Com os pés no mundo

Grife cobiçada em todo o planeta, as sandálias Havaianas são um case de criatividade e empreendedorismo nacional. Sua estratégia de marketing é, ao lado de suas coleções, exportada para os cinco continentes. No País, é líder absoluta em seu segmento, detendo 85% do market share. Possui 211 franquias espalhadas pelo Brasil e em 85 países, além de estar em concorridas vitrines de polos internacionais da moda, como Paris, Roma e Nova York. A novidade da marca, que completa seu cinquentenário neste ano, é a coleção de 50 sandálias inspiradas em obras que participaram da Semana de Arte Moderna de 1922, também em data-chave de 90 anos. Os modelos femininos homenageiam Tarsila do Amaral e os masculinos, Di Cavalcanti.

Performance invejável para uma sandália que, um dia, foi popular – consumida por pessoas de menor poder aquisitivo – e considerada pelo governo federal um dos itens da cesta básica, composta por produtos usados para controlar a inflação nos anos 1980. Se naquela época comercializava apenas um modelo em quatro cores – amarelo, verde, azul e preto – com palmilha branca, hoje são 104, sendo 64 deles destinados exclusivamente ao mercado externo.

No Brasil, duas coleções com 70 modelos de estampas e combinações diferentes são lançadas por ano: primeiro, para o trade e formadores de opinião, sempre em junho e setembro. Em seguida, em agosto e novembro, os lançamentos chegam aos consumidores, hoje um verdadeiro fã-clube da marca – alguns até criaram blogs e páginas na internet só para comentar sobre a sua sandália preferida. Para dar uma ideia, 8,5 entre cada 10 brasileiros têm pelo menos um par de Havaianas. Hoje, todo mundo usa, mas nem sempre foi assim.

As Havaianas começaram a ser fabricadas, em 1962, pela São Paulo Alpargatas, atual Alpargatas S.A., do grupo Camargo Corrêa. Detentora das marcas Topper, Rainha, Mizuno, Timberland, Dupé, Sete Léguas e Meggashop, é líder de quase 50% do setor de chinelos do País. Após a compra da Alpargatas Argentina em 2008, consolidou-se como a maior empresa de calçados da América Latina, terminando 2011 com o faturamento de R$ 2,6 bilhões, percentual 15,4% superior ao do ano anterior. É ainda integrada por duas subsedes: a Alpargatas USA e a Alpargatas Europa, cuja receita líquida do volume de sandálias comercializado no ano passado, somado ao exportado pelo Brasil, foi de R$ 238,4 milhões – 15,6% maior ao registrado em 2010. Ou seja, sucesso absoluto.

Com lojas em São Paulo, Londres, Roma, Valência e Nova York, a marca quer fechar este ano com 250 franquias e pontos de vendas e conquistar novos mercados – em 2011, entrou na Índia, no Paquistão e na Indonésia. “Em 2012, queremos ampliar a nossa atuação na Índia e ingressar no México, países com um atraente potencial de crescimento”, antecipa o advogado e publicitário Rui Porto, um dos principais responsáveis pela consolidação da marca. Há 27 anos na Alpargatas, onde já foi diretor de Comunicação e Mídia, o executivo atualmente é consultor nas áreas de Publicidade, Mídia, Pesquisa, Promoção, Eventos, Assessoria de Imprensa e Relações Públicas.

Porto atribui o sucesso da marca à sua estratégia de marketing e a seus valores intangíveis. Segundo explica, as Havaianas são um produto de qualidade, cujos modelos são lançados segundo pesquisas formais, informais e mensais. Ao mesmo tempo que são sandálias de borracha, democráticas e inclusivas, também são modais e sensuais. Têm como conceito a brasilidade, a alegria e a irreverência. Por isso, são bem-humoradas. “Essa é a alma da marca”, traduz.

Exportar essa “alma” para países com culturas, hábitos e condições climáticas tão diferentes do Brasil requer expertise. Porto explica que as Havaianas são reconhecidas internacionalmente por sua qualidade, forte característica do produto. Por isso, são bem vendidas em países com invernos rigorosos, como os Estados Unidos, quanto nos ensolarados, como a Austrália. Mas não é só.

Antenada, a marca este ano aplicará parte de suas verbas de marketing para aumentar as vendas dos tênis Havaianas, uma fórmula para combater a sazonalidade das vendas, que caem nos meses de frio. Em média, a Havaianas destina algo entre 12% e 14% de seu faturamento anual às ações de marketing. “No Brasil, anunciamos em revistas e TVs abertas e por assinatura. No exterior, nos restringimos mais às revistas”, diz o executivo.

Padrão exportação
A diversificação de produtos faz parte da estratégia de crescimento da Alpargatas – no ano passado, a empresa renovou sua identidade visual e passou a ter um novo logotipo, a fim de se consolidar com uma gestora de marcas globais. Dentro dessa filosofia, novas categorias de produtos com a marca Havaianas, como tênis, meias e toalhas, chegaram ao mercado. “Também apostamos na customização como uma excelente forma de contato direto com o consumidor.”

