A Tecnópolis paulista

A sede do parque foi instalada no antigo prédio de uma fábrica de componentes eletrônicos, às margens da Rodovia Presidente Dutra

Se criatividade dependesse apenas de espaço, São José dos Campos (SP) já estaria seguramente entre os maiores berços mundiais de inovação. Uma lei municipal aprovada há três anos destacou uma área de 25 milhões de metros quadrados como região de influência de seu Parque Tecnológico. Não que todo esse território – que vai do km 137 da Rodovia Presidente Dutra até a Rodovia Carvalho Pinto, em direção sul – tenha de ser ocupado por laboratórios e centros de pesquisa. Mas a legislação prevê que todas as construções no local, mesmo moradias, escolas ou estabelecimentos comerciais mantenham algum vínculo com o complexo gerador de conhecimento que começa a se formar por lá.

O plano estratégico e a destinação do espaço podem não transformar, automaticamente, o município de 680 mil habitantes do Vale do Rio Paraíba em referência internacional na área de inovação, mas dão a pista de que é exatamente essa a ambição da cidade no longo prazo. E há algumas boas razões para acreditar que a estratégia dará certo.

Dirigido atualmente pelo engenheiro Horácio Forjaz, um ex-vice-presidente da Embraer, o Parque Tecnológico de São José dos Campos já tem, em funcionamento ou em fase de instalação, cinco Centros de Desenvolvimento Tecnológico (CDTs), quatro instituições de ensino superior, uma incubadora de empresas e um centro empresarial com 25 fabricantes de produtos inovadores. Uma expansão iniciada em 2012 permitirá que, até 2014, outros 50 negócios de pequeno e médio portes – em fase de seleção – sejam recebidos em um novo prédio.

Cerca de 700 profissionais circulam diariamente pelas instalações do Parque, além de 1,6 mil alunos da Faculdade de Tecnologia de São Paulo (Fatec), que funciona no complexo. A Unifesp prevê iniciar em 2013 os primeiros cursos no local, onde também há um polo de apoio e atividades presenciais da Universidade Aberta do Brasil, que oferece cursos de instituições de ensino superior públicas pela internet. O Senai irá instalar uma escola de aeronáutica e defesa em uma área de 40 mil m² e a Unifei pretende ter um campus avançado.

Apenas em 2012, o Parque atraiu cerca de R$ 100 milhões em investimentos, de acordo com Forjaz que espera “manter essa cadência pelos anos à frente”. A área construída ainda é inferior a um milhão de m² – uma parte pequena da zona especial destacada para o futuro complexo, mas suficiente para, desde agora, situar o complexo entre os maiores parques tecnológicos do Brasil.

“Estamos trabalhando, em conjunto com a prefeitura, em um projeto de ocupação urbana, com áreas verdes, qualidade de vida e educação. A ideia é criar uma cidade voltada à inovação, uma tecnópolis”, prevê Forjaz. Ele destaca iniciativas nacionais, como o Sapiens Parque, em Florianópolis, e o TecnoPuc, parque tecnológico da PUC-RS, em Porto Alegre, com os quais mantém diálogo e cooperação. Mas a referência mais próxima das aspirações do executivo é a Sophia Antipolis, ao sul da França. Criado na década de 1970, em uma área de 24 milhões de metros quadrados, o espaço abriga centenas de empresas de base tecnológica, universidades e centros de pesquisa, além da vila residencial de Garbejaire e uma reserva ecológica.

A bandeira da criação de um parque com essas características foi empunhada pela primeira vez ainda na década de 1990, quando a administração municipal começou a enxergar, na presença de algumas das mais destacadas instituições de pesquisa e desenvolvimento nacionais, oportunidades que vão além da atração de empresas. Estão lá o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Centro Técnico Aeroespacial (CTA), o Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e um polo de empresas de base tecnológica, a começar pela Embraer.

A ideia continuaria a ser acalentada nos anos 2000, mas só em 2006 a prefeitura adquiriu as instalações de uma fabricante de equipamentos eletrônicos, às margens da Via Dutra. Após quase três anos de obras para a adaptação da futura sede, o Parque começou a funcionar, tendo à frente Marco Antonio Raupp, atual ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação. Enquanto fazia a instituição dar os primeiros passos, o acadêmico planejava o futuro do complexo. Ao seu lado, estava José Raymundo Coelho, que o substituiu até o ano passado, quando assumiu a presidência da Agência Espacial Brasileira (AEB).

Uma das primeiras decisões tomadas foi a de não limitar o complexo às tecnologias já presentes na região. “Queremos repetir o fenômeno do CTA, só que com uma abrangência muito maior”, diz Forjaz. Um dos primeiros CDTs inaugurados, é claro, foi o da área aeronáutica, onde a Embraer mantém 25 engenheiros. Até o fim do ano, o Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT) vai instalar no local um Laboratório de Estruturas Leves, onde serão testados materiais para possível uso na fabricação de aviões, mas também com aplicação em outras indústrias.

