Luiz Carlos de Moraes Rego, em frente a uma tapeçaria do artista Manabu Mabe

Ele fez parte da primeira turma de formandos em Engenharia Aeronáutica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em São José dos Campos, é autor da ideia da exploração de serviços de informação digital via rede telefônica comutada (videotexto) e foi cofundador do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da USP. Com 79 anos, dois filhos e cinco netos, Luiz Carlos Moraes Rego trabalha há mais de 50 anos com inovação. Desde 2004, ele se dedica ao ensino, pesquisa e consultoria. É professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas e membro do Fórum de Inovação da FGV. Em mais de três horas de conversa com a revista INOVAÇÃO!Brasileiros, Moraes Rego discorreu sobre teorias da inovação e perspectivas para o Brasil. Deu exemplos de empresas e países inovadores e salientou que a inovação é o direcionador estratégico para o Brasil. A seguir, os melhores momentos desse encontro.

Inovação – Fala-se muito em inovação. Mas o que significa esse termo?
Luiz Carlos Moraes Rego – No Google, existem 2,5 milhões de termos que explicam inovação. Os conceitos estão concentrados em áreas como criatividade, invenção aplicada, modelos de negócios e – o que acho melhor – aqueles que definem inovação como “o atendimento de aspirações ainda não atendidas”. Mas inovação é a mistura de conceitos que se traduzem de forma simples em uma equação construída pelo economista austro-americano Joseph Schumpeter: ele a define como “crescer lucrativamente de forma sustentada por período prolongado, considerando-se responsabilidade social e ambiental”.

Inovação – Como implementar esse conceito nas empresas?
L.C.M.R. – É preciso entender primeiro que existem dois tipos de inovação: a sustentadora, que alicerça o core da empresa, ou seja, a atividade que faz a corporação sobreviver. E a disruptiva, que causa uma ruptura no modelo de negócios. É fundamental para as empresas focarem nesses dois elementos: de um lado, o cuidado com o presente e, de outro, a visão de futuro. A empresa que quer se eternizar precisa crescer continuamente. Tem de construir o futuro desde já. Também é essencial perceber que no mundo globalizado ninguém mais trabalha sozinho. A inovação pode estar em qualquer lugar e para isso é preciso criar uma rede de parcerias colaborativas. É o chamado oppen innovation, que nada mais é do que montar ecossistemas empresariais globais.

Inovação – Open innovation, então, é uma evolução no conceito de inovação?
L.C.M.R. – A inovação está caminhando para a colaboração, é um modelo que está dando certo. Segundo Clayton Christensen, professor de Harvard, participar do ecossistema é uma vantagem competitiva. A empresa não pode fazer tudo sozinha. Ninguém é dono do conhecimento completo. Se antigamente as empresas ditavam o que o consumidor queria, hoje esse cenário está desaparecendo. Com a globalização e o amadurecimento dos mercados, os agentes se multiplicaram, os stakeholders (acionistas, funcionários, fornecedores e compradores) agora participam ativamente do jogo e as regras mudaram. Por isso, empresas muito focadas no core que se julgam autossuficientes estão perdendo espaço.

Inovação – Por que é tão difícil assumir esse novo paradigma nos negócios?
L.C.M.R. – Toda empresa tem um DNA, uma cultura formada pelo que chamamos de RPV, que são os recursos, processos e valores corporativos. Esse DNA é tão arraigado que não muda com facilidade. Quem tem anos de sucesso com o mesmo RPV, não quer se arriscar. Porém, se o DNA corporativo não está adequado ao novo mundo, a empresa pode morrer. Temos ao longo da história exemplos que mostram corporações que não mudaram e perderam terreno, como as empresas de tecnologia que não viram a oportunidade com o surgimento dos PCs ou os engenheiros da Boeing que se recusaram a investir tempo para fazer um avião de médio porte e foram surpreendidos pela Embraer, uma empresa brasileira sem tradição no mercado. Por isso, sempre recomendo que as empresas invistam em aquisições e spin-offs (termo utilizado para descrever uma nova empresa que nasce a partir de um grupo de pesquisa para explorar um novo produto ou serviço de alta tecnologia), para ter a capacidade de adotar coisas novas e praticar a inovação. A empresa precisa olhar para o futuro. Tem de estar atenta para ouvir o mercado, perceber as ameaças de novos entrantes e estar disposta a mudar.

Inovação – Então, a concorrência é importante? O que faz uma empresa ser inovadora?  
L.C.M.R. – Muito. A disputa entre as empresas é a força de melhoria e de mudanças no mercado. A falta de concorrência é um entrave para a inovação. A Embraer é um exemplo disso. Ela enfrentou desafios e resistiu a muitos ataques. Sua grande sacada foi identificar um nicho de mercado e montar um ecossistema empresarial global, não só nacional. A empresa foi rápida em identificar uma oportunidade e disponibilizar o produto no mercado. Para isso, delegou funções para terceiros e montou um ecossistema empresarial global e se diferenciou das concorrentes. Para falar de um exemplo mais recente, posso citar a AxisMed, empresa que percebeu uma lacuna na gestão preventiva da saúde e desenvolveu um software para gerenciamento de doentes crônicos, diminuindo custos para as operadoras de saúde e melhorando a vida dos pacientes. Identificou uma necessidade e adaptou ao mercado nacional, o que representou uma inovação disruptiva para o Brasil.

