No garimpo do conhecimento

Todo “Eureka!” que ecoa de laboratórios, agências de inovação e incubadoras nacionais já nasce à meia-voz. “O financiamento de ciência e tecnologia é o sangue que alimenta e sustenta a pesquisa científica. Porém, no Brasil, a maioria esmagadora dos investimentos é proveniente de agências governamentais, o que gera uma significativa dependência de, praticamente, uma única fonte de recursos: a estatal”, lamenta Andrea Kauffmann-Zeh, PhD pelo Imperial Cancer Research Fund, da Inglaterra, e assessora de Relações Institucionais da Fundação para o Desenvolvimento da Pesquisa (FUNDEP).

Segundo ela, a contribuição do setor privado para o financiamento em pesquisa ainda é pequena e particularmente inexistente quando o assunto é pesquisa básica, uma vez que o retorno sobre o investimento é arriscado e em longo pra­zo. Hoje, aproximadamente 46% do investimento total em PD&I provêm de empresas, ao passo que em países como EUA, Alemanha, China, Coreia ou Japão o percentual chega a quase 70%.

A partir dessa constatação, com­preende-se que a clássica caricatura seja tão recorrente: isolado na sua torre de marfim, em meio a tubos de ensaio e uma engrenagem burocrática colossal, o cientista brasileiro tem, muitas vezes, nas mãos uma mina de ouro pela qual ninguém dá um tostão. Até que alguém o descubra.

O governo previa chegar ao final de 2010 investindo 1,5% do PIB em ciência e tecnologia. Dois anos depois, não dedicou mais de 1% ao setor, para prejuízo das bolsas de estudo, centros de excelência e retração da meta de produzir 11,5 mil doutores por ano. Paradoxalmente, jamais a prospecção de alternativas de fomento e a parceria universidade-sociedade foram mais positivas no País.

A garimpagem de gemas de inovação vem despertando o interesse de todos, meio acadêmico e setor privado, em via de duplo sentido, enquanto a transferência de tecnologia desponta como um excelente negócio e as boas invenções ganham status de commodities.

Na Cidade Universitária, a Agência de Inovação da Universidade de São Paulo (USP) persegue o objetivo de fechar parcerias orgânicas com empresas e recentemente começou a criar iniciativas concretas para consolidar alianças, por meio de seminários especiais, encontros, apoio ao registro de propriedade intelectual e geração de material informativo. “Somos uma universidade pública que tem entre suas missões transformar o conhecimento em bem-estar para a sociedade. Temos de ir atrás dos clientes e mostrar como podemos ajudá-los”, explica o professor Vanderlei Salvador Bagnato, diretor da agência.

Segundo ele, a parceria com os setores estratégicos da sociedade é “uma das formas mais eficientes para que o conhecimento encontre caminhos de se transformar em produtos para alavancar a economia nacional”. E, apesar de não haver ainda no Brasil uma cultura de aproximação e interação entre o meio empresarial, os setores públicos e a universidade, “a situação está sendo revertida com uma ação proativa do setor acadêmico de inovação tecnológica”.

“Estamos identificando setores tradicionais da economia que necessitam urgentemente de apoio para a inovação tecnológica”, adianta Bagnato, apontando, em especial, o têxtil, o médico-hospitalar e o farmacêutico como os mais receptivos. No final do ano passado, a agência lançou um programa em parceria com a Associação Brasileira das Indústrias Têxteis (ABIT) para encorajar a colaboração entre pesquisadores da USP e empresas. “Nossa indústria têxtil vem perdendo competitividade. A pesquisa da USP pode ajudá-la a enfrentar a concorrência de várias formas”, afirma o acadêmico.

Outros setores na mira da agência da USP são a indústria eletromecânica e de cosméticos. Ações de inovação também estão sendo esboçadas, ainda segundo Bagnato, para oferecer atendimento educacional, de lazer e de saúde para a terceira idade. “Como a expectativa de vida da população brasileira tem aumentado de forma acelerada, apenas a tecnologia poderá proporcionar vida condigna aos cidadãos de idade avançada.”

Outra frente de trabalho adotada pela Agência de Inovação da USP consiste em incentivar a formação de spin-offs em setores estratégicos – isto é, empresas nascidas no seio de um grupo de pesquisa de uma empresa, universidade ou centro de pesquisa público ou privado com o objetivo de explorar um serviço de alta tecnologia ou um novo produto. “Acabamos de induzir a formação das primeiras empresas do setor de petróleo e gás, originadas na universidade”, adiantou Bagnato, explicando que “os entraves burocráticos existentes no estabelecimento de parcerias público-privadas na área de desenvolvimento tecnológico se devem ao fato de elas serem ainda um elemento novo no cenário nacional”.

Com o esforço das agências de inovação e uma mudança de mentalidade no ambiente acadêmico, contudo, acredita, “a cultura de valorização de parcerias em inovação tecnológica serão rotineiras em todas as universidades brasileiras”.

Via de duplo sentido
A busca de parcerias público-privadas para transferência de conhecimento também vem acontecendo no Brasil em sentido contrário – isto é, do mercado para a universidade. Eduardo Vassimon e Fernando Reinach são sócios-gestores do Fundo Pitanga, de investimento em start ups e pesquisadores. “No Brasil, os cientistas estão acostumados a ter capital a fundo perdido. Nosso trabalho consiste em visitar as universidades e incubadoras de empresas para garimpar ideias inovadoras e propor a seus donos que se tornem empreendedores e façam uma parceria conosco”, esclarece Vassimon, informando que os sócios do Fundo Pitanga – entre eles, os banqueiros Fernão e Cândido Bracher e Pedro Moreira Salles, além de Pedro Passos, da Natura – constituíram um venture capital que entra com 50% no negócio.

