Ao andar pelas ruas de Buenos Aires, é curioso ver cartazes espalhados em toda a cidade que vangloriam o sistema público de saúde. “Cada vez hay mas razones para crer en la salud pública”, dizia um deles. A campanha é do governo da cidade de Buenos Aires, mas ela não poderia ter sido empenhada se não houvesse, pelo menos, alguma razão para comemorar.
Do contrário, seria piada. Embora sempre haja motivos para queixas, como esta reportagem do La Nacion, que denuncia a cobertura de serviços de saúde em regiões menos desfavorecidas e a desigualdade entre os serviços oferecidos pelas províncias, a Argentina gasta com saúde cerca de 10,2% do PIB, um pouco mais do que pede o projeto de lei de iniciativa popular no Brasil.
Hoje, o Brasil gasta 4,7% do PIB com saúde e está próximo de chegar a um baixíssimo nível histórico de financiamento.
Mesmo com a retomada das discussões da CPMF, o imposto sobre o cheque que custeou a saúde de 1996 a 2007, a porcentagem do PIB que seria gasta com saúde no Brasil chegaria a 6%. São 4% a menos do que investe atualmente a Argentina.
Mas não foi sempre assim na vizinha hermana. Nos anos 1990, a Argentina precarizou o seu sistema de saúde. Como em outras esferas do setor público, o país descentralizou a área e passou a oferecer somente o básico, privatizando o restante.
A situação só iria melhorar com Nestor Kirchner (2003-2007), quando o investimento passou de 4,5% do PIB em 2006 para 9,5% no final do seu governo, até chegar aos 10,2% de hoje.
Sistema universal sem investimento
A Argentina nem possui um projeto de sistema universal como o brasileiro. O seu sistema de saúde é totalmente descentralizado, o que aumenta a disparidade regional entre as províncias.
Grande parte do sistema de saúde também é coberto pelo setor privado e pelas “obras sociales”, o sistema de saúde destinado somente a trabalhadores formais no país.
Mesmo com o sistema de saúde descentralizado, o governo federal argentino tem maior participação nos gastos do setor do que o Brasil: cerca de 66% dos recursos vêm dessa esfera. Aqui, essa participação gira em torno de 44%, segundo dados de 2012 da Organização Mundial da Saúde.
Quando comparados com sistemas declaradamente universais, então, o cenário da participação do estado brasileiro é ainda pior: Reino Unido (84%), Suécia (81%), França (78%), Alemanha (77%), Espanha (74%), Canadá (71%) e Austrália (68%).
Análise da publicação o “Saúde nas Américas”, um mapa regional do setor organizado pela Organização Mundial de Saúde em 2012, indicava que, quanto maior a participação do Estado no financiamento da saúde, melhores eram os indicadores com saúde.
Com tudo isso, procuram-se razões para “crer” en la salud pública brasileña. Talvez os argentinos possam rir do cartaz que encontrei na rua e me diriam que “não é bem assim”. Concordaria, mas pode ser pior, não é mesmo?
Há vizinhos, por exemplo, que não investem em saúde e dizem ter o sistema universal. E ainda: mal tocam no assunto, que dirá colocar um outdoor numa estação de metrô para trazer esse debate à público -mesmo que nem todos comprem a ideia da publicidade.
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