O Sistema Único de Saúde vai analisar incorporação de droga que previne HIV este ano e, ao que tudo indica, há mais chances dela ser distribuída no SUS. Isso porque o INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) negou patente do Truvada nesta semana. Os argumentos da Gilead, empresa produtora da terapia, não vingaram. Um dos motivos foi a falta de inventividade do composto, que é feito a partir da combinação de outros dois.
Desde 2014, a Organização Mundial de Saúde recomendou o antirretroviral para a prevenção do HIV em populações mais vulneráveis ao vírus. Diversos estudos clínicos também comprovaram a eficácia da droga para este fim – vários deles feitos no Brasil. O sucesso do composto levou à formulação de uma política conhecida como PrEP (Profilaxia Pré-Exposição).
A Fiocruz e a USP coordenam um estudo sobre a abordagem: o PrEP Brasil, que vai avaliar a melhor forma de oferecer a terapia para a população brasileira. Cerca de 500 homens que fazem sexo com homens, travestis e transexuais estão usando a droga em testes que vão delinear a política de distribuição do Truvada no Brasil.
Por que a patente foi negada?
O relatório do INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) se baseou na composição do medicamento para negar o pedido de patente. Isso porque, na verdade, a droga é o resultado da combinação de outras duas terapias anti-HIV já existentes (tenofovir e a emtricitabina). Com isso, segundo o INPI, não haveria ineditismo que justificasse a propriedade industrial. Diz o relatório: “uma vez que não há efeitos técnicos inesperados, um técnico no assunto seria capaz de propor uma formulação envolvendo tais compostos.”
Um outro ponto colocado pelo INPI é que a combinação de um ou mais compostos para conter o HIV não é uma novidade. A entidade também descartou possíveis dificuldades técnicas decorrentes da junção das duas substâncias – argumento citado pela Gilead para justificar a patente. Segundo o órgão, as questões mencionadas pela empresa são comuns em qualquer processo industrial. “O fato é que foram empregadas técnicas farmacêuticas rotineiras, como granulação úmida dos ingredientes com uma solução aquosa, secagem e compressão”, cita o documento.
Ainda, para embasar a negação do pedido, o INPI faz uma distinção entre sucesso comercial e clínico e atividade inventiva. Segundo a instituição, os dois primeiros atributos não são suficientes para a concessão de uma patente. Assim, com base nos argumentos acima, o processo de fabricação e obtenção do Truvada não foi considerado inventivo o suficiente pelo INPI:
“Indefiro o presente pedido, uma vez que não atende ao disposto no art. 25 da LPI [Lei da Propriedade Industrial] e não apresenta o requisito de atividade inventiva”, conclui o texto.
A Gilead tem 60 dias para recorrer da decisão. Se recorrer, não será a primeira vez. Em julho de 2016, o pedido de patente do Truvada já havia sido negado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Judicialmente, a empresa reverteu a decisão e o processo seguiu para o INPI, onde foi novamente indeferido.
Para a ABIA (Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids) e o GTPI (Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual), a Gilead está se utilizando de artimanhas jurídicas para atrasar a entrada de genéricos no País.
“Está claro que qualquer esforço para tentar obter o monopólio por meio de uma patente imerecida será com a única finalidade de gerar insegurança jurídica”, diz o grupo, em nota no site do GTPI.
Ativismo de entidades embasou INPI
Duas organizações que puxaram a luta para a negação do pedido foram a ABIA (Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids) e o GTPI (Grupo de Trabalho sobre Propriedade Intelectual). Elas fizeram campanha ativa para que a droga não fosse patenteada: o #TRUVADALIVRE, criada em 2016.
Em novembro de 2010, o GTPI protocolou no INPI uma oposição ao pedido de patente do Truvada, com argumentos técnicos, jurídicos e de saúde pública, que demonstravam porque aquele o pedido deveria ser indeferido. Um dos argumentos, de ausência de atividade inventiva, serviu de base para a negação do pedido pelo INPI.
“Sem a patente, outros laboratórios podem comercializar o medicamento no Brasil a baixos preços, o que permite ao SUS organizar uma política pública de prevenção e tratamento que coloque Direitos Humanos no centro desta ação”, diz nota no site do GTPI.
Aids triplica entre rapazes
Embora os tratamentos estejam cada vezes melhores, a Aids mata. Para se ter uma ideia, foram 2,8 mil soropositivos mortos em 2015 em SP, contra 490 óbitos por dengue. Segundo o Ministério da Saúde, o Brasil tem 827 mil pessoas vivendo com HIV/AIDS. Dessas, 322 mil sabem que têm a doença e 260 mil não estão se tratando. Os dados foram divulgados pela pasta, em dezembro de 2016, no Dia Mundial da Aids. Compreenda melhor esses números aqui.
Ainda, segundo esse boletim, a infecção mais que triplicou em rapazes de 15 a 24 anos (de 2,4 para 6,9 casos/100 mil hab.) e dobrou entre os moços de 20 a 24 (de 15,9 para 33,1 casos/100 mil hab.). Esse número faz com que sejam urgentes a implementação de políticas de prevenção voltadas para essa população. E uma das principais é, certamente, o Truvada.
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