“Quem sai na chuva é para se molhar”, diz o surradíssimo chavão. No entanto, milhares de pessoas entraram em um torrencial aguaceiro, em Nova York, e saíram secas. Esse fenômeno improvável aconteceu na Rua 54 Oeste, em Manhattan, dentro do prédio do MoMa PS1 – subsidiária do museu de arte moderna da cidade – na instalação Rain Room (sala da chuva).
As multidões foram transfomadas em deidades, como o viking Thor ou o brasileiro Caboclo Cobra Coral, e controlaram a chuva. Andando devagar, sem movimentos bruscos, cada visitante atravessou um amplo salão vazio – com paredes negras e um único spot light, providenciando iluminação dramática – com água que caía com gusto. Mas, ao contrário do esperado, ninguém se molhou. O milagre foi proporcionado pelo grupo britânico rAndom International. A instalação já havia causado furor no Barbican Centre de Londres, mas em Nova York as filas de visitantes atingiram paroxismos de entusiasmo e a espera para enfentar a tempestade durou até dez horas em filas que se estendiam por quarteirões.
Além dos corajosos visitantes, em certos momentos bailarinos vestindo colants cor da pele – dando a impressão de estarem nus – dançavam, driblando os pingos. Mas que ninguém se atrevesse a tentar imitar o ator Gene Kelly no filme Dançando na Chuva. Sairia como o personagem da história: encharcado. É que as deslocações bruscas atrapalham a mágica. Os representantes do museu e do rAndon International mostraram o milagre, mas não contam o santo. O segredo do guarda-chuva invisível não foi revelado. Porém, como ocorre em muitos casos de supostas intervenções divinas, essa também tem explicações científicas.
O salão do toró continha centenas de sensores em 3D, que localizavam as posições dos visitantes, antecipavam seus movimentos e
fechavam as saídas da água naqueles pontos. Dito assim parece simples, mas a execução é bastante complexa. O software que comanda todas essas ações foi desenvolvido durante dois anos pela turma do rAndom International. Depois, o salão da instalação foi projetado e executado em mais um ano.
Para isso foram usados ladrilhos modulados e válvulas solenoides (fios metálicos enrolados em hélice sobre um cilindro que, percorrido por uma corrente, cria um campo magnético comparável ao de um imã). E mais: câmeras vigias acompanham movimentos e ativam sistema de controle de água.
Para que a mágica desse certo, foi recomendado aos visitantes não usar roupas escuras, brilhantes, com tecidos reflexivos, material impermeável ou saltos altos (eles ficariam presos na grade que compõe o piso). Poderiam também ter aconselhado o uso de galochas, pois, apesar da precisão dos instrumentos, não se conseguia sair do recinto sem respingos nos pés.
As fotos e filmagens eram encorajadas, ainda que os resultados, na maioria das vezes, foram decepcionantes, dada à pouca luz e falta de talento dos cinegrafistas e fotógrafos. Conta-se que algumas pessoas ficaram com medo de entrar na sala da chuva, contentando-se em apenas fotografar da entrada e postar a imagem no instagram. Ou seja: esperaram dez horas para se vangloriar digitalmente de algo que não experimentaram na pele.
Os criadores e organizadores propunham a contemplação e o filosofar sobre “desafios ecológicos num contexto de um mundo em transformação”. Houve, é calro, quem perguntasse por que um grupo londrino criou chuva artificial, uma vez que vive numa cidade onde chove naturalmente quase todos os dias.
Mas existem, claro, aplicações práticas para essa instalação artística. “Esse sistema poderia ser adaptado integralmente a uma estufa que necessita de água constante por um longo período, ao mesmo tempo em que pessoas trabalham dentro dela. Evita-se, no caso, que as pessoas tenham de usar capas de chuva e roupas impermeáveis que dificultam seus movimentos”, diz Michael Bauer, do Centro de Ciência Aplicada da Universidade de Princeton. “É possível estudar os efeitos da chuva em certos ambientes sem obrigar os pesquisadores a viver molhados”, diz Bauer.
Além disso, apenas como obra de arte ou bravado tecnológico, Rain Room já se justificaria. O sucesso da primeira mostra em Londres foi ampliado à décima potência em Nova York. Na história recente de exposições do MoMa não há exemplo de esperas de até dez horas para a entrada. A direção do museu foi obrigada a adiar por mais uma semana o fechar das torneiras. E ainda poderia deixar as águas rolar por longo tempo até satisfazer a curiosidade do público. No entanto, outras multidões esperam a chance de sair na chuva sem se molhar. A instalação Rain Room deve desaguar em San Francisco até o fim do ano e em Paris em 2014. Não se tem planos para o Brasil. Talvez porque o País já conta com São Paulo em matéria de aguaceiros.
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