“Todo esse desgaste para o usuário da Unimed poderia ter sido evitado”, diz advogada do Idec

Após a quebra da Unimed Paulistana que, na esteira, deixou na incerteza e na falta de atendimento 700 mil vidas, são muitas as dúvidas. Não só de usuários, que em sua maioria só vão poder resolver seus problemas de urgência na Justiça, mas de toda a sociedade. Afinal, o que o fim de um plano desse porte significa? Isso poderia ter sido evitado? Pode acontecer com outros planos?

Para Joana Cruz, advogada especializada em saúde do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), a resposta para a última pergunta infelizmente é sim. “Operadoras e empresas quebram”, afirma. A diferença, segundo ela, é que dá pra deixar esse processo menos tortuoso e sofrido para os usuários, o que não aconteceu com a Unimed. “Foi catastrófico, 700 mil vidas ficaram à deriva.”

A Unimed Paulistana sofreu sete intervenções da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar, órgão do governo que regula o setor privado). A operadora, além de estar no vermelho, descumpria os prazos de atendimento mínimos exigidos pela agência.

Depois dessas sucessivas intervenções, contudo, a ANS viu que não tinha saída. O jeito foi determinar que a operadora vendesse sua carteira de usuários  –a tal da alienação compulsória. Fato é que até agora não houve interessados na compra. 

Unimed Paulistana enfrenta grave crise financeira e assistencial Foto: Rafael Neddermeyer/ Fotos Públicas
Unimed Paulistana enfrenta grave crise financeira e assistencial Foto: Rafael Neddermeyer/ Fotos Públicas

No início do mês, ao usuários da Paulistana foi oferecida uma portabilidade extraordinária, sem carência, mas mais cara e sem a mesma rede de assistência. O que o Idec pediu na Justiça, no entanto, é que fosse oferecida uma outra modalidade de transferência, a especial, em que o mesmo preço e a assistência são mantidos. Esse tipo de portabilidade existe e está prevista na ANS (Agência Nacional de Suplementar). 

Como resposta a essa ação, a Justiça de São Paulo determinou, em caráter liminar nesta terça-feira (20), que o grupo Unimed atenda pacientes de emergência da Paulistana. Essa medida foi considerada restritiva pelo Idec. Segundo o instituto, a empresa deveria assumir todos os atendimentos. 

Enquanto isso, quem não mudou para um outro plano ou não aceitou a proposta da Unimed Paulistana, está sofrendo com a negativa de atendimentos da rede credenciada. 

A complexidade é grande, mas tentamos destrinchar o que está acontecendo. Em entrevista, a advogada do Idec explica à Saúde!Brasileiros o que foi feito para tentar reparar esses usuários. Ela também mostra as fissuras na ANS que possibilitaram que o caso Unimed se arrastasse por tanto tempo e detalha como sociedade e usuários podem ficar atentos a casos similares. 

Saúde!Brasileiros: Como uma empresa do tamanho da Unimed Paulistana quebra?

Joana Cruz: Para quem não estava acompanhando, parece que foi de repente. Não havia notícias sobre o assunto, mas a Unimed teve sete intervenções da Agência Nacional Suplementar. Essa intervenção é uma direção técnica que tenta por as contas em dia. No caso da Unimed, porém, não adiantou. As contas não fechavam e a empresa descumpria prazos de atendimento. 

Essa direção técnica e intervenção é comum também em outros planos?

Tem sido comum nos últimos anos e é até bom porque mostra que a Agência Nacional de Suplementar está atuando. Agora, se essa intervenção está sendo feita de maneira adequada, não é uma avaliação que podemos fazer.

Joana Cruz, advogada especializada em saúde do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor). Foto: Idec
Joana Cruz, advogada especializada em saúde do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). Foto: Idec/Divulgação

Esse processo é transparente para a sociedade e usuários?

A Agência Nacional de Saúde Suplementar não publica nada detalhado sobre essas intervenções, embora noticie que elas aconteçam. Mas não há nada com detalhes prontamente no site da agência, por exemplo, para que institutos e organizações possam acompanhar.

Como avalia o papel da ANS no caso Unimed?

A atuação da ANS e de algumas resoluções contribuíram para que o consumidor da Unimed ficasse num lugar grave e difícil. Primeiro, porque a agência não impõe tetos de reajuste a planos coletivos [tipo de plano oferecido por empresas ou contratado por meio de entidades profissionais, como sindicatos]. 

