De olho na natureza

Montagem sobre foto Japan Railways Group

O novo modelo do trem-bala, criado no Japão, resolveu o problema da poluição sonora com o formato inspirado no bico do pássaro martim-pescador

Apesar de ser um dos mais modernos, eficientes e velozes meios de transporte do mundo, o trem-bala – com seu formato de projétil – enfrentava um sério problema: gerava excessiva poluição sonora. Especialmente quando passava por túneis e, na saída, provocava o fenômeno tunnel boom, um barulho semelhante ao de uma explosão, causado pelo ar comprimido, que atormentava moradores em países como Japão e França. Mas o problema finalmente teve solução. Veio da observação de um pássaro que, enfrentando situação comparável à do trem-bala, mostrou que tinha solução. Esse ser era o pássaro martim-pescador, espécie que, ao mergulhar para pegar peixes, não deixa respingar água, já que o formato de seu bico gera um impacto mínimo na superfície. Resultado: engenheiros japoneses se inspiraram no bico da ave, projetaram um novo modelo de trem e conseguiram reduzir os ruídos do transporte. Mais do que isso, o veículo passou a gastar 15% menos energia e ficou 10% mais rápido do que o antecessor.

Casos como esse exemplificam o princípio da biomimética – área da ciência que estuda estruturas biológicas, aprendendo com a natureza a dar soluções para os mais variados problemas tecnológicos enfrentados pelo  homem em tempos de alta tecnologia. Em outras palavras, analisa modelos já existentes em plantas, animais e outros organismos, e neles se inspira para resolver questões que surgem na mesa de trabalho de engenheiros, arquitetos, eletricistas, químicos e todos os tipos de inventores. “Não tem nada a ver, por exemplo, com extrair um material de uma planta para fazer remédio. Tem relação com analisar como uma planta distribui líquidos através das veias das folhas, através dos ramos, e imitar isso em um sistema de tubos e canalizações”, explica a bióloga americana Janine Benyus, autora do livro Biomimética: Inovação Inspirada pela Natureza e principal difusora da nova ciência.

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Professora da Universidade de Montana, Janine reuniu no livro, de 1997, conhecimentos dispersos da área e definiu a nomenclatura para uma ciência até então pouco desenvolvida. Mais de uma década depois, a biomimética ganhou espaço em universidades, em empresas e na mídia, e dá resultados práticos em setores profissionais. “Tem o famoso caso do cara que foi passear com o cachorro e ficou cheio de carrapichos presos na meia. Aí, ele inventou o velcro. E pensei: por que não existem outros velcros? Há 15 anos estudando coisas incríveis sobre o mundo natural, percebi que não existia um nome para esse método de resolução de problemas”, conta Janine à INOVAÇÃO!Brasileiros, durante visita ao Brasil.

Bilhões de anos

A ideia por trás da biomimética parece simples. Enquanto os humanos estão há pouco tempo na Terra, a vida natural está se desenvolvendo e se aperfeiçoando há 3,8 bilhões de anos. Pesquisa e desenvolvimento, explica a bióloga, vem sendo feitos há tempos, em contexto, respondendo às oportunidades e limites do planeta, e por isso temos muito a aprender com a natureza. “Por todo o período em que existe vida na terra, ocorreram milhares de extinções. Noventa e nove por cento de todas as espécies que já estiveram aqui estão extintas”, diz Janine. “Então, o que você vê agora são os sobreviventes, o 1% que venceu. E isso é porque os seus designs são elegantes, seus materiais leves e fortes, suas químicas são seguras. Ou seja, durante esse longo período de tempo, as espécies aprenderam a viver aqui, melhorando o lugar onde estão.”

