Ideias para fortalecer raízes

Nos últimos anos, a produção de orgânicos brasileiros deixou de ser sinônimo de alfaces mirradas, frutas feias e opções restritas. Estima-se que o mercado cresce em média 10% ao ano, por dois fatores. O primeiro, a segurança alimentar que entrou em pauta nos países desenvolvidos e importadores de orgânicos brasileiros processados, como açúcar, café, polpa de frutas, mel. O segundo é que, nas grandes cidades, mais brasileiros descobrem que boa saúde também está no prato.

Nos últimos cinco anos, o próprio conceito de produto orgânico foi ampliado. Além de dispensar fertilizantes químicos, deve ser produzido conforme princípios ecológicos, que contemplam o uso responsável do solo, água, ar e demais recursos naturais, além de os trabalhadores rurais terem seus direitos preservados.

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Só que os produtos orgânicos são cerca de 30% mais caros que os convencionais. Quem compra em supermercados, paga pela comodidade de encontrar esses alimentos separados de outros itens. “Acompanhando cerca de 40 produtos orgânicos, observamos que, do valor total deixado no caixa do supermercado, 30%, em média, é destinado ao agricultor, 33% cobre os custos dos distribuidores com classificação, embalagem, transporte e pessoal, e o restante (37%) corresponde à margem dos supermercados”, diz Moacir Roberto Darolt, professor-doutor do Instituto Agronômico do Paraná (APAR).

Mas isso não é regra. Quem inclui no cardápio diário os itens da chamada agricultura limpa sabe que, para ter o melhor com preço viável, basta comprar direto do produtor nas feiras orgânicas, que estão se multiplicando nas grandes cidades. Só em Curitiba surgiram sete neste ano.

Novo selo
Depois de quase uma década de discussões e da Lei da Agricultura Orgânica (10831/2003), finalmente, o Ministério da Agricultura criou uma certificação específica para os orgânicos. Os alimentos com o selo da Organismo de Avaliação da Conformidade (OAC) garantem que a produção está dentro das normas sustentáveis e de responsabilidade social. Isso favorece o homem do campo, dono de pequenas ou grandes propriedades, o consumidor do varejo e quem exporta. Sim, o produto orgânico é um negócio rentável, um setor em crescimento no Brasil e no mundo.

Que o diga Leontino Balbo que, há duas décadas, apostou no manejo de insetos para combater as pragas e abolir os agrotóxicos das lavouras de cana. Além disso, criou maquinário para colher a cana crua (evitando o corte depois das tradicionais e devastadoras queimadas) e hoje exporta o açúcar orgânico Native para 64 países, com produção anual de 63 mil toneladas. Quando a ideia surgiu, parecia loucura de um jovem agrônomo, mas a persistência e a pesquisa provaram que é possível ganhar muito, respeitando o potencial da terra, os direitos e a saúde dos trabalhadores e dos consumidores.

Inclusive, na fazenda São Francisco, em Sertãozinho, interior de São Paulo, as inovações tecnológicas e de manejo sustentável dão lugar para certas delicadezas. Desenvolvida por Leontino Balbo, uma cortadeira com pneu de alta flutuação evita que o solo seja amassado. Assim, a terra continua fofa, respirando, mesmo depois da colheita.

Para preservar as 324 espécies de animais que se reproduzem no canavial orgânico, o cronograma de corte pode ser alterado para que os filhotes possam crescer e deixar os ninhos antes que a máquina passe. Isso não prejudica o rendimento e dá prejuízo? Não. Enquanto as fazendas normais produzem 85 toneladas de cana por hectare, a fazenda verde chega a 115 toneladas. A Native também produz aveia, café, azeite e vende álcool para compor os cosméticos da Natura, outra indústria nacional que se destaca pelo foco na sustentabilidade.

As novas roças
O estudo internacional Retail Trend 2012, feito pelo The Future Laboratory, considerado o mais completo dossiê de tendências mundiais, confirma o surgimento de um novo consumidor: “Marcado pelas crises econômicas e pela instabilidade, quer vida mais simples e está disposto a trazer os valores do campo para a cidade”.