Segundo, como não há uma regulação do reajuste para esse tipo de plano, forma-se uma espécie de incentivo e eles acabam representando 80% do mercado.  Os contratos também podem ser quebrados unilateralmente pela empresa, sem garantias.  Resultado? Quase não há planos individuais. 

E aí o que acontece? A Unimed Paulistana é uma das únicas operadoras que possuem planos individuais e essa venda da carteira é imposta justamente em um momento em que não há essa modalidade disponível no mercado. Então, você pode ter certeza que muitos usuários da Unimed vão para o Sistema Único de Saúde.

O Idec está com uma ação que tenta obter reparações para usuários da Unimed? É isso? Pode explicar?

Entramos com uma ação pública pedindo que a Central Nacional da Unimed assuma os contratos da Unimed Paulistana sem nenhum prejuízo aos pacientes. Isso quer dizer que o plano deve ser transferido sem carência, com a mesma mensalidade e com a mesma rede assistencial.

Não é o que está acontecendo?

Não. Hoje o usuário da Unimed tem a opção de ir para outras operadoras do grupo Unimed só sem a carência. Mas, geralmente, o valor do plano é maior e não se oferece a mesma rede assistencial anterior.

A ação do Idec vai de no sentido um entendimento da Justiça prévio, que já estava sendo usado em algumas ações. Algumas pessoas que tinham Unimed Paulistana, por exemplo, entravam na Justiça para conseguir um atendimento oferecido em outra Unimed. Essas causas geralmente eram ganhas.

O que o Idec faz é transferir esse entendimento para esses contratos. É o mesmo grupo econômico, com o mesmo logo, com a mesma identidade. As pessoas depositaram uma confiança nessa empresa e toda ela é solidariamente responsável. Essa transferência entraria na categoria de portabilidade especial, que existe. Tivemos uma liminar favorável e a ação agora está tramitando em âmbito federal. O que aconteceu com a Unimed foi catastrófico e 700 mil vidas ficaram à deriva. 

A Agência Nacional de Saúde Suplementar poderia ter oferecido a portabilidade especial antes de declarar a venda da carteira?

Não com o mesmo mecanismo do Idec, mas poderia. Com isso, todo esse desgaste para usuários poderia ter sido evitado. Agora, eles vão ter que esperar uma possível venda e ver o que vai acontecer. E, nesse meio tempo, lhes foi oferecido um tipo de portabilidade, a extraordinária, que não prevê as mesmas vantagens.

A ANS pode ser responsabilizada pelo que aconteceu?

Ela tem uma parcela de responsabilidade, por não regular o reajuste dos planos coletivos, que configura uma omissão. E também por não ter oferecido a portabilidade especial antes da determinação da alienação.

Na ação que estamos movendo, a juíza determinou (não o Idec) que a ANS entrasse no polo passivo [algo como, colocar a ANS também como responsabilizada].

Foi feito um acordo para que a Unimed garantisse o atendimento, mas não foi o que acabou acontecendo. Também as opções de plano que o usuário tem são ruins.

O que o usuário da Unimed pode fazer?

Ele não precisa esperar o resultado da ação do Idec, pode pedir uma ação individual que garanta as mesmas condições do contrato anterior. O instituto também preparou um guia completo com todas as opções do usuário da Unimed.

Lá, há detalhes sobre o que fazer em negativa de atendimento, sobre como proceder para mudar de plano e outras informações.

Como evitar que o que aconteceu com usuários da Unimed aconteça com outros planos?

Empresas e operadoras quebram e isso é inevitável. Mas a ANS primeiramente tem que regular a oferta de planos coletivos, regular o reajuste e vedar o cancelamento de contratos de forma unilateral. Também é possível ampliar a portabilidade de carências em caso de quebra e oferecer a opção de transferência antes da alienação com a mesma rede e o mesmo preço.

Além disso, é preciso ter todo um planejamento para fortalecer o Sistema Único de Saúde. Muita gente da Unimed vai migrar pra lá, muita gente desempregada também vai. Os planos de saúde estão muito caros.

E a que todo o usuário de plano deve ficar atento?

Se começou a ter descredenciamento de médico e de laboratório, recusa de atendimento, dificuldade de marcação de consultas, se houve intervenção técnica ou fiscal da ANS, esse plano não está bem. Tudo isso é indício.


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