A autora responde:

“A maioria das pesquisas sobre doença cardíaca é feita em homens, assim como as categorias criadas para o tratamento são feitas tendo o público masculino como base. Precisamos de mais ciência em mulheres”, diz Laxmi Mehta, cardiologista da Universidade de Ohio.

“Mesmo assim, ao longo dos últimos 10 anos, nós aprendemos que o coração das mulheres são diferentes do que os homens em alguns aspectos significativos”, completa Mehta.


Diferença nos sintomas

Enquanto homens e mulheres podem sentir dor no peito, mulheres nem sempre. O infarto pode vir na forma de dores atípicas e vagas, sem a dor no peito habitual. 

Palpitações, dor nas costas, ombro ou mandíbula e até ansiedade, sudorese e indigestão são alguns dos indícios. Algumas mulheres podem só sentir falta de ar, náuseas, vômitos e sintomas similares ao da gripe.

“Estes sintomas podem ser muito difíceis de reconhecer como infarto, tanto para o paciente como para o médico. Desse modo, quando alguém chegar com esse quadro no pronto-socorro, é importante que todos esses sintomas –e não só a dor no peito- sejam triados adequadamente como problemas cardíacos potenciais”, Mehta disse.

“Caso contrário, as consequências são erros de diagnóstico, tratamento tardio e taxas de mortalidade mais elevadas.”

Mais estudos clínicos em mulheres são necessários para entender algumas especificidades femininas da doença cardíaca. Foto: Ingimage
Mais estudos clínicos em mulheres são necessários para entender algumas especificidades femininas da doença cardíaca. Foto: Ingimage

Diferentes causas

Há também diferenças sexuais específicas em causas de ataques cardíacos. A maioria são provocados por uma artéria coronária obstruída. No entanto, as mulheres podem com frequência não ter bloqueio significativo, ou ter outros tipos de ataques cardíacos.

Um deles é um espasmo intenso na artéria, que pode diminuir abruptamente o fluxo sanguíneo para o coração. As mulheres também podem enfrentar a dissecção espontânea da artéria coronária, ou um rasgo na artéria, mais frequentemente do que os homens.

Mais mulheres têm depressão relacionada a doenças cardíacas, o que pode dificultar o seu tratamento. Mulheres também relatam pouco apoio de familiares.


Demora na busca por tratamento

No caso do infarto especificamente, a demora em procurar tratamento é mais comum entre as mulheres do que os homens. Os autores relatam vários fatores que podem levar a um atraso na busca de ajuda para sintomas de ataque cardíaco.

Eles incluem: viver sozinha, interpretar sintomas como temporários ou não urgentes, a consulta com um médico ou membro da família em primeiro lugar e medo de passar vergonha se os sintomas não são graves.

“As mulheres são boas em ajudar os seus cônjuges, para que eles tomem seus medicamentos ou vão ao médico”, afirma Mehta. “Mas infelizmente, muitas mulheres não fazem da sua própria saúde sua prioridade, o que contribui para resultados mais favoráveis ​​em homens versus mulheres após um ataque cardíaco.”


Mais mortes

A declaração também assinala que as mulheres tendem a ter mais riscos de hemorragia e outras complicações após o infarto, bem como mais readmissões e mortes no primeiro ano após um ataque cardíaco.

Certos fatores de risco cardiovasculares são mais potentes em mulheres, incluindo diabetes tipo 2 e a pressão sanguínea elevada. Também há evidências crescentes de que o estresse emocional e depressão podem influenciar o aparecimento e evolução de doenças cardíacas em mulheres.


Ciência precisa investigar e cuidar da mulher

Além da maioria dos estudos científicos serem feitos em homens, há pouca compreensão da doença cardíaca feminina. “Nós ainda não compreendemos claramente por que as mulheres têm diferentes causas e sintomas de ataques cardíacos”, disse Mehta. “As mulheres são mais complexas, há mais variáveis ​​biológicas, tais como flutuações hormonais. E é por isso que é necessária mais investigação.”

Mehta e os outros membros da comissão dizem que o primeiro passo para ajudar a melhorar os resultados para as mulheres é a atenção às características específicas de gênero para melhorar a sensibilização, prevenção, reconhecimento e tratamento de mulheres com doença cardíaca.

Eles recomendam a melhoria dos métodos para diagnosticar e tratar espasmo da artéria coronária, dissecção espontânea da artéria coronária e doença arterial coronária microvascular em mulheres. Também o aumento da adesão às diretrizes de medicação, por ambos os médicos e pacientes, poderia melhor prevenir ataques cardíacos secundários em mulheres.

Eles sugerem que os clínicos implementem tratamentos psicológicos eficazes para reduzir as barreiras e melhorar o apoio e a qualidade de vida das pacientes. Os autores também chamam a atenção para intervenção de saúde pública para atingir as mulheres das minorias raciais e étnicas que carregam o fardo mais pesado de fatores de risco.

A cardiologista Laxmi Mehta, da Universidade de Ohio, e primeira autora do estudo. Foto: The Ohio State University Wexner Medical Center
A cardiologista Laxmi Mehta, da Universidade de Ohio, e primeira autora do estudo. Foto: The Ohio State University Wexner Medical Center

Consulte o estudo: 

MEHTA, Laxmi (et al). “Acute Myocardial Infarction in Women – A Scientific Statement From the American Heart Association”. Em Circulation, 25 de janeiro de 2016. Disponível em:http://circ.ahajournals.org/content/early/2016/01/25/CIR.0000000000000351.full.pdf+html


Comentários

Uma resposta para “Por que a doença cardíaca é negligenciada nas mulheres?”

  1. Achei este artigo muito instrutivo, confesso não ter conhecimento de casos como estes devido à falta de informação pelos meios de comunicação. Contudo, sugiro à vocês que divulguem mais amplamente essas informações, pois só assim mais vidas poderão ser salvas.

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