Por que a piada com o relatório da OMS que associou a carne ao câncer?

Nesta semana, a Agência Internacional de Pesquisa sobre Câncer (Iarc), órgão da Organização Mundial de Saúde, divulgou um importante relatório que associou o aumento do consumo de carne processada (embutidos e defumados, como o bacon) ao câncer. A instituição fez ainda um alerta para a ingestão de carne vermelha, que também foi relacionada a efeito carcinogênico. 

A reação nas redes sociais foi imediata. Usuários criaram a hashtag #FreeBacon, #Bacongeddon e #JesuisBacon e a luta a favor do bacon e da carne virou trending topic no Twitter. Famosos também reagiram à publicação, relatando a dificuldade que será abandonar o consumo da carne. As piadas e os memes, na esteira, vieram aos montes (muitos deles engraçadíssimos).

Mas como o assunto é sério, a pergunta que fica é: Por que uma diretriz séria como essa virou piada? Será que esse humor vem para diminuir ou amenizar a seriedade do relatório ou até o compromisso com a mudança por um estilo de vida mais comprometido com a saúde?

Para ajudar com essas questões, procuramos o médico Eric Slywitch, especializado em nutrição. Ele é autor de vários livros sobre alimentação sem carne (um deles tem exatamente esse nome). Em seu consultório, Eric atende pessoas que, por opção ou necessidade, querem diminuir o consumo da carne, emagrecer e ter mais qualidade de vida. O médico mantém um site sobre o assunto.

Segundo Slywitch, para muita gente com resistência a mudança de hábitos, o desafio está principalmente em superar a ligação afetiva com determinado alimento. E, em relação à carne, funciona da mesma maneira.

“Para muitos de nós, é difícil falar mal de algo que gostamos. O hábito que adquirimos tem ligação com aspectos afetivos, socialização e prazer do paladar”, diz Slywitch.

“Quando pensamos em excluir algo do cardápio, muitas vezes a leitura mental e emocional é de que estaremos nos afastando dos prazeres que temos, pois isso também representa o contato com amigos, familiares e os momentos de alegria social.”

E a superação dessa ligação, afetiva, quando será  que ocorre? Slywitch explica que, para a maioria dos indivíduos, a mudança de hábito só vai acontecer quando surgir  um sofrimento maior que o prazer associado ao de comer.

“Quando uma pessoa começa a ter fadiga e vemos como o organismo está tentando se adaptar a um estilo de vida insustentável é que as mudanças na forma de comer e viver conseguem transformar a pessoa.”

“Mudanças bem direcionadas podem retirar alguém de uma condição de saúde ruim, e a sensação física dessa melhora supera, muitas vezes, o prazer por algo que não faz bem.”


Mas, e a carne?

É preciso pontuar que o relatório da OMS é sério. Reuniu um grupo de trabalho de 22 especialistas, de dez diferentes países. Os cientistas revisaram toda a literatura científica já produzida sobre o assunto e só depois chegaram a uma conclusão.

O que a OMS fez é conhecido como uma diretriz. Uma diretriz de uma instituição respeitada como a Organização Mundial de Saúde serve como um guia para o mundo inteiro e um alerta para um determinado hábito, que pode, por exemplo, onerar sistemas inteiros de saúde pública.

Esse tipo de relatório só é feito depois de um consenso mínimo sobre a questão. Ou seja, não é um único estudo, em uma determinada região, com um determinado tipo de carne (como muitos leitores reclamam com razão do jornalismo de saúde –que muitas vezes publica estudos isolados. Uma hora determinado tipo de alimento faz bem; na outra, veja bem, não era bem assim…)

Para Slywitch, o relatório da OMS era uma “questão de tempo”. “Os estudos que associam o consumo de carnes ao maior risco de câncer são antigos e bem conhecidos”, explica.

“O processo de formação de compostos cancerígenos pelo contato da carne (tecidos animais) com o calor, assim como a presença de elementos de conservação de diversos produtos cárneos, é bastante documentado na literatura científica.”

Claro que a OMS não proibiu ninguém de comer carne. Mas observou efeito carcinogênico da carne vermelha de modo geral e divulgou que essa associação é particularmente importante para o câncer colorretal (que afeta o intestino grosso e o reto). O câncer de pâncreas e de próstata também foram relacionados. Aqui, na carne vermelha, a OMS classificou como “forte evidência” [científica] de associação, mas com limitadas evidências para “causa”. Essas palavras têm peso diferenciado. 

Já no consumo de carne processada, a OMS foi categórica. “Há evidência suficiente de que o consumo desse tipo de carne causa o câncer colorretal”. Quando a OMS usa o termo “causa”, ela estabelece uma relação direta entre o consumo e o câncer.

Segundo a instituição, a chance de um indivíduo ter câncer porque comeu carne processada uma única vez é zero, mas esse risco aumenta conforme o consumo e a frequência. O chamado, assim, foi para que todos façamos um esforço para comer menos. 

Além do aspecto cancerígeno, Slywitch elenca outros benefícios da suspensão desse tipo de alimento. “A redução ou a eliminação desses produtos da dieta causa, de fato, grandes mudanças positivas no organismo humano, como melhora do processo digestivo, do controle de glicemia e colesterol.”

“Mas, para algumas pessoas, só se transformam em momentos de sofrimento, infelizmente”, lembra. 


Comentários

3 respostas para “Por que a piada com o relatório da OMS que associou a carne ao câncer?”

  1. Avatar de Regina Helena Presto
    Regina Helena Presto

    Um dia seremos todos veganos exclusivamente por compaixão.

  2. Avatar de Mario Francisco Spanghero
    Mario Francisco Spanghero

    Não li UMA SÓ PALAVRA que vá contra o carnivorismo usando como argumento os milhões de animais explorados, aterrorizados e assassinados para que nós transformemos em fezes a matéria de seus corpos – que dão moradia a seres sencientes, no mais alto sentido da palavra! Para mim, não comer carne nasce de minha compaixão, de meu amor e de meu respeito a meus irmãos de outras espécie.

  3. Pecuária dizima o planeta e seus ocupantes. Seja vegano e, melhor ainda, vegandeiro: aquele que fomenta o veganismo nos contextos FAMÍLIA, IGREJA e ESCOLA.. Só através da veganização destes tres agentes sociológicos conseguiremos devolver a longevidade saudável natural aos animais, tanto humanos como não humanos, num planeta restaurado.

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