As respostas para os desafios tecnológicos que enfrentamos, portanto, podem estar em qualquer lugar. Engenheiros do Airbus, por exemplo, copiaram a textura da áspera pele do tubarão para desenvolver uma lâmina que cobre a asa do avião, o que resultou em uma redução na fricção e uma considerável economia de combustível. Em outro caso, a partir da análise do sistema de ventilação de um cupinzeiro, arquitetos e engenheiros construíram no Zimbabwe um shopping center que mantém temperatura, umidade e ventilação controladas sem utilizar máquinas de ar-condicionado. E os casos se multiplicam.

Uma profissão

Olhar a literatura de biologia, pesquisar a natureza e mostrar soluções para inventores se tornaram, desse modo, um campo de trabalho vasto para especialistas em biomimética nos últimos anos. Janine veio o Brasil para assessorar a gigante de cosméticos Natura, mas ela trabalha com uma lista grande de empresas no mundo. “O livro saiu em 1997, focando nos campos de agricultura, ciências de materiais, saúde, negócios e energia. Publiquei e logo comecei a fazer pesquisa para meus trabalhos seguintes. Mas aí o telefone começou a tocar e eram as grandes empresas, perguntando se eu tinha biólogos para trabalhar com os inventores deles. Eu disse: bem, sou escritora, não tenho uma companhia de biólogos…”, conta Janine. Mas por que não criar uma?

Em 1998, Janine fundou com a bióloga Dayna Baumeister a empresa de biomimética Biomimicry Guild, que passou a dar consultorias para inventores e empresas como General Electric, Johnson & Johnson, Nike, NASA e Kraft, entre muitas outras. Em 2005, Janine expandiu sua atuação com o The Biomimicry Institute (TBI), uma organização sem fins lucrativos com foco em educação e na divulgação dos conhecimentos da nova ciência pelo mundo. Em 2008, o TBI lançou o portal Ask Nature (asknature.org), um enorme banco de dados on line aberto para o público. Hoje, as organizações estão reunidas em torno do nome Biomimicry 3.8, em referência ao tempo de vida na terra: “Imagine 3,8 bilhões de anos de brilhantismo disponíveis de graça! Sim, nós estamos cercados de gênios na natureza”

Por proteção

A sempre inovadora Natura acaba de lançar a coleção SOU, de hidratantes, sabonete líquido e xampus. Os produtos levam a qualidade da marca, ainda que com menor número de ingredientes e sem corantes. Mas o mais bacana da nova coleção é saber de todo o processo de sua criação, que começou, acredite, em 2007. “Queríamos criar um produto que fosse sustentável desde o início”, diz José Vicente Marino, vice-presidente de Negócios da empresa. A fórmula mais enxuta, sem prejuízo de qualidade, ele garante, foi apenas uma etapa, embora importante – menos ingredientes significa menos custo de produção para a companhia e menor preço para o consumidor (os produtos terão preço inferior a similares da marca). Outra fase fundamental foi a embalagem – igual para todos os produtos, que se diferenciam apenas pela cor (azul para hidratantes, verde para sabonetes e vermelho para os que tratam dos cabelos). Em forma de gota, seu formato é de plástico mole (tipo sachê), o que traz diversas vantagens: mais produtos podem ser transportados de uma só vez (reduzindo o uso de combustível), o consumidor consegue aproveitar totalmente os produtos (a embalagem deve ser espremida), e o descarte é bem menor do que a de embalagens convencionais – gera três vezes menos resíduos. Além disso, a empresa investiu em maquinário para a linha – em geral, uma embalagem chega à fábrica em diversas partes. Nesse caso, a embalagem adquire o formato final no mesmo local em que os produtos são envasados. A Natura inaugura, além de uma nova linha de produtos, uma forma de criar produtos que otimizam recursos, ganham eficiência e reduzem o impacto ambiental em toda a cadeia produtiva. Os consumidores vão ter de esperar um pouco ainda. Hidrantes e sabonetes chegam ao mercado no mês de julho. Os xampus, condicionadores, cremes para pentear e as máscaras de tratamento, só em setembro. 


Comentários

2 respostas para “De olho na natureza”

  1. poxavidaondecomopossoviajarnestetrem.
    parececoisadobrainiac.

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