Mário Prata encontra o homem que, por ordem de Pilatos, prendeu Jesus Cristo

Caravaggio, Michelangelo - Foto: Reprodução
Caravaggio, Michelangelo – Foto: Reprodução

De férias, europeando de cá pra lá, ao passar por uma ruela, em Jerusalém, vi uma placa que me atraiu a atenção, pois tinha o mesmo nome meu: Marius Albertus. E, abaixo, a profissão do elemento: Procuratore Detetivorum. Número 14, fundos. Não resisti. Toquei a sineta.

Foi um velhinho quem me atendeu, de longa barba branca, longos cabelos mais alvos ainda, com rabo de cavalo e vestido como os antigos moradores do Império Romano. Sua casa, ou melhor, seu escritório, também parecia parado no tempo. Mais papiros do que livros. Fumava um cachimbo. Ao me ver, sorriu feliz e fez sinal para que eu entrasse e me sentasse. Me expliquei.

– Toquei a sineta porque meu nome é Mario Alberto e achei a coincidência grande demais.

– É jornalista?

– Como sabe?

– Ninguém mais me procura para serviços de detetive. Não acredito em DNA, acredita? E nem tenho lupa. Fiquei antigo, do tempo da onça, como dizem. Apenas um ou outro jornalista aparece para me entrevistar. Mas as entrevistas nunca saem. Os donos dos jornais não acreditam na minha história. Ainda bem que tu não és jornalista. Algum caso que posso trabalhar nele? Só não faço divórcio nem casamento gay.

– Por acaso sou jornalista.

– Não perca seu tempo comigo. Aceita um copo de leite de ovelha?

– Tenho todo o tempo do mundo. Qual é a sua história que nenhum jornal ou revista jamais publicou?

– Pegue o seu IPhone e fotografe isso.

Foi a uma estante onde velhos rolos de papiros estavam até que bem organizados e puxou o que exatamente queria.

– Sabe latim clássico?

– Nem o popular.

Abre o papiro.

– Mas dá para entender bem quem assinou isso aqui. Olhe embaixo.

Apontou. Olhei, estava difícil reconhecer a assinatura. Depois que ele falou, eu achei que podia ser aquilo mesmo: Pôncio Pilatos. Fotografei. Ele esticou o papiro. Fiz várias fotos.

– Vou ler para ti em latim, depois traduzo: Ego, Pontio Pilato Judæam provinciam, repraesentativum Tiberium imperatorem Romanum imperium sub Mario et scribe Albertus affirmat, suum et privata investigator, et captus perniciosissimam ille qui vocatur locus, inter alia, nomina enim Jesus Christ. Subscribitur, Pontius Pilate. Et PS- mundissimæ manus meæ.

Antes mesmo de ele traduzir, eu já havia entendido e duvidava muito que a Brasileiros – e seus leitores – iriam acreditar nisso. Mas ele traduziu:

– Eu, Pôncio Pilatos, governador da província da Judéia, representante de Tibério, imperador de todo o Império Romano, afirmo e assino abaixo, que Marius Albertus, procurador e detetive particular, foi o homem que localizou e prendeu o perigoso elemento chamado, entre outros nomes, por Jesus Cristo. Assinado Pôncio Pilatos. PS: limpo minhas mãos.

Ficou me olhando, bateu a cinza do seu cachimbo no chinelo, colocou mais fumo a acendeu com um isqueiro Bic amarelo. Eu não sabia o que dizer, e ele sabia que eu não sabia o que dizer.

A única coisa que consegui dizer foi:

– Posso gravar?

– Claro.

Liguei o gravador do celular, coloquei na mesa bem perto dele e quase balbuciando, disse:

– Conta…

E ele contou:

– Estava eu aqui em plena primavera de um ano que depois seria conhecido como 34 D.C. (depois dele, veja a importância e a periculosidade do elemento nazareno). Estava aqui, dizia, numa tarde belíssima, numa briga ferrenha com a minha esposa, Úvula Uvulorum, quando toca a sineta. Era um pequeno escravo do palácio imperial com um papirozinho assinado pelo próprio Pôncio Polatos, o governador. Temi. Nunca tive em intimidade nem amizade com o concidadão. Fiquei preocupado. E Úvula querendo discutir a relação. Achava que devíamos fazer terapia de casal, imagina tu. O garoto estava com uma biga placa branca e lá fomos nós.

Para o palácio?
Exato. O filho da puta me fez esperar mais de duas horas. Cheguei a ter uma dor de barriga horrível naquela mesma noite, pois fiquei a comer tâmaras secas simplesmente divinas. Depois me mandou entrar.

– Ave, César!

– Ave, César!

Não me ofereceu acento. Carimbou vários papiros, assinou outros, chamou um tal de Cláudius e mandou que ele levasse tudo. Mas em cima da sua mesa devia ter ainda uns 20 papiros, todos enrolados e divididos em grupos de cinco ou quatro. Acendeu um charuto. E me ofereceu:

– Cubano.

– Obrigado, posso fumar meu cachimbinho?

– Fique à vontade. Senhor Procurador Detetive Marius Albertus: aqui (e apontou um montinho de papiros) estão as reclamações das vinícolas do sul do nosso Império. E dos seus sindicatos. Um tal de Jesus Cristo, que se diz  filho do Homem…

– Desculpa, governador, filho de que homem?

– Deus!

– Meus Deus! Virgem Santa!

– Pois o elemento deu para transformar água em vinho!!! Não duvidai. Temos várias testemunhas, algumas bêbadas, é verdade. O que será de nossas vinícolas se o homem da água faz o vinho? E os latifundiários, plantadores de uva? E o que vamos fazer com o desemprego no setor? Começa com vinho e depois vai para o uísque! Fora a cachaça.

– Que loucura, meu!

– Tu não ouvistes nada. Esse outro montinho aqui. Panificadoras e padarias. Além do crime da água pelo vinho, vem a fazer a multiplicação dos pães. Principalmente em bodas de casamento. Como vão ficar as padarias? E os plantadores de trigo? Está sentido como o homem é perigoso? Vai ser um desemprego total.

– Pelo amor de Deus, seu Pôncio…

– E não se sabe bem porque os peixes só pulam e se prendem nas redes deles e seus 12 asseclas. Formação de quadrilha, detetivorum.

– Puta que pariu! Desculpe.

– Puta quem pariu digo eu. Os pescadores do Mediterrâneo estão à beira da bancarrota total. E esse montinho aqui do centro deixei para o fim. Este é dos Estados Unidos da América, este da Grã-Bretanha e estes últimos dois são da Alemanha. Todos de multinacionais de remédios.

– Por que, ele inventou uma Farmácia Popular?

– Pior, muito pior! Não serão mais necessários remédios. Não apenas as farmácias vão falir como os fabricantes de remédios, as multinacionais farmacêuticas. Porque o sujeito anda ressuscitando os mortos. Acabaram as doenças, os mortos. Leprosos começarão a frequentar teatros!

– O senhor está brincando comigo. Para com isso.

– Brincando o cacete! Tu podes imaginar o que significa comprar uma briga com as multinacionais dos remédios do mundo todo? É o fim do nosso império, meu detetive.

– Estou estupefato. Como é que o senhor disse que se chama o elemento?

– Tem vários nomes e codinomes. Mas Jesus é o que mais usa. E ainda pesa uma acusação contra ele de destruir 12 casamentos. Levou os homens com ele, deixando as esposas e as crianças para trás. Um sujeito nada cristão.

– Acho que eu ouvi alguma coisa a respeito dele. Não é um que anda sobre as águas?

– Isso eu não sabia. Verdade? Mas isso não trás problemas nem com a economia do Império e muito menos de diplomacia com os países amigos. E é perigoso: praticamente destruiu um templo, a base de chicotadas.

– Solteiro, casado?

– Tudo que eu sei foi o que acabei de contar. Só não sabia da brincadeira em cima da água. Deve ser fofoca.

E ficou me olhando, como quem diz: e então? Mas fui eu que perguntei.

– E então?

– Tenho ótimas referências sobre seus serviços de detetive e de achar pessoas. O homem aparece cada vez em cima de uma montanha diferente. Em países diferentes. Quero contratar seus serviços. Não foste tu que entregaste o João Batista de bandeja, ou melhor, a bandeja com a cabeça do Batista?

– Mas isso foi um servicinho simples, senhor.

– Quanto quer pela empreitada?

Eu comecei a pensar com os meus botões: tinha muito dinheiro envolvido. Tinha um Império que implorava meus serviços. E logo pensei na Úvula Uvulorum querendo ir para Paris fazer compras na Montaigne.

Estava eu a pensar, quando ele me disse:

– Claro que tudo sem imposto, em euros depositados diretamente na Suíça, um país novo cheio de macetes.

Quis enrolar o homem.

– Posso pensar até amanhã? Quero conversar com a minha mulher, tenho uns outros trabalhos e…

Ele deu uma porrada na mesa. Mas uma porrada de governador romano! Com ecos! Voou papiro pra tudo quanto foi canto. Cláudius entrou correndo e começou a arrumar a papelada enquanto Pôncio Pilatos dava outra bordoada pior ainda e pontificava, mastigando o cubano:

– Porra, que merda de outros trabalhos que tu podes ter que são mais importantes que achar o filho do Homem, caceta!!! HEIN???

(continua na semana que vem…)


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