USP descobre substâncias com poder anti-inflamatório na saliva do Aedes

A saliva do mosquito Aedes aegypti, transmissor da zika, dengue e chikungunya, pode ser a fonte de um novo composto capaz de ajudar no tratamento de certas inflamações.  Os estudos mostram que o extrato salivar do mosquito tem ação benéfica sobre doenças inflamatórias do intestino, como a colite ulcerativa e a doença de Crohn. A descoberta foi feita por cientistas da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. 

A equipe de pesquisa, coordenada pela professora Cristina Cardoso, testou um extrato tirado da glândula salivar do mosquito em camundongos com inflamação intestinal. Pelas pesquisas da equipe de Cristina, substâncias da saliva da fêmea do Aedes, com função de controle imunológico, possuem qualidades que poderão, eventualmente, dar origem a futuras terapias para doenças inflamatórias do intestino. Os primeiros testes foram feitos com camundongos que manifestaram os principais sintomas de doenças inflamatórias do intestino (diarreia, perda de peso e sangramento intestinal), após ingerir uma droga chamada dextran sulfato de sódio adicionada à água. 

Após três ou quatro dias recebendo o extrato de saliva do mosquito, os camundongos apresentaram uma melhora clínica geral. De acordo com a pesquisadora, “houve diminuição dos sinais clínicos relacionados à gravidade da doença (diarreia, perda de peso e sangramento), além de melhora em diferentes aspectos estruturais do próprio intestino.”

O tratamento diminuiu ainda a produção de substâncias do sistema imune associadas à piora clínica, como as citocinas inflamatórias. As citocinas são proteínas fabricadas por diferentes tipos de células durante a inflamação e estão diretamente associadas ao desenvolvimento da colite ulcerativa e da doença de Crohn.

Os estudos mostram que é na glândula salivar da fêmea do Aedes Aegypti que  se alojam os vírus transmissores da dengue, da zika e da chikungunya. Foto: Fernanda Carvalho/Fotos Públicas (11/02/2016)
Os estudos mostram que é na glândula salivar da fêmea do Aedes Aegypti que se alojam os vírus transmissores da dengue, da zika e da chikungunya. Foto: Fernanda Carvalho/Fotos Públicas (11/02/2016)

Apesar de não se poder falar ainda em uma aplicação imediata dessa descoberta no tratamento de humanos, os pesquisadores estão otimistas.  O próximo passo será aprofundar o estudo para descobrir qual das moléculas do extrato de saliva pode, de fato, ser usada com segurança em seres humanos. 

Outros pesquisadores da USP já estudam o efeito potencial do extrato salivar em outras doenças inflamatórias ou autoimunes, como a esclerose múltipla e o diabetes.

Arsenal de moléculas

Os estudos mostram que é na glândula salivar da fêmea do Aedes Aegypti que  se alojam os vírus transmissores da dengue, da zika e da chikungunya. Só a fêmea do Aedes transmite a doença, pois é ela quem pica, pois precisa de sangue para amadurecer seus ovos e se reproduzir. Na visão dos pesquisadores, os mosquitos desenvolveram um coquetel salivar com um arsenal de moléculas que possui efeitos farmacológicos de extrema importância para se sobrepor às dificuldades encontradas ao picar os humanos para se alimentar.

É justamente nessas armas da saliva do mosquito que os pesquisadores vêm descobrindo promissoras alternativas terapêuticas para doenças de fundo imunológico ou inflamatório, como a colite ulcerativa e a doença de Crohn

Os mosquitos são criados em condições controladas no Biotério de Insetos do Departamento de Parasitologia do Instituto de Ciências Biomédicas da USP (ICB-USP), sob coordenação da professora Margareth Capurro. 

Além dos pesquisadores do ICB, os estudos da FCFRP contam com parceria dos professores Javier Emílio Lazo Chica, da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, e o Dr. Giorgio Trinchieri, do National Institutes of Health, NIH, dos Estados Unidos. Os últimos resultados foram publicados em artigo na revistaInternational Immunopharmacology de maio do ano passado. As informações do artigo são também parte da tese de doutorado de Helioswilton Sales de Campos, orientado pela professora Cristina, e apresentada à FCFRP em 2015.

Doenças inflamatórias do intestino

Doenças inflamatórias do intestino são enfermidades que podem acometer diferentes regiões do trato gastrointestinal (da boca ao ânus) com gravidade variável. As duas principais são a colite ulcerativa e a doença de Crohn. Elas geram reações exageradas do sistema imune contra o próprio intestino (ou contra as bactérias lá presentes), o que pode levar à destruição deste órgão, que fica em estado permanente de inflamação.

Os pacientes com doenças inflamatórias de intestino têm qualidade de vida muito ruim por causa dos sintomas e podem ter mais predisposição ao câncer cólon-retal. Um aumento importante do número de casos tem sido observado em regiões economicamente emergentes da Ásia e da América do Sul. Nesses casos, acredita-se que fatores como maior urbanização e a “americanização” de hábitos tenham exercido influência direta nesse aumento. No Brasil, os custos dos tratamentos atuais dos pacientes com colite ulcerativa ou doença de Crohn são altos, o que sobrecarrega o sistema de saúde.


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