A médica e a história por trás das doenças

Quando tinha 40 anos, a médica Vera Cordeiro, clínica geral, trabalhava no Hospital da Lagoa, instituição pública da zona sul do Rio de Janeiro, e queria mudar o mundo. E mudou o próprio e o de outras pessoas. Era 1991 e, depois de anos atestando a existência do ciclo miséria-internação-alta-reinternação-morte, ela e 15 voluntários criaram o Saúde Criança. Uma organização social que começou em um canto das antigas cavalariças do Parque Lage com o objetivo de reestruturar e promover a autossustentação das famílias em risco social. A partir de triagem feita por médicos, enfermeiros e assistentes sociais do hospital, o projeto recebia as mães das crianças doentes que viviam abaixo da linha da pobreza.

Ali, eles montavam planos para atender às famílias com necessidades básicas. Vera e seu grupo, então, reformavam as casas, conseguiam remédios e comida, providenciavam documentos e ofereciam treinamento profissional para os pais. “O ato médico, muitas vezes, não se completa. Doenças, às vezes, são só a ponta do iceberg. Por trás, tem um pai alcoólatra, uma mãe desempregada, uma média de três a quatro filhos, e casas inabitáveis. Desde o início, percebemos que tínhamos de trabalhar de forma multidisciplinar. Só que nós éramos criticados. Muitos diziam que não tínhamos foco. De 2001 a 2004, com ajuda da McKinsey & Company (empresa de consultoria estratégica), formatamos nossa metodologia, o Plano de Ação Familiar (PAF). Passamos a cobrir as cinco áreas: saúde, educação, moradia, renda e cidadania. O PAF é o DNA da nossa instituição”, diz Vera.

[nggallery id=15919]

Ela mantém a paixão dos primeiros tempos, quando rifava objetos, brinquedos das filhas e o que mais encontrasse para obter recursos para prosseguir com seu projeto. Hoje, o cenário é outro. Boa parte da verba do Saúde Criança vem do exterior. Mas valeu a pena. No ano em que o Saúde Criança completa 21 anos, Vera comprova que seu projeto nada teve de quixotesco, ao transformar a ONG numa das mais premiadas e respeitadas do mundo. Foram mais de 20 prêmios internacionais, todos como a ONG mais inovadora do globo. Em fevereiro, foi eleita, pela revista suíça Global Journal, a primeira entre as organizações sociais da América Latina e ficou em 38o entre as cem melhores do mundo. Os critérios foram: inovação, transparência, impacto, gerenciamento de finanças e eficiência.

Tamanho prestígio também fez com que, em novembro de 2005, Vera fosse eleita a mulher mais influente do Brasil na área de Saúde, segundo a revista Forbes. “Mais do que uma instituição, eu queria fazer um movimento na sociedade. E ainda quero. Muitas guerras têm a ver com essa discrepância social em que o mundo vive. Pobreza não é um problema  brasileiro, é um problema global. A OMS (Organização Mundial da Saúde) garante que um terço das mortes no mundo acontece devido a doenças que são relacionadas à miséria”, diz ela, que à frente de sua ONG já ajudou dez mil pessoas só no Rio de Janeiro, enquanto que a rede Saúde Criança (12 franqueadas no Brasil, além do escritório em Nova York, o Brazil Child Health) já transformou a vida de mais de 40 mil pessoas. O índice de reinternação das crianças assistidas cai em média 60%, enquanto a renda das famílias cresce em torno de 35%.

Referência em empreendedorismo social, termo cunhado por Bill Drayton, fundador da Ashoka – uma das principais fundações mundiais de apoio ao ativismo social e da qual o Saúde Criança é parceiro – Vera é sempre chamada para participar de fóruns internacionais, apresentar o aplaudido Saúde Criança e disseminar suas ideias. Mas o caminho nem sempre foi fácil. Certa vez, moradores do Jardim Botânico, incomodados com o entra e sai de crianças no Parque Lage, impediram o funcionamento da ONG no local. Vera, então, conseguiu que Vivi Nabuco, uma das maiores fortunas cariocas (leia-se Banco Icatu), bancasse a reforma do antigo galinheiro, para onde se mudariam. Mas os vizinhos não aceitaram e a obra foi embargada. “Eu já estava no limite físico das minhas forças e queria uma prova divina para saber se eu deveria continuar com aquilo. Um tempo antes, tínhamos distribuído cem adesivos da instituição. Minutos depois de eu colocar Deus em xeque, vi um carro com o nosso adesivo colado no vidro. Comecei a chorar, não esperava uma prova tão rápida de Deus.”

Vera ainda conquistou mais uma aliada para seu projeto, a então primeira-dama Ruth Cardoso. Graças à intercessão dela e ao fato de o Parque Lage ser federal, o então presidente Fernando Henrique Cardoso assinou decreto garantindo a permanência do Saúde Criança naquela área. Dona Ruth inaugurou a sede definitiva, instalada no antigo galinheiro.

A pergunta que fica é de onde vem tanto desprendimento e generosidade. Vera, que mora na Barra da Tijuca, acredita em herança familiar. “Meus pais sempre foram empreendedores e preocupados com o próximo. Meu pai era engenheiro e foi diretor da Fábrica de Tecidos Bangu. Nós morávamos em Bangu, um bairro proletário do Rio, e eu já tinha uma vida diferenciada. Quando criança, eu me sentia constrangida por ter mais do que meus amigos. Minha mãe sempre contava que eu dava todos os brinquedos para as crianças da vizinhança. Eram filhos dos operários da fábrica.” Vera estudou em excelentes colégios do Rio de Janeiro e, mais tarde, casou-se com Paulo Ayala (antigo diretor da IBM e é um dos conselheiros da instituição), com quem está há 30 anos.

Vera conta mais. “Eu me sinto realizada ao acompanhar histórias como a de uma pré-adolescente que teve diagnóstico de linfoma. No primeiro contato, a mãe disse: ‘Não sei como vocês podem me ajudar, estou desempregada’. Ao que um voluntário respondeu:  ‘Você não está só’. Até hoje ela diz se lembrar dessa frase:  ‘Você não está só’. Essa mãe fez curso de maquiagem dentro da nossa instituição, foi tendo atendimento psicológico, se reerguendo. A menina começou a ter uma condição estável do linfoma e ganhou um laptop não sei de quem. Então, criou o blog O Dia da Beleza e começou a divulgar o novo ofício da mãe dentro da comunidade onde moram. Nos eventos festivos dos moradores, a mãe é chamada para maquiar e a própria filha a ajudou a gerar recursos. Acho que é por isso que choro há 20 anos.”


Comentários

2 respostas para “A médica e a história por trás das doenças”

  1. Boa noite. Que Deus continua colocando pessoas como nessa ONG que ajuadam. Gostaria de saber como faço para conseguir que minha sobrinha que tem Síndrome de Daow seja ajudada pela essa Ong.

  2. doutora hj entro para achar uma soluçao para o meu sobrinh q tem uma doença genetca,ele tem as pernas torta para dentro e daqui a pouco ele nao vai conseguir caminhar mais eo hospital so fica remarcando a cirugia q tantoele nececita aqui e uma familha gritando pedindo ajuda.desde ja eu agradeço magda tel 05130824489 obrigada

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.