“Todo esforço para melhorar as condições de saúde das famílias brasileiras ficará à deriva”

Em artigo publicado no Cebes (Centro Brasileiro de Estudos de Saúde), os especialistas Carlos Octávio Ocké-Reis, economista e doutor em saúde coletiva, e Francisco Funcia, economista e mestre em economia política, dizem que “não há dúvidas sobre o subfinanciamento do sistema público  de saúde” e mostram o porquê, com dados. O artigo também denuncia projeto de desconstitucionalização do SUS, com a perda de financiamentos garantidos pela Constituição. 

Na prática, afirmam os economistas, assistiremos ao desmonte do SUS e à privatização do sistema de saúde. “Todo esforço para melhorar as condições de saúde das famílias brasileiras ficará à deriva, prejudicando os recentes avanços obtidos no combate à desigualdade, uma tragédia que lembra o mito de Sísifo.”*

Hoje, o gasto público em saúde gira em torno de 4%, enquanto países como a Argentina, que não possuem um sistema universal, gastam em torno de 11%. Os especialistas defendem que o governo está fazendo uma escolha equivocada e imediatista com o avanço da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 241/2016, que limita os gastos do governo com saúde e educação. 

“A PEC torna “letra morta” a Constituição de 1988, ao desvincular recursos garantidos e estabelecer um mínimo a ser gasto, ao invés de um teto”, disseram. 

Imagem: Cebes/Abrasco
Imagem: Cebes/Abrasco

Os pesquisadores também fizeram duas projeções: uma em que a PEC é aprovada e uma outra, com a PEC sem aprovação. Nas duas situações, o SUS perde financiamento. No caso de aprovação da emenda, no entanto, as perdas alcançam cifras inimagináveis e absurdas para um sistema universal.

1) Se a PEC não for aprovada, o SUS perderá aproximadamente R$ 12 bilhões -isso em considerando que outras medidas de sucateamento, como a Emenda Constitucional 29 e a Emenda Constitucional 86 estão em curso. 

2) Se a PEC 241 for aprovada este ano, o financiamento do SUS perderia aproximadamente R$ 148 bilhões, segundo o artigo.

A PEC, ainda, não leva em conta o crescimento populacional, a inflação ou a própria necessidade de aumentar os recursos do SUS em relação ao PIB. “Pelo contrário, quanto maior o crescimento do PIB, menor será os gastos com a saúde”, escreveram. 

O artigo mostra como essa política de subfinanciamento tem impacto direto sobre a produtividade no trabalho, no bem-estar social e no crescimento econômico. O não entendimento desse impacto, enfatizam os economistas, leva a uma política imediatista sobre o SUS com vista a garantir o superávit primário. 

Ideologia do estado mínimo

O processo de desconstitucionalização do SUS, afirmam, tem origem na ideologia do estado mínimo, com os efeitos da crise caindo apenas sobre os direitos sociais.

“Não há medidas para penalizar os mais ricos, achatar as desonerações fiscais ou para reduzir os juros: o ajuste acaba se concentrando nas despesas que garantem os direitos sociais como meio de criar superávits primários crescentes, visando a diminuição da dívida pública.”

*Na mitologia grega, Sísifo desafiou os deuses e, por isso, foi obrigado a empurrar uma pedra até o topo da montanha por toda a eternidade. O martírio de Sísifo é infinito porque, ao chegar no alto da montanha, a pedra cai novamente e o trabalho recomeça. O “Mito de Sísifo” também é um ensaio do filósofo Albert Camus, que descreve várias situações de absurdo na vida do homem moderno.

Sísifo, de Franz von Stuck, 1920. Imagem: University of Texas
Sísifo, de Franz von Stuck (1920). Imagem: University of Texas


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