O paulistano Pedro Markun tem 26 anos. Diz ter “crescido com computadores”, no período em que viveu em Santa Catarina, dos 12 aos 20 anos, quando abandonou a reta final da graduação em História, na Universidade Federal, para embarcar em um efêmero curso de Comunicação Digital, definido por ele como: “Fechado e muito pouco ousado para inovação”. Desde 2009, quando em 15 minutos cometeu a façanha de clonar a página oficial do blog do Planalto – um diário eletrônico mantido pelo governo federal, criado na segunda gestão do ex-presidente Lula –, ele vem se dedicando a um ativismo digital que deu origem a uma rede colaborativa, de quase mil entusiastas da cultura hacker, reunida em entidades virtuais sem fins lucrativos, como o Esfera e o Transparência Hacker.

A brincadeira envolvendo o diário de Lula teve origem e repercussão no Twitter. Foi no microblog que Markun (que é filho do jornalista e escritor Paulo Markun) descobriu, pasmado, que o recém-criado blog da Presidência da República, não disponibilizava espaço para comentários de leitores, uma heresia para qualquer veículo que se intitule “blog”. Ao constatar que o diário era hospedado no Word Press, plataforma de edição aberta que utiliza aplicativos de fácil programação e tem conteúdo livre, por ser filiado ao Creative Commons, Markun gastou um quarto de hora para disponibilizar um clone interativo na rede e voltou ao Twitter para divulgar o feito. A repercussão foi estrondosa e imediata, apesar de seu autor ponderar o gesto: “Não tive nenhuma ‘sacada genial’, qualquer um que tenha um pouquinho de conhecimento faria o mesmo”.

Ousada ou não, a brincadeira foi levada a sério por muita gente. “As pessoas começaram a retuitar loucamente coisas absurdas, como: ‘Foi uma vitória da democracia. O Lula ouviu a gente!’. Outros disseram que eu era aliado do Serra e queria desestabilizar o Lula, mas o que eu queria mesmo era provar que você não precisa que o Presidente da República abra espaço no blog dele. Monte o seu! A internet é uma plataforma aberta de interação e debate que possibilita ao cidadão atuar diretamente na política sem pedir licença ao Lula ou a ninguém.”

A constatação de Markun de que a rede mundial de computadores veio para mudar as relações entre o poder e a sociedade é uma das evidências positivas de um fenômeno consolidado neste novo século. Um crescente ativismo, promovido por hackers, que envolve gestos solitários de apoio a causas humanitárias e ações mirabolantes de gigantes, como o WikiLeaks, que transformou seu fundador, Julian Assange, em uma espécie de “Che Guevara” virtual, ao expor a fragilidade de armazenamento de dados e revelar escândalos privados e públicos da América, e o Anonymous, rede mundial de hackers, que também tem deixado em polvorosa veículos de imprensa, instituições financeiras, políticos corruptos e reacionários virtuais.

No começo de 2012, em retaliação à ordem judicial que extinguiu o provedor de uploads e downloads Megaupload, o aparentemente invulnerável site do FBI, foi derrubado por cerca de uma hora. Defensores ferrenhos de que a internet jamais deixa de ser território livre, os hackers do Anonymous reivindicaram a autoria do ataque.

Cunhado, na década de 1950, nos Estados Unidos, por modelistas de trens do Tech Model Railroad Club (até hoje sediado no lendário MIT, em Boston), para descrever alterações de projeto em relês eletrônicos, o termo hacker, ao longo das décadas seguintes, passou a ter cada vez mais a conotação de engenhosos truques de programação, fossem eles realizados em linhas férreas, redes telefônicas ou incipientes computadores. Acentuadas às inovações tecnológicas e à democratização do acesso a informática e internet, o jargão hacker, que em tradução literal significa “cortar grosseiramente”, vem confundindo muita gente e ganhando diferentes conotações, mas é indiscutível que o conceito de vilania ainda prevalece, como lamenta Markun: “O termo surgiu com essa conotação estreita de algo positivo, mas se vinculou à ideia de criminalidade. Houve também essa divisão entre hacker e cracker, onde o hacker é o cara do bem e o cracker, o vilão. Acho essa distinção uma bobagem. Ninguém fala que existem padeiros do bem e padeiros do mal”.