Até o momento, os gestores do Pitanga já avaliaram cerca de 400 projetos e, ao que tudo indica, devem concentrar esforços em um deles, na área de softwares. Outros 30 aguardam sua vez. “Um dos problemas no Brasil é que o cientista não tem a cultura de ir atrás de fundos de investimentos para seus inventos. Ele espera o auxílio de órgãos como a FAPESP” (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), aponta Reinach, explicando que nos Estados Unidos existe uma espécie de ecossistema integrado que funciona em volta das faculdades, com incubadoras, agências de financiamento e escritórios de patenteamento – todos localizados no mesmo quarteirão. Apesar do atraso do Brasil na área, estima, contudo, esse modelo de empresa tem grande potencial: “Quando a parceria promete, a fonte de recursos é o venture capital, apesar de sua taxa de fracasso ser grande: nove correm o risco de não dar certo, de fato, mas uma pode virar um novo Google”, diz, referindo-se ao sucesso da plataforma de busca digital norte-americana.

Outra alternativa que pode amparar os cientistas e viabilizar a transferência de tecnologia para a sociedade é a proposta do Sistema de Prospecção de Agentes Financiadores em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (Financiar), desenvolvida pela Fundação Arthur Bernardes (FUNARBE), em Viçosa, Minas Gerais, e apoiada pela Fundação para o Desenvolvimento da Pesquisa (FUNDEP).

Trata-se de um banco de oportunidades de fomento prospectadas, cadastradas, revisadas e atualizadas por uma equipe de doutores, mestres e especialistas e colocadas à disposição dos cientistas on line. “Apesar de a internet ser uma excelente fonte de consulta sobre oportunidades de financiamento, as informações estão dispersas em inúmeros sítios, disponíveis na maioria das vezes em links internos que nem sempre são facilmente identificados pelo pesquisador. Portanto, a busca por essas informações é demorada, demandando horas de dedicação e, mesmo assim, o pesquisador pode não encontrar os possíveis financiadores para seu projeto”, descreve Cássia Sakiyama, coordenadora. Além disso: “Os sistemas de busca internacionais existentes, que relacionam milhares de fontes financiadoras, não permitem de forma direta a identificação dos fundos que disponibilizam recursos para projetos no Brasil”.

E com relação às organizações brasileiras, algumas das que divulgam oportunidades de financiamento, o fazem em áreas restritas, muitas vezes temáticas, e disponibilizam poucas informações sobre as fontes financiadoras. “Outro fator restritivo ao sucesso da identificação de fontes financiadoras pelos métodos convencionais de busca na internet”, segundo Cássia, que é PhD pela Universidade da Flórida, “é a qualidade das informações on line. Na maioria dos casos, apenas o nome da fonte financiadora e o respectivo link são indicados.”

O serviço proposto consiste em debulhar esses dados e incentivar o pesquisador a navegar pelas oportunidades de negócio. O acesso é liberado por meio de assinatura institucional e o contrato permite que todo o quadro de pesquisadores da instituição receba senhas de acesso individual e tenha a liberdade de criar perfis personalizados de acordo com suas áreas de interesse. Cada usuário recebe de forma seletiva, por e-mail, informações sobre as oportunidades de financiamento na sua área de atuação.

Normalmente, os contratos têm vigência de 12 meses e o pagamento do valor anual pode ser parcelado em igual número de vezes. Se um pesquisador identificar um edital ou outra oportunidade de fomento por meio do Sistema Financiar, ele pode enviar sua proposta, sem passar pelo Sistema Financiar. “O pesquisador ou sua instituição enviam a proposta direto para a agência de fomento. Se ela for aprovada, a financiadora repassa o recurso para a execução do projeto para a instituição ou para o pesquisador, de acordo com as normas vigentes. O Sistema Financiar não cobra nada em nenhum caso”, diz Cássia.

Até o momento, 13.418 usuários estão cadastrados no portal. Desde outubro de 2003, quando foi lançado, 287.991 oportunidades de fomento foram consultadas e 106.514 buscas foram realizadas no site do Financiar. Em quase dez anos de funcionamento, mais de 7.419 oportunidades de fomento, das quais 3.206 nacionais e 4.213 internacionais foram divulgadas.


Comentários

Uma resposta para “No garimpo do conhecimento”

  1. Avatar de Ivaldo Neves Pereira
    Ivaldo Neves Pereira

    Sou pesquisador e Consultor em Política Industrial (Lei de Informática. Tenho mais de 10 projetos próprios e de parceiros com invação tecnológica, aguardando uma oportunidade de um investidor (não predador). São projetos nas áreas de automação [(prédios inteligentes (estacionamento automático para veículos; sistema de automação para churrasqueiras, cachorro eletrônico, alimentador automático de animais domésticos;),restaurantes e hotéis (cardápio eletrônico, sistema self service com controle de calorias) sustentabilidade (recuperação e utilização de águas cinzas residencial;transplanta – extração e implantação de árvores de um lugar para outro; eficiência energética; colar salva vidas; localização de pessoas etc

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