Paulo Al-Assad, da Voltage, agência de mapeamento do comportamento humano que divulga essa pesquisa no Brasil, dá detalhes: “Essa é a tendência chamada Rurban, que traduz o anseio por uma vida descomplicada e norteada por princípios sustentáveis. Em especial, americanos e europeus estão fascinados pela procedência da alimentação. Tudo o que soma os valores rústicos do campo à alta tecnologia está sendo mais valorizado. Por exemplo, há um aplicativo de iPhone, que localiza os pontos de venda de orgânicos. Aqui e lá fora, restaurantes destacam itens orgânicos nos cardápios”.

A prática confirma as estatísticas. É crescente o movimento dos hortelões urbanos, ou seja, gente disposta a arregaçar as mangas para plantar. A maior delas tem 40 mil m2 e verdeja no alto de um prédio no Brooklyn, em Nova York.

No caos de São Paulo também brotam exemplos. “Há três anos, montei uma horta no jardim de casa e tenho o maior orgulho de ser autossuficiente em alface, couve, espinafre, pimentão, rúcula e todos os temperos e chás. Também planto berinjela, pepino, tomate, cenoura, alho e cebola”, diz Claudia Visoni, jornalista, que mora no Alto de Pinheiros, Zona Oeste.

O mesmo acontece no Sabor de Fazenda, em Vila Guilherme, na Zona Norte, onde tem um oásis que abriga uma horta e um jardim de ervas medicinais com mais de 90 espécies. “Cada vez mais pessoas estão interessadas em aprender processos de cultivo. Isso é possível”, diz Sabrina Jeha, geógrafa, sócia de Silvia Jeha, nutricionista. Há 20 anos, elas bancaram a proposta e hoje ministram cursos para pessoas de todas as idades.

Na outra ponta, uma estatística trágica: desde 2008, o Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Aqui, ainda são usados produtos já banidos nos Estados Unidos, China, Europa e África. O recém-lançado documentário O Veneno Está na Mesa, dirigido por Silvio Tendler, mostra essa triste realidade e revela dados aterrorizantes: cada brasileiro engole cerca de 5,2 litros de venenos pesticidas e herbicidas, fora o que é inalado, pois as pulverizações são feitas por avião e o vento espalha substâncias altamente tóxicas para as cidades vizinhas às plantações.

Pesquisas recentes no Estado de Mato Grosso revelaram a contaminação da água e a presença de agrotóxicos também no leite materno, consumido pelos bebês da região, muito antes de eles experimentem a primeira salada. Isso quer dizer que os pequenos estão sendo alimentados com benzeno, um cancerígeno poderoso presente na maior parte dos defensivos agrícolas. Ele se encarrega de diminuir glóbulos brancos, baixar a imunidade e alterar a produção do sangue na medula óssea.

“Se conseguimos retirar o veneno do prato, estaremos diminuindo a epidemia de câncer infantil e adulto. Isso é tão importante quanto banir os vícios do álcool e cigarro”, adverte o médico Alberto Peribanez Gonzalez, doutor em microcirurgia pelo Instituto de Pesquisa Cirúrgica da Universidade Ludwig Maximilian, de Munique, Alemanha.

“Esquecemos que 70% da produção de alimentos no Brasil vem de pequenos agricultores, que não contam com a orientação de agrônomos. Eles aplicam os defensivos intuitivamente e, na lida diária, também são vítimas desses produtos tóxicos, que podem matar ou, no mínimo, levar a problemas neurológicos e leucemia”, completa.

Mas o que fazer? Gonzalez está liderando um trabalho pioneiro no Brasil. Depois dos ótimos resultados conseguidos com a população de Campos do Jordão e Osasco, em São Paulo, ele e a nutricionista Maya Beermann são contratados pelo Serviço de Saúde da Família da prefeitura de Capão Bonito, interior paulista, para ensinar aos cidadãos como e por que vale a pena aproveitar ao máximo os nutrientes de alimentos orgânicos e grãos germinados, para combater doenças crônicas.

