Por que o Brasil negou patente de droga que previne HIV

O Sistema Único de Saúde vai analisar incorporação de droga que previne HIV este ano e, ao que tudo indica, há mais chances dela ser distribuída no SUS. Isso porque o INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) negou patente do Truvada nesta semana. Os argumentos da Gilead, empresa produtora da terapia, não vingaram. Um dos motivos foi a falta de inventividade do composto, que é feito a partir da combinação de outros dois.

Desde 2014, a Organização Mundial de Saúde recomendou o antirretroviral para a prevenção do HIV em populações mais vulneráveis ao vírus. Diversos estudos clínicos também comprovaram a eficácia da droga para este fim – vários deles feitos no Brasil. O sucesso do composto levou à formulação de uma política conhecida como PrEP (Profilaxia Pré-Exposição).

A Fiocruz e a USP coordenam um estudo sobre a abordagem: o PrEP Brasil, que vai avaliar a melhor forma de oferecer a terapia para a população brasileira. Cerca de 500 homens que fazem sexo com homens, travestis e transexuais estão usando a droga em testes que vão delinear a política de distribuição do Truvada no Brasil. 

Gilead, fabricante do Truvada, tem 60 dias para recorrer da decisão. Para entidades, empresa quer criar insegurança jurídica para atrasar entrada de genéricos. Foto: Divulgação
Gilead, fabricante do Truvada, tem 60 dias para recorrer da decisão do INPI. Para entidades, empresa quer criar insegurança jurídica para atrasar entrada de genéricos. Foto: Divulgação

Por que a patente foi negada?

O relatório do INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) se baseou na composição do medicamento para negar o pedido de patente. Isso porque, na verdade, a droga é o resultado da combinação de outras duas terapias anti-HIV já existentes (tenofovir e a emtricitabina). Com isso, segundo o INPI, não haveria ineditismo que justificasse a propriedade industrial. Diz o relatório: “uma vez que não há efeitos técnicos inesperados, um técnico no assunto seria capaz de propor uma formulação envolvendo tais compostos.”

Um outro ponto colocado pelo INPI é que a combinação de um ou mais compostos para conter o HIV não é uma novidade. A entidade também descartou possíveis dificuldades técnicas decorrentes da junção das duas substâncias – argumento citado pela Gilead para justificar a patente. Segundo o órgão, as questões mencionadas pela empresa são comuns em qualquer processo industrial.  “O fato é que foram empregadas técnicas farmacêuticas rotineiras, como granulação úmida dos ingredientes com uma solução aquosa, secagem e compressão”, cita o documento. 

Ainda, para embasar a negação do pedido, o INPI faz uma distinção entre sucesso comercial e clínico e atividade inventiva. Segundo a instituição, os dois primeiros atributos não são suficientes para a concessão de uma patente. Assim, com base nos argumentos acima, o processo de fabricação e obtenção do Truvada não foi considerado inventivo o suficiente pelo INPI:

“Indefiro o presente pedido, uma vez que não atende ao disposto no art. 25 da LPI [Lei da Propriedade Industrial] e não apresenta o requisito de atividade inventiva”, conclui o texto. 

A Gilead tem 60 dias para recorrer da decisão. Se recorrer, não será a primeira vez. Em julho de 2016, o pedido de patente do Truvada já havia sido negado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Judicialmente, a empresa reverteu a decisão e o processo seguiu para o INPI, onde foi novamente indeferido.  

Para a ABIA (Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids) e o GTPI (Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual), a Gilead está se utilizando de artimanhas jurídicas para atrasar a entrada de genéricos no País.

“Está claro que qualquer esforço para tentar obter o monopólio por meio de uma patente imerecida será com a única finalidade de gerar insegurança jurídica”, diz o grupo, em nota no site do GTPI.

A campanha #TruvadaLivre, criada pela ABIA/GTPI. Foto: Divulgação
A campanha #TruvadaLivre, criada pela ABIA/GTPI. Foto: Divulgação

Ativismo de entidades embasou INPI 

Duas organizações que puxaram a luta para a negação do pedido foram a ABIA (Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids) e o GTPI (Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual). Elas fizeram campanha ativa para que a droga não fosse patenteada: o #TRUVADALIVRE, criada em 2016. 

Em novembro de 2010, o GTPI protocolou no INPI uma oposição ao pedido de patente do Truvada, com argumentos técnicos, jurídicos e de saúde pública, que demonstravam porque aquele o pedido deveria ser indeferido.  Um dos argumentos, de ausência de atividade inventiva, serviu de base para a negação do pedido pelo INPI. 

“Sem a patente, outros laboratórios podem comercializar o medicamento no Brasil a baixos preços, o que permite ao SUS organizar uma política pública de prevenção e tratamento que coloque Direitos Humanos no centro desta ação”, diz nota no site do GTPI.

Aids triplica entre rapazes

Embora os tratamentos estejam cada vezes melhores, a Aids mata. Para se ter uma ideia, foram 2,8 mil soropositivos mortos em 2015 em SP, contra 490 óbitos por dengue. Segundo o Ministério da Saúde, o Brasil tem 827 mil pessoas vivendo com HIV/AIDS. Dessas, 322 mil sabem que têm a doença e 260 mil não estão se tratando. Os dados foram divulgados pela pasta, em dezembro de 2016, no Dia Mundial da Aids. Compreenda melhor esses números aqui. 

Ainda, segundo esse boletim, a infecção mais que triplicou em rapazes de 15 a 24 anos (de 2,4 para 6,9 casos/100 mil hab.) e dobrou entre os moços de 20 a 24 (de 15,9 para 33,1 casos/100 mil hab.). Esse número faz com que sejam urgentes a implementação de políticas de prevenção voltadas para essa população. E uma das principais é, certamente, o Truvada.


Comentários

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.