SP terá entrada forçada de agentes antidengue. Em artigo, cientistas pedem atenção à pobreza

De janeiro até agosto de 2015, foram registrados 1.416.179 casos prováveis de dengue no País, segundo último boletim epidemiológico do Ministério da Saúde. Desse total, 454.648 casos foram descartados, o que deixa cerca de um milhão de casos comprovados da doença só nesse período. 

A região Sudeste apresentou o maior registro (910.409 casos). Em termos de prevalência, a região amarga uma distribuição de 1.069 casos para cada 100 mil habitantes. 

São Paulo também apresentou o maior número de casos graves no País, com 583 episódios e 213 com “sinais de alarme”, segundo o Ministério da Saúde. 

Foram confirmados 693 mortes por dengue em todo o Brasil este ano, o que representa um aumento de 70% em relação ao mesmo período de 2014. Cerca de 68,5% desses óbitos aconteceram no Estado de São Paulo. 

Diante desse cenário epidêmico e grave, a Prefeitura sancionou uma lei que prevê a entrada compulsória de agentes de combate à dengue em residências que se negarem a recebê-los. A lei foi publicada no Diário Oficial deste sábado (3). 

Agente de zoonose  é acompanhada pelo exército em ação de combate à dengue na zona norte de SP. Foto: Prefeitura de SP/Divulgação
Agente de zoonose é acompanhada pelo exército em ação de combate à dengue na zona norte de SP. Medida foi adotada pela alta recusa de moradores de receberem agente na região. Foto: Prefeitura de SP/Divulgação

Haverá “o ingresso forçado em imóveis particulares, nos casos de recusa ou ausência de alguém que possa abrir a porta para o agente sanitário quando isso se mostrar fundamental para a contenção da doença”, diz o texto.

Sempre que se mostrar necessário, continua a lei, o fiscal sanitário poderá requerer o auxílio à autoridade policial que tiver jurisdição sobre o local. Em caso de ausência de moradores, “o uso da força deverá ser acompanhado por um técnico habilitado em abertura de portas, que deverá recolocar as fechaduras após realizada a ação de vigilância sanitária e epidemiológica”, ressalta o texto. 

A cidade de São Paulo também conta, desde o dia 23 de abril, com o apoio do exército para combater os focos de criadouros dos mosquitos transmissores da doença. A ação foi adotada justamente em regiões onde há resistência da população para a visita dos agentes de zoonoses.

Na zona norte, área de foco da epidemia na cidade de São Paulo, até maio, a Secretaria Municipal da Saúde registrou 4.319 imóveis fechados. Também cerca de 210 residências se recusaram a abrir a porta para os agentes. 


Atenção permanente à pobreza – e não só à dengue

Na última edição da revista Ciência e Cultura, editada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Denise Valle, bióloga e pesquisadora Instituto Oswaldo Cruz, Raquel Aguiar, doutoranda da Fiocruz, e Denise Pimenta, antropóloga e pesquisadora do Centro de Pesquisas René Rachou, publicaram artigo em que pediram atenção para o aspecto político e social da dengue. 

Elas afirmam que ainda são pouco compreendidas as influências de características sociais, econômicas e políticas, hoje denominadas de “determinantes sociais da saúde”, sobre a distribuição e o impacto da doença.

Fatores como o armazenamento do lixo, o abastecimento irregular e desigual de água, e a inadequação do saneamento ajudam a criar focos constantes da doença, apesar dos esforços das secretarias de saúde e do conhecimento adquirido com a constante situação de epidemia. 

Outro ponto levantado pelas pesquisadoras é a responsabilidade compartilhada no combate ao mosquito – que não pode depender apenas dos agentes de saúde. 

“Reconhece-se que a responsabilidade por essas ações, antes atribuídas quase que exclusivamente aos agentes de saúde, é de todos, uma vez que uma grande parte dos locais que servem à proliferação dos mosquitos está no interior das habitações e outras instalações urbanas”, escrevem.

As pesquisadoras ressaltaram haver um vácuo, digno de mais pesquisas, entre o que é divulgado em campanhas de prevenção e o que de fato a população faz para se prevenir. 

“Trata-se da dificuldade de associar conhecimento a uma mudança de comportamento, problema que não é trivial em saúde e que carece de aprofundamento”, continuam. “É necessário redirecionar o foco para a saúde das populações – e não apenas para as doenças.”


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