Mas a estratégia de diversificação tem dado resultados. A Sabesp é a uma das principais mantenedoras do CDT de Águas e Saneamento Ambiental, em parceria com o IPT, a Unifesp e o ITA. A Ericsson, que tem uma fábrica vizinha ao Parque, patrocina o CDT de Informação e Comunicação e Multimídia, enquanto o grupo de pesquisadores da Associação Cidade da Ciência, Tecnologia e Educação (CITÉ) conduz as atividades do CDT em Saúde.

O maior CDT é ligado à Vale Soluções em Energia (VSE), que tem como acionistas a mineradora Vale e o BNDES. Trata-se do CDT de Energia, que trabalha em sistemas de geração de eletricidade distribuída, ou seja, equipamentos e tecnologias que permitem que instalações industriais de grande porte sejam capazes de gerar a energia que consomem.

Conforme explica o gerente de Engenharia e Suporte Tecnológico da VSE, Paulo Giarola, o CDTE trabalha em quatro principais frentes de desenvolvimento: biodigestores, equipamentos que geram energia a partir do tratamento biológico de resíduos orgânicos; unidades de tratamento de resíduos sólidos, capazes de produzir eletricidade a partir da incineração; controles de sistemas de potência, que reduzem o consumo de combustível e a emissão de poluentes em motores; e tecnologias de gaseificação, que consistem na combustão parcial de matéria orgânica (como o bagaço de cana de usinas de açúcar e álcool) para gerar cinzas e gases combustíveis. “O que fazemos não é pesquisa nem invenção, é ciência aplicada. A inovação está no domínio tecnológico para aplicações inovadoras”, explica o executivo.

Um protótipo mantido em um dos galpões do CDTE ilustra a natureza do trabalho desenvolvido pela VSE – e torna compreensível a proibição de câmeras fotográficas nas instalações. Trata-se de chassi de um caminhão pesado, com espaço para um conjunto de baterias e alimentado por um motor elétrico. Uma parte eletrônica faz a melhor combinação possível entre os dois sistemas de propulsão, de modo a obter a maior eficiência no uso da energia. O sigilo é tamanho que a VSE investiu na construção de uma moderna oficina de usinagem, capaz de produzir peças e componentes necessários à construção de sistemas. Evitou, assim, ter de revelar a fornecedores qualquer detalhe dos projetos.

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No fim de 2012, a VSE passou por uma reestruturação, cortou funcionários e abriu mão de parte das linhas de pesquisa. Segundo Giarola, a mudança de estratégia permitiu à empresa focar em serviços e produtos que começam a ser comercializados neste ano. A geração de caixa permitirá retomar mais à frente o desenvolvimento de áreas de aplicação mais demorada. Atualmente, 240 pessoas trabalham nas instalações do CDTE.

A estrutura do Parque Tecnológico de São José dos Campos permite que uma companhia do porte da VSE conviva com vizinhas muito menores, embora igualmente inovadoras em suas áreas de atuação. É o caso da Olearys, uma das 25 empresas instaladas no Centro Empresarial 1. A empresa oferece a agricultores estações de monitoramento de lavouras para controle de doenças fúngicas. De acordo com o coordenador de soluções industriais da empresa, Vitor Balbi, os equipamentos são capazes de indicar com precisão a hora certa de aplicação de agrotóxicos, com base na análise em tempo real de dados climáticos, e assim reduzir a necessidade de pulverizações.

Até o ano passado, a Olearys atuava por intermédio das próprias fabricantes de agrotóxicos, que forneciam as estações aos agricultores como forma de fidelizar os clientes. “Ao vender o serviço diretamente ao produtor, permitimos que ele escolha o defensivo mais barato e utilize quantidades ainda menores”, afirma Balbi. Com o apoio oferecido pela estrutura do centro empresarial, a Olearys aumentou as chances de sobreviver à transição de seu modelo de negócio.

Entre as vantagens de se instalar no centro empresarial, os empreendedores podem interagir entre si e buscar saídas comuns para os impasses que afligem empresas em um mesmo estágio de desenvolvimento. Um acompanhamento ainda mais próximo é feito na incubadora de empresas, gerida pelo Centro para a Competitividade e Inovação do Cone Leste Paulista (Cecompi).

A organização social ligada à Prefeitura de São José dos Campos acompanha de perto o crescimento de 15 empresas recém-criadas. Para chegar lá, elas tiveram de mostrar que podem levar ao mercado soluções inovadoras, como os equipamentos de fototerapia da Bios Equipamentos Médicos, já utilizados para tratar lesões de atletas do Corinthians. Ou a Chyrurgica Central, que utiliza materiais normalmente empregados na indústria aeronáutica em cirurgias de reabilitação de crânio e face.

O aumento no número de empresas instaladas é a melhor garantia de sobrevivência do Parque. Mas outro excelente indicativo tem sido a capacidade de atrair a colaboração não só do setor privado, mas também de todas as esferas do governo. “Até novembro de 2012, atraímos R$ 1,39 bilhão em investimentos. A maior parte do dinheiro é privada, mas temos conseguido angariar apoio e verbas de ministérios, do Estado e da Prefeitura, independentemente do partido que esteja no poder”, comemora o diretor Horácio Forjaz.


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