Na capital paulista, o Espaço Ha­vaianas é um exemplo. Situado na rua Oscar Freire, nos Jardins, reserva uma área em seu interior com dezenas de tiras e solados de cores variadas, para aqueles que desejam criar um modelo exclusivo da sandália. A customização é, por sinal, outra das estratégias exportadas por Havaianas. Em 2011, promoveu eventos “Make Your Own Havaianas – Invente sua própria Havaianas”, nas concorridas lojas de departamento espanholas El Corte Inglés, inglesa Selfridges e parisienses Galeries Lafayette.

Como a customização, os projetos de marketing bem-sucedidos aqui são exportados para todos os países que comercializam a sandália, onde são ajustados à cultura local. Porto explica que as adaptações são necessárias porque a marca pode estar em diferentes estágios de desenvolvimento em cada país. O canal de venda também é importante. Por isso, é imprescindível conhecer os costumes locais. “O italiano compra mais em lojas de departamento, enquanto o francês prefere as lojas de rua. Já na Espanha, em Portugal e na Grécia existe uma grande cadeia de lojas.”

Para avaliar e gerenciar o sucesso de uma estratégia exportada, as Havaianas recorrem aos profissionais de marketing que trabalham em suas subsedes e escritórios do exterior, conversando com eles por videoconferências sobre as tendências do mercado e sobre como está a marca naquele país. “São esses gerentes que também nos informam quando uma ação dará certo ou não.”

As Havaianas hoje são vendidas tanto na nova-iorquina Saks Fifth Avenue como na venda da esquina. Calçam bebês, crianças e adultos e acompanham todos os trajes da praia à festa. Seus modelos estão em editoriais de moda, em camarotes de festas badaladas e nos pés dos candidatos ao Oscar. Todo esse sucesso só é possível graças a uma brilhante estratégia de marketing, iniciada na década de 1990.

Virada do jogo
Quando foi lançada, composta por fino solado de palha de arroz e tiras de tecido, as Havaianas revolucionaram o setor. Com preço baixo, foi logo copiada pelos concorrentes. “São fajutas”, alertavam os comerciais, nos anos 1970, protagonizados pelo falecido humorista Chico Anysio. Assim, as “Legítimas, que não deformam, não soltam as tiras e não têm cheiro” tornaram-se cada vez mais populares. Mas, ao contrário de resultados positivos, a sua crescente massificação levou a rentabilidade aos menores níveis no final dos anos 1980, quando foi enquadrada na categoria de commodity.

Hora de rever o jogo. Arrojada, a Alpargatas mudou todo o seu mix de produtos e de marketing, desde a embalagem e a exposição no ponto de venda até a comunicação da marca. O reposicionamento começou em 1994, com o lançamento das Havaianas Top, uma segmentação de seu carro-chefe. Com cores alegres e alinhadas às tendências da moda, a linha foi criada a partir da observação dos hábitos do consumidor. “Notamos que as pessoas de classes mais altas viravam a palmilha branca das Havaianas para baixo, tornando-as monocromáticas. Esse foi o ponto de partida para lançarmos a coleção”, diz Porto.

Para valorizar o produto, facilitar a escolha e impulsionar as vendas, as Havaianas ganharam nova embalagem e passaram a ser expostas em displays nas lojas – até então, eram embrulhadas em sacos plásticos e despejadas em cestos. A logística da distribuição também foi repensada e cada ponto de venda passou a receber uma sandália diferente, de acordo com seu target. “Essa estratégia prevalece até hoje. Os modelos são limitados. Por isso, se gostar de um, compre na hora. Depois, não conseguirá mais.”

Paralelamente, a marca apostou no patrocínio a eventos de moda e no trabalho de assessoria de imprensa e relações públicas com os formadores de opinião e jornalistas, a quem presenteava com versões exclusivas da sandália. Nas campanhas de TV produzidas pela Almap (hoje, AlmapBBDO), celebridades surgiam com suas Havaianas Top nos pés. Em revistas e jornais, as imagens de seus anúncios traduziam a sua brasilidade, enquanto o slogan “Todo mundo usa” comunicava a mudança de seu público-alvo. Toda essa estratégia fez a marca ser querida pelas pessoas, deixando de ser uma mera sandália de borracha para se transformar em um acessório de moda.

“Havaianas está ligada ao estilo da moda e como é uma marca forte e respeitada, estará sempre na moda”, acredita Porto. Atualmente, a sandália é feita em Campina Grande (PB), onde são produzidos nove pares por segundo. Na metade do ano, será inaugurada uma nova unidade fabril em Montes Claros (Minas Gerais), destinada à produção exclusiva de Havaianas. Quando estiver operando, a fábrica vai gerar mais 2.500 empregos diretos e indiretos – hoje, tem cerca de 19 mil profissionais. Inovadora e incansável em sempre se reinventar, a marca tem a sua fórmula de sucesso para se manter como grife cobiçada: “É preciso ouvir o consumidor e ter muita informação, inspiração e transpiração”, resume Porto.


Comentários

Uma resposta para “Com os pés no mundo”

  1. Fabíola, gostaria de saber se esse artigo foi publicado na revista e se sim qual o numero e a edição, pois gostei muito e tenho interesse em usar algumas informações em meu trabalho acadêmico.

    Desde já agradeço.

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