“O meu embasamento científico e a minha experiência não deixam dúvidas de que diabetes, hipertensão, obesidade e câncer são decorrentes de graves distorções dos hábitos alimentares. Muitos lucram com esses males. Mas estamos chegando a um limite e é questão de pouco tempo para que o Ministério da Saúde implante políticas públicas de segurança alimentar, baseada na ampliação do acesso aos orgânicos. Trabalho incansavelmente nessa direção, baseado nas leis da vida”, diz ele, que é autor do livro Lugar de Médico é na Cozinha (Editora Alaúde).

Em um planeta onde um bilhão de pessoas passam fome é desejável que a produção de alimentos seja em larga escala. Isso os agrotóxicos garantem, porém a um alto custo. Um estudo feito no Paraná constatou que são gastos cerca de US$ 150 milhões por ano no tratamento de intoxicações agudas provocadas por defensivos agrícolas.

Por esse quadro trágico e oneroso, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) começou, em 2008, a investigar 14 tipos de defensivos agrícolas. As multinacionais não gostaram. De cinco estudos concluídos, pediram recursos para três, o que atrasa a retirada dos produtos do mercado. Embora tardiamente e com uso permitido até junho de 2012, o terrível metamidofós sai de cena na agricultura brasileira muito tempo depois de ser condenado no restante do mundo.

Se a substância é tão nociva, por que demorou tanto para ser proibida? “A avaliação da Anvisa é rigorosa, mas vivemos em um país democrático e as empresas têm o direito de recorrer. Hoje, temos um modelo agrícola amarrado no agrotóxico e na monocultura. Mas é preciso eleger outro modelo baseado nos manejos sustentáveis e isso a biodiversidade brasileira permite. Sem dúvida, é possível acabar com as pragas sem usar veneno e produzir alimentos limpos em larga escala, como acontece em Brasília e em outras partes do País”, afirma Luiz Cláudio Meirelles, gerente geral de toxicologia da Anvisa, engenheiro agrônomo, pesquisador em Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (RJ).

De fato, estamos chegando a um limite e precisamos preservar o que resta de vida e de saúde. Por isso, um assunto como esse mobiliza tantos setores da sociedade e tantas ações. Em seu artigo A Ilusão da Economia Verde, o teólogo Leonardo Boff analisa nosso processo de sobrevivência: “A produção de baixo carbono, os produtos orgânicos, energia solar e eólica, a diminuição, o mais possível, de intervenção nos ritmos da natureza, a busca da reposição dos bens utilizados, a reciclagem, tudo que vem sob o nome de economia verde são os processos mais buscados e difundidos. E é recomendável que esse modo de produzir se imponha. A questão central nem é salvar a Terra. Ela se salva a si mesma e, se for preciso, nos expulsando de seu seio. Mas como nos salvamos a nós mesmos e a nossa civilização? Essa é real questão que a maioria dá de ombros”.

Perigo à mesa
Quase um terço dos vegetais mais consumidos pelos brasileiros apresentaram resíduos de agrotóxicos em níveis inaceitáveis, de acordo com uma análise feita pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) no final do ano passado. Das 2.488 amostras analisadas, 28% (ou 697 delas) apresentaram limites acima do recomendável ou substâncias não aprovadas para o produto. O levantamento foi feito em todos os estados do País, com exceção de São Paulo, que não quis participar da avaliação, que existe desde 2001. O Estado paulista colaborou com pesquisa feita em 2009. A secretaria de Estado da Saúde afirma que não entrou porque faz suas próprias análises de amostras colhidas no comércio e esses dados são divulgados.

O Campeão de Irregularidades
Pimentão – 92% das amostras analisadas foram consideradas insatisfatórias – há dois anos, o índice era de 65%.
Morango e pepino – 63% e 57% de amostras com mais agrotóxicos do que o permitido, respectivamente.
Em 2010, foi usado 1 milhão de toneladas de agrotóxicos em lavouras do país, Ou seja, cinco quilos por brasileiro


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