Como um bom hacker – ou um hacker do bem – Markun é provocador, mas as evidências de que a internet tem sido palco de crimes de toda a espécie são incontestáveis. No primeiro semestre de 2011, fraudes bancárias bateram recordes e ultrapassaram a casa dos R$ 600 milhões. Um rombo incômodo, que tem deixado banqueiros de cabelo em pé, uma vez que os clientes têm garantido o direito a ressarcimento integral dos prejuízos decorrentes desses ataques e a legislação atual não é eficaz em tipificar a maioria dos crimes cometidos em ambiente virtual. Discussão que se arrastava, há dez anos, no Plenário da Câmara dos Deputados, mas ganhou pé de chumbo no acelerador com a repercussão de um recente caso de invasão de privacidade, cometido por supostos hackers.

Dias após o início de produção dessa reportagem, o tema que havíamos proposto investigar, coincidentemente, entrou em discussão nacional, quando a atriz Carolina Dieckmann, em dias de Scarlett Johansson, também teve expostas na rede mundial de computadores dezenas de fotos íntimas, em que aparece nua ou seminua. O caso, maciçamente coberto pela imprensa frívola, ao longo de uma semana, levou a aprovação, às pressas, de um projeto de lei que tipifica crimes cibernéticos. A proposta do deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP) seguirá para o Senado, onde será submetida à votação definitiva, no final de julho, e prevê pena de reclusão de seis meses a dois anos além da multa para quem obtiver segredos comerciais, industriais ou conteúdo privado por meio da violação de equipamentos de informática.

“A repercussão desse caso foi positiva e, a partir do momento em que esses delitos se tornarem crimes, teremos de trazer atualizações e um novo conteúdo programático para o nosso pessoal. Até o final do ano, estão previstas mais cinco turmas de repressão a crimes virtuais.” Quem comemora a aprovação parcial da nova lei é o delegado Francisco Alberto de Souza Campos, Divisionário da Secretária de Cursos Complementares da Academia de Polícia da Polícia Civil do Estado de São Paulo. Souza Campos coordena cursos de reciclagem, que procuram atender novas demandas da sociedade, e atesta que, desde 2005, policiais voluntários e recrutados são formados para investigar crimes virtuais. Na semana em que visitamos a Academia, a terceira entre oito turmas previstas para 2012 estava sendo selecionada. Até o fim do ano, um contingente de 150 policiais paulistanos estará infiltrado no ciberespaço. Questionado sobre os recursos tecnológicos e humanos que o Estado disponibiliza, Souza Campos destacou que a academia dispõe de laboratórios com recursos individualizados para turmas de 20 policiais, professores com doutorado em  Ciências da Computação, e fez questão de enfatizar: “Se houver necessidade de um incremento, faremos mais cursos”.

A aprovação relâmpago do projeto de lei do deputado Paulo Teixeira é vista com desconfiança e reprovação por Markun, que, dias antes, celebrou o fato de, pela primeira vez, ter ouvido o termo hacker ser usado com reverência em um telejornal visto por milhões de brasileiros. No início de junho, por dois dias, ele e um grupo de hackers voluntariamente implantaram um aplicativo na Câmara Municipal de São Paulo, chamado Inspetor de Interesses, em que qualquer cidadão pode ter acesso aos projetos apresentados pelos vereadores que ali estiveram, desde a fundação da casa. “Ao mesmo tempo que o Jornal Nacional dá uma breve nota valorizando o fato de que hackers estão desenvolvendo formas de dar mais transparência às ações dos políticos, vejo, horas depois, na mesma TV, que por conta desse episódio com a Carolina, sem nenhuma consulta pública, acaba de ser aprovado um projeto de lei que criminaliza condutas de rede. Do ponto de vista da nossa comunidade, essa lei viola os princípios de liberdade, abertura, compartilhamento e colaboração que constituem a ética hacker. Se ela tiver mesmo de existir, tem de resultar de um amplo debate aberto e democrático em todo o Brasil.”

Como todas as pequenas revoluções impostas pela internet, novos hábitos e ambientes que adquirimos e hoje integram a rotina de milhões de nós, o convite à discussão de questões tão caras a esses novos tempos, como a atuação dos hackers em nossa sociedade, parece irrecusável e irremediável.


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