Inovação – O senhor citou duas empresas com exemplos de inovação. O Brasil é um país inovador?
L.C.M.R. – Não está mal. No ranking mundial do Fórum Econômico Mundial (World Economic Forum – WEF), o Brasil está em 53o lugar (Relatório de Competitividade Global). Mas deixa a desejar principalmente no apoio institucional à inovação. Não existe um caminho organizado para inovar: são diversas as fontes de financiamento, processos confusos para conseguir apoio, leis conflitantes. As leis específicas para inovação ajudaram apenas setores de tecnologia da informação. Nem por isso, o Brasil ganha nessa área. Ao contrário. Estamos perdendo espaço e já fomos um player importante em TI. Caímos na comodidade de importar tudo por que o País está gerando divisas com a venda de commodities. Esse é um drama brasileiro: dormimos em berço esplêndido. Nos últimos anos, a China ajudou muito comprando matéria-prima básica. O Brasil tem dado sorte, mas os recursos acabam e as regras do jogo mudam. Assim como as empresas, o Brasil depende das ameaças para ser um país inovador. Enquanto estamos preocupados apenas em sobreviver, não pensamos no amanhã.

Inovação – Quais fatores poderiam alavancar a inovação brasileira?
L.C.M.R. – Toda inovação tem um risco associado, e o empresariado brasileiro não gosta disso. Temos influência do imediatismo: os políticos são eleitos em curto prazo, os empresários são cobrados por resultados agora. O que não gera valor imediato é protelado. Outra coisa é o fator internacionalização. O Brasil se integrou na economia global. Esses dois processos mexem com a cultura do País. É necessário mudar o DNA, não é fácil, mas é melhor fazer devagar, do que não fazer.

Inovação – Essa falta de planejamento tem a ver com a educação?
L.C.M.R. – Certamente. Temos um déficit grande de qualificação para inovação. Veja o exemplo da Coreia do Sul: cresceu de forma surpreendente por causa da educação. Há alguns anos, a renda per capita daquele país era menor que a do Brasil. Hoje, é dez vezes maior. O Brasil precisa investir em educação e aumentar a integração das universidades com as empresas. Gerar conhecimento que seja reproduzível para que outras empresas possam se beneficiar disso. Mas, aqui, a universidade está mais preocupada em produzir artigos acadêmicos que transmitir conhecimento.

Inovação – Qual o objetivo do Fórum de Inovação? Como ele tem atuado?
L.C.M.R. – O fórum estimula a convivência entre empresário e acadêmicos, e incentiva o compartilhamento de ideias. O principal objetivo é produzir conhecimento e ser um referencial sobre organizações inovadoras. Sua grande conquista em 12 anos de existência foi conseguir se integrar com grandes players da indústria nacional, identificar problemas, estudar modelos e extrair informações. Mapeamos quais as características das empresas que crescem continuamente, apesar das crises, e transformamos isso em teorias que consideram a lógica local.

Inovação – Por que o senhor decidiu se dedicar ao estudo da inovação? O que o motiva a trabalhar nessa área?
L.C.M.R. – Olhando para o passado, vejo que tive sorte, fator importante na vida. Estava no Brasil nos momentos de mudanças, me formei no ITA e comecei a trabalhar em uma empresa pequena (a Fundição Progresso, no bairro da Lapa, em São Paulo), mas que queria progredir. O processo de fundição naquela época exigia inovação. Lembro que pegava as plantas estrangeiras e adaptava para o Brasil. Já inovava sem saber. Quando saí do ITA, em 1954, a indústria automobilística estava se formando. Depois, veio a indústria de informática, seguida das telecomunicações. Tive oportunidade de participar de tudo isso. Nunca me faltou oferta de trabalho e sempre estive em posições pioneiras. O pioneirismo permite aprender, conviver com o novo. O DNA do ITA me ajudou muito. A escola pretendia formar líderes e, naquele tempo, a gente saía de lá acreditando piamente que ia ajudar a mudar o Brasil. De certa forma, acho que conseguimos.


Comentários

Uma resposta para “O futuro é já”

  1. Importante a forma de apresetação do assunto. Senti-me gratificado ao ver a abordagem sobre DNA da empresa. Sempre me posicionei quanto ao “perigo” da empresa ser edificada sobre o DNA do dono. Por maior que seja o sucesso da empresa ela estará no mínimo sujeita ao determinismo